Dizer o Direito

terça-feira, 7 de novembro de 2023

É inconstitucional o inciso VIII do art. 144 do CPC

Caso concreto enfrentado pelo STF

O inciso VIII do art. 144 do CPC/2015 prevê que:

Art. 144. Há impedimento do juiz, sendo-lhe vedado exercer suas funções no processo:

(...)

VIII - em que figure como parte cliente do escritório de advocacia de seu cônjuge, companheiro ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive, mesmo que patrocinado por advogado de outro escritório;

 

A Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB propôs ADI contra o dispositivo.

A Autora alegou que a norma não pode ser aplicada pelo magistrado, porque este depende de informações que estão com terceiros. 

Argumentou que a proibição legal seria irrazoável e desproporcional, porque o juiz precisaria exigir de seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o 3º grau inclusive que lhe encaminhasse, diariamente, a relação dos clientes, a fim de verificar no acervo de processos ou na distribuição de processos, a existência de clientes do advogado seu parente.

Pontuou que o Código de Ética e Disciplina da OAB não autoriza o advogado a divulgar ou deixar que sejam divulgadas listas de seus clientes e demandas.

 

Os argumentos da autora foram acolhidos pelo STF? Essa previsão foi declarada inconstitucional?

SIM.

Historicamente, as hipóteses de exceção de impedimento sempre tiveram como característica o fato de serem aferidas objetivamente pelo magistrado.

Todavia, a regra descrita no inciso VIII do art. 144 do CPC/2015 depende de informações trazidas por terceiros para a sua averiguação, o que nem sempre pode se coadunar com a realidade dos fatos, implicando consequências indesejadas para a efetividade da jurisdição.

Esse inciso VIII traz uma cláusula aberta e excessivamente abrangente. Com isso, mostra-se irrazoável e inviabiliza a efetividade da jurisdição.

O dispositivo impôs ao magistrado o dever de recusar-se a julgar, sem sequer fornecer os meios para que o julgador avalie a incidência da norma. Por isso, a causa de impedimento acaba se tornando de inviável observância.

Na prática, seria necessário verificar se toda e qualquer parte que litigue já esteve, em algum outro momento, representada por patrono incluído na situação do inciso VIII do art. 144 do CPC/2015.

Mesmo sendo uma regra previamente estabelecida em lei, a norma dá às partes a possibilidade de usar o impedimento como estratégia, definindo quem serão os julgadores da causa. A escolha dos julgadores passa ao controle das partes, principalmente daquelas com maior poder econômico.

Além disso, a regra prevista pelo dispositivo impugnado gera uma presunção absoluta de impedimento, em contrariedade ao princípio do juiz natural (art. 5º, XXXVII e LIII, CF/88).

Para se alcançar a finalidade pretendida com o inciso VIII, já existe uma regra muito melhor no inciso III do art. 144. Com a previsão do inciso III já se consegue garantir a imparcialidade esperada do julgador. Confira:

Art. 144. Há impedimento do juiz, sendo-lhe vedado exercer suas funções no processo:

(...)

III - quando nele estiver postulando, como defensor público, advogado ou membro do Ministério Público, seu cônjuge ou companheiro, ou qualquer parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive;

(...)

§ 3º O impedimento previsto no inciso III também se verifica no caso de mandato conferido a membro de escritório de advocacia que tenha em seus quadros advogado que individualmente ostente a condição nele prevista, mesmo que não intervenha diretamente no processo.

 

Nessas situações, torna-se possível aferir, de forma objetiva, o risco de quebra de imparcialidade.

 

Em suma:

É inconstitucional — por violar os princípios do juiz natural, da razoabilidade e da proporcionalidade — o inciso VIII do art. 144 do Código de Processo Civil (CPC/2015), que estabelece que o magistrado está impedido de atuar nos processos em que a parte seja cliente do escritório de advocacia de seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive, ainda que essa mesma parte seja representada por advogado de escritório diverso.

STF. Plenário. ADI 5953/DF, Rel. Min. Edson Fachin, redator do acórdão Min. Gilmar Mendes, julgado em 22/8/2023 (Info 1104).

 

Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, julgou procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade do inciso VIII do art. 144 do CPC/2015.


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