A REPARAÇÃO DO DANO AO MEIO AMBIENTE É IMPRESCRITÍVEL (TEMA
999)
Antes de explicar o Tema
1106, é importante relembrar o que decidiu o STF no Tema 999. Para isso,
imagine a seguinte situação hipotética:
Em 1990, João extraiu ilegalmente
enorme quantidade de madeira de elevado valor no mercado (mogno, cedro e
cerejeira), causando grave dano ambiental.
Em 2020, ou seja, mais de 30 anos
depois do fato, o Ministério Público ajuizou ação civil pública contra João
pedindo a reparação dos danos ambientais causados.
O réu defendeu-se afirmando que a
pretensão estaria prescrita.
O argumento do requerido
encontra amparo na jurisprudência do STF?
NÃO.
É imprescritível a pretensão de reparação civil de dano
ambiental.
STF. Plenário. RE 654833, Rel. Alexandre de Moraes, julgado em
20/04/2020 (Repercussão Geral – Tema 999) (Info 983).
No ordenamento jurídico
brasileiro, a regra geral é a de que a pretensão de exigir a reparação dos
danos seja submetida à prescrição.
A imprescritibilidade, portanto,
é exceção. Depende de fatores externos que o ordenamento jurídico reputa
inderrogáveis pelo tempo.
Embora a Constituição e as leis
ordinárias não disponham acerca do prazo prescricional para a reparação de
danos civis ambientais, sendo regra a estipulação de prazo para pretensão
ressarcitória, a tutela constitucional a determinados valores impõe o reconhecimento
de pretensões imprescritíveis.
O meio ambiente deve ser
considerado patrimônio comum de toda a humanidade, para a garantia de sua
integral proteção, especialmente em relação às gerações futuras. Todas as
condutas do Poder Público estatal devem ser direcionadas no sentido de integral
proteção legislativa interna e de adesão aos pactos e tratados internacionais
protetivos desse direito humano fundamental de 3ª geração, para evitar prejuízo
da coletividade em face de uma afetação de certo bem (recurso natural) a uma
finalidade individual.
A reparação do dano ao meio
ambiente é direito fundamental indisponível, sendo imperativo o reconhecimento
da imprescritibilidade no que toca à recomposição dos danos ambientais.
A REPARAÇÃO DECORRENTE DE EXPLORAÇÃO IRREGULAR DO PATRIMÔNIO
MINERAL DA UNIÃO TAMBÉM É IMPRRESCRITÍVEL (TEMA 1.268)
Imagine a seguinte situação
hipotética:
Em 1990, Pedro extraiu
ilegalmente enorme quantidade de areia de uma praia, sem autorização.
Essa quantidade de areia extraída
teria valor estimado de R$ 2 milhões, em valores atualizados.
Vale ressaltar que os recursos minerais são de propriedade
da União, nos termos dos arts. 20, IX e 176 da CF/88:
Art. 20. São bens da União:
IX - os recursos minerais, inclusive os
do subsolo;
Art. 176. As jazidas, em lavra ou não,
e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem
propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e
pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da
lavra.
Vale ressaltar que a areia é um recurso mineral, conforme
explica Leandro Paulsen:
“(...) recursos
minerais são substâncias naturais inorgânicas encontradas na crosta terrestre,
tais como areia,
argila, carvão, basalto e muitos outros produtos que podem ser aproveitados
diretamente ou constituírem matérias-primas para a produção de outros bens”
(...) “a usurpação de recursos minerais, assim considerada a conduta de tomá-la
para si, de apropriar-se deles, sem licença ou em desconformidade com a licença
concedida, constitui crime contra o patrimônio da União.” (Crimes Federais, 2ª
ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 184).
Em 2020, ou seja, mais de 30 anos
depois do fato, a União ajuizou ação civil pública contra Pedro pedindo o
ressarcimento ao erário da quantia de R$ 2 milhões.
O réu defendeu-se afirmando que a
pretensão estaria prescrita.
O argumento do requerido
encontra amparo na jurisprudência do STF?
NÃO.
A exploração irregular do
patrimônio mineral da União causa, necessariamente, dano ambiental.
A atividade minerária é
potencialmente poluidora e o fato de a extração ser realizada sem autorização
do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) reforça a presunção de
existência de danos ambientais.
Logo, existe uma relação
indissociável entre a exploração irregular do patrimônio mineral da União e o
dano ambiental.
Havendo essa relação, a mesma
conclusão firmada no Tema 999 (acima explicado) deve ser adotada aqui.
Portanto, são também
imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário, decorrentes de lavra
mineral efetuada em desacordo com a licença concedida, tendo em conta a
degradação ambiental e a especial proteção constitucional atribuída ao meio
ambiente e aos recursos minerais.
Não se aplica o Tema 666
O STF, no julgamento do RE
669.069/MG, em sede de repercussão geral, definiu a tese de que:
É
prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de
ilícito civil.
STF. Plenário. RE 669069/MG, Rel. Min Teori Zavascki,
julgado em 03/02/2016 (Repercussão Geral – Tema 666).
Assim, se o Poder Público sofreu
um dano ao erário decorrente de um ilícito civil e deseja ser ressarcido, ele deverá ajuizar a ação no
prazo prescricional previsto em lei. Não há que se falar em pretensão
imprescritível.
Esse Tema 666 não pode ser
aplicado para os prejuízos decorrentes da exploração irregular do patrimônio
mineral da União. Isso porque, conforme já explicado, no caso do patrimônio
mineral da União existe também um dano ambiental.
Os danos ambientais não
correspondem a mero ilícito civil, de modo que merecem destacada atenção em
benefício de toda a coletividade. Assim, prevalecem os princípios
constitucionais de proteção, preservação e reparação do meio ambiente.
Ademais, os interesses coletivos
envolvidos ultrapassam gerações e fronteiras, de forma que não devem sofrer
limites temporais à sua proteção.
Nesse contexto, o entendimento do
STF é que, existindo ilícito indissociável da reparação por dano ambiental, não
se aplica a tese firmada ao julgamento do RE 669.069/MG (Tema 666 RG), mas a fixada no exame do RE 654.833/AC
(Tema 999 RG).
Tese fixada pelo STF:
É imprescritível a pretensão de ressarcimento ao
erário decorrente da exploração irregular do patrimônio mineral da União,
porquanto indissociável do dano ambiental causado.
STF.
Plenário. RE 1.427.694/SC, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 01/09/2023
(Repercussão Geral – Tema 1268) (Info 1106).
DOD Plus –
tabela comparativa
SITUAÇÃO |
PRESCRIÇÃO |
Ação de reparação por danos causados
à Fazenda Pública em razão da prática de ILÍCITO CIVIL Ex: particular, dirigindo seu
veículo, por imprudência, colide com o carro de um órgão público estadual em
serviço. Estado terá o prazo de 5 anos para buscar o ressarcimento. |
é
PRESCRITÍVEL (STF RE
669069/MG) Tema 666 |
Pretensão de ressarcimento ao erário fundada em decisão do Tribunal de
Contas |
é
PRESCRITÍVEL (STF RE
636886/AL) Tema 899 |
Ação de ressarcimento decorrente de ato de improbidade administrativa
praticado com CULPA* |
é
PRESCRITÍVEL (devem
ser propostas no prazo do art. 23 da LIA) |
Ação de ressarcimento decorrente de ato de improbidade administrativa
praticado com DOLO* |
é
IMPRESCRITÍVEL (§ 5º do
art. 37 da CF/88) STF RE 852475/SP Tema 897 |
Ação pedindo a reparação civil
decorrente de DANOS AMBIENTAIS É imprescritível
a pretensão de reparação civil de dano ambiental. Ex: não há prazo
para ACP ajuizada pelo MP objetivando a reparação de danos decorrentes de degradação
ao meio ambiente. Embora a Constituição e as leis
ordinárias não tratem sobre prazo prescricional para a reparação de danos
civis ambientais, a reparação do meio ambiente é direito fundamental
indisponível, devendo, portanto, ser reconhecida a imprescritibilidade dessa
pretensão. |
é
IMPRESCRITÍVEL (STF RE
654833) Tema 999 |
Ação de ressarcimento decorrente da
exploração irregular do PATRIMÔNIO MINERAL da União |
é
IMPRESCRITÍVEL (STF RE 1427694) Tema 1106 |
* Depois desse julgado do STF, foi aprovada a Lei nº
14.230/2021, que promoveu inúmeras mudanças na Lei nº 8.429/92. Uma das
alterações é que agora só existem atos dolosos de improbidade. Não existem atos
culposos de improbidade. Logo, essa distinção feita pelo STF perdeu sentido.