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sexta-feira, 24 de novembro de 2023

É imprescritível a pretensão de ressarcimento ao erário decorrente da exploração irregular do patrimônio mineral da União, porquanto indissociável do dano ambiental causado

A REPARAÇÃO DO DANO AO MEIO AMBIENTE É IMPRESCRITÍVEL (TEMA 999)

Antes de explicar o Tema 1106, é importante relembrar o que decidiu o STF no Tema 999. Para isso, imagine a seguinte situação hipotética:

Em 1990, João extraiu ilegalmente enorme quantidade de madeira de elevado valor no mercado (mogno, cedro e cerejeira), causando grave dano ambiental.

Em 2020, ou seja, mais de 30 anos depois do fato, o Ministério Público ajuizou ação civil pública contra João pedindo a reparação dos danos ambientais causados.

O réu defendeu-se afirmando que a pretensão estaria prescrita.

 

O argumento do requerido encontra amparo na jurisprudência do STF?

NÃO.

É imprescritível a pretensão de reparação civil de dano ambiental.

STF. Plenário. RE 654833, Rel. Alexandre de Moraes, julgado em 20/04/2020 (Repercussão Geral – Tema 999) (Info 983).

 

No ordenamento jurídico brasileiro, a regra geral é a de que a pretensão de exigir a reparação dos danos seja submetida à prescrição.

A imprescritibilidade, portanto, é exceção. Depende de fatores externos que o ordenamento jurídico reputa inderrogáveis pelo tempo.

Embora a Constituição e as leis ordinárias não disponham acerca do prazo prescricional para a reparação de danos civis ambientais, sendo regra a estipulação de prazo para pretensão ressarcitória, a tutela constitucional a determinados valores impõe o reconhecimento de pretensões imprescritíveis.

O meio ambiente deve ser considerado patrimônio comum de toda a humanidade, para a garantia de sua integral proteção, especialmente em relação às gerações futuras. Todas as condutas do Poder Público estatal devem ser direcionadas no sentido de integral proteção legislativa interna e de adesão aos pactos e tratados internacionais protetivos desse direito humano fundamental de 3ª geração, para evitar prejuízo da coletividade em face de uma afetação de certo bem (recurso natural) a uma finalidade individual.

A reparação do dano ao meio ambiente é direito fundamental indisponível, sendo imperativo o reconhecimento da imprescritibilidade no que toca à recomposição dos danos ambientais.

 

A REPARAÇÃO DECORRENTE DE EXPLORAÇÃO IRREGULAR DO PATRIMÔNIO MINERAL DA UNIÃO TAMBÉM É IMPRRESCRITÍVEL (TEMA 1.268)

Imagine a seguinte situação hipotética:

Em 1990, Pedro extraiu ilegalmente enorme quantidade de areia de uma praia, sem autorização.

Essa quantidade de areia extraída teria valor estimado de R$ 2 milhões, em valores atualizados.

Vale ressaltar que os recursos minerais são de propriedade da União, nos termos dos arts. 20, IX e 176 da CF/88:

Art. 20. São bens da União:

IX - os recursos minerais, inclusive os do subsolo;

 

Art. 176. As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra.

 

Vale ressaltar que a areia é um recurso mineral, conforme explica Leandro Paulsen:

“(...) recursos minerais são substâncias naturais inorgânicas encontradas na crosta terrestre, tais como areia, argila, carvão, basalto e muitos outros produtos que podem ser aproveitados diretamente ou constituírem matérias-primas para a produção de outros bens” (...) “a usurpação de recursos minerais, assim considerada a conduta de tomá-la para si, de apropriar-se deles, sem licença ou em desconformidade com a licença concedida, constitui crime contra o patrimônio da União.” (Crimes Federais, 2ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 184).

 

Em 2020, ou seja, mais de 30 anos depois do fato, a União ajuizou ação civil pública contra Pedro pedindo o ressarcimento ao erário da quantia de R$ 2 milhões.

O réu defendeu-se afirmando que a pretensão estaria prescrita.

 

O argumento do requerido encontra amparo na jurisprudência do STF?

NÃO.

A exploração irregular do patrimônio mineral da União causa, necessariamente, dano ambiental.

A atividade minerária é potencialmente poluidora e o fato de a extração ser realizada sem autorização do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) reforça a presunção de existência de danos ambientais.

Logo, existe uma relação indissociável entre a exploração irregular do patrimônio mineral da União e o dano ambiental.

Havendo essa relação, a mesma conclusão firmada no Tema 999 (acima explicado) deve ser adotada aqui.

Portanto, são também imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário, decorrentes de lavra mineral efetuada em desacordo com a licença concedida, tendo em conta a degradação ambiental e a especial proteção constitucional atribuída ao meio ambiente e aos recursos minerais.

 

Não se aplica o Tema 666

O STF, no julgamento do RE 669.069/MG, em sede de repercussão geral, definiu a tese de que:

É prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil.

STF. Plenário. RE 669069/MG, Rel. Min Teori Zavascki, julgado em 03/02/2016 (Repercussão Geral – Tema 666).

 

Assim, se o Poder Público sofreu um dano ao erário decorrente de um ilícito civil e deseja ser ressarcido, ele deverá ajuizar a ação no prazo prescricional previsto em lei. Não há que se falar em pretensão imprescritível.

Esse Tema 666 não pode ser aplicado para os prejuízos decorrentes da exploração irregular do patrimônio mineral da União. Isso porque, conforme já explicado, no caso do patrimônio mineral da União existe também um dano ambiental.

Os danos ambientais não correspondem a mero ilícito civil, de modo que merecem destacada atenção em benefício de toda a coletividade. Assim, prevalecem os princípios constitucionais de proteção, preservação e reparação do meio ambiente.

Ademais, os interesses coletivos envolvidos ultrapassam gerações e fronteiras, de forma que não devem sofrer limites temporais à sua proteção.

Nesse contexto, o entendimento do STF é que, existindo ilícito indissociável da reparação por dano ambiental, não se aplica a tese firmada ao julgamento do RE 669.069/MG  (Tema 666 RG), mas a fixada no exame do RE 654.833/AC (Tema 999 RG).

 

Tese fixada pelo STF:

É imprescritível a pretensão de ressarcimento ao erário decorrente da exploração irregular do patrimônio mineral da União, porquanto indissociável do dano ambiental causado.

STF. Plenário. RE 1.427.694/SC, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 01/09/2023 (Repercussão Geral – Tema 1268) (Info 1106).

 

DOD Plus – tabela comparativa

SITUAÇÃO

PRESCRIÇÃO

Ação de reparação por danos causados à Fazenda Pública

em razão da prática de ILÍCITO CIVIL

Ex: particular, dirigindo seu veículo, por imprudência, colide com o carro de um órgão público estadual em serviço. Estado terá o prazo de 5 anos para buscar o ressarcimento.

é PRESCRITÍVEL

(STF RE 669069/MG)

Tema 666

Pretensão de ressarcimento ao erário

fundada em decisão do Tribunal de Contas

é PRESCRITÍVEL

(STF RE 636886/AL)

Tema 899

Ação de ressarcimento decorrente de

ato de improbidade administrativa praticado com CULPA*

é PRESCRITÍVEL

(devem ser propostas no prazo do art. 23 da LIA)

Ação de ressarcimento decorrente de

ato de improbidade administrativa praticado com DOLO*

é IMPRESCRITÍVEL

(§ 5º do art. 37 da CF/88)

STF RE 852475/SP

Tema 897

Ação pedindo a reparação civil decorrente de

DANOS AMBIENTAIS

É imprescritível a pretensão de reparação civil de dano ambiental.

Ex: não há prazo para ACP ajuizada pelo MP objetivando a reparação de danos decorrentes de degradação ao meio ambiente.

Embora a Constituição e as leis ordinárias não tratem sobre prazo prescricional para a reparação de danos civis ambientais, a reparação do meio ambiente é direito fundamental indisponível, devendo, portanto, ser reconhecida a imprescritibilidade dessa pretensão.

é IMPRESCRITÍVEL

(STF RE 654833)

Tema 999

Ação de ressarcimento decorrente da exploração irregular do

PATRIMÔNIO MINERAL da União

é IMPRESCRITÍVEL

(STF RE 1427694)

Tema 1106

 

* Depois desse julgado do STF, foi aprovada a Lei nº 14.230/2021, que promoveu inúmeras mudanças na Lei nº 8.429/92. Uma das alterações é que agora só existem atos dolosos de improbidade. Não existem atos culposos de improbidade. Logo, essa distinção feita pelo STF perdeu sentido.


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