domingo, 5 de novembro de 2023
A plenitude de defesa exercida no Tribunal do Júri não impede que o magistrado avalie a pertinência da produção da prova
Imagine a seguinte situação
hipotética:
João foi denunciado por homicídio
doloso praticado contra Regina.
Foi autorizada e realizada
perícia no telefone de João para verificar suas conversas com Regina.
O acusado requereu a realização
de uma perícia também no celular de Regina.
O magistrado indeferiu o pedido
por entender que não havia pertinência nem objetividade na solicitação de nova
perícia, uma vez que já teria ocorrido no celular do réu e qualquer conversa
entre o acusado e vítima, mesmo apagada, estaria registrada nos dois aparelhos.
Tal prova seria impertinente e
especulativa.
A defesa impetrou habeas corpus
alegando que a decisão do juiz violou a plenitude de defesa que deve vigorar no
Júri.
O STJ concordou com os
argumentos da defesa?
NÃO.
A Constituição prescreve a
plenitude de defesa como postulado fundamental do Tribunal do Júri, nos termos
de seu art. 5º, inciso XXXVIII, alínea “a”.
Não há dúvida de que o direito à
prova é instrumento para o exercício adequado da plenitude de defesa. Todavia,
o direito à produção de provas não é absoluto. Ao magistrado é conferida
discricionariedade para indeferir, em decisão fundamentada, as provas que reputar
protelatórias, irrelevantes ou impertinentes.
A discricionariedade judicial é
balizada pela avaliação dos critérios da objetividade e da pertinência da
prova. No caso em análise, nada obstante a prova pretendida ter sido,
inicialmente, deferida pelo magistrado de primeiro grau, a renovação da perícia
no celular da vítima por meio do software da Cellebrite não denota pertinência
e objetividade para o deferimento.
A perícia foi devidamente
realizada no telefone do acusado. Não parece lógico, portanto, o pedido de
exame no celular da vítima para apuração de comunicação com o paciente. Isso
porque, necessariamente, qualquer interlocução entre acusado e vítima, mesmo
apagada, estaria registrada nos dois aparelhos.
Ademais, não há fundamento
constitucional ou legal para que se promova investigação inespecífica no
celular da vítima, uma vez que não é papel do Estado procurar provas que se
supõe que possam existir sem qualquer delimitação, especialmente, envolvendo
cooperação com outros Estados da Federação. A prova deve se destinar a um
objetivo certo e delimitado, sob pena, inclusive, de violação da garantia
constitucional da inviolabilidade da intimidade e da vida privada (art. 5º, X,
Constituição da República).
Logo, não se pode deferir
investigação de conversas da vítima com terceiros com base em mera suposição da
existência de informações relevantes. Tal provimento constituiria, por certo,
providência especulativa, visto que inexistente qualquer outro elemento de
prova, ainda que indiciário, que indique sua pertinência.
Frise-se que o critério judicial
para o deferimento de provas é mecanismo que visa assegurar a tutela dos
direitos e garantias individuais daqueles que são submetidos à jurisdição.
Assim, o magistrado deve atenção aos limites constitucionais na produção da
prova, de modo que tem o dever de evitar provas impertinentes e que se mostrem
meramente especulativas.
Em suma:
STJ. 5ª
Turma. AgRg no HC 676120/MA, Rel. Min. Messod Azulay Neto, julgado em 5/9/2023
(Info 786).