Imagine a seguinte situação
hipotética:
Lucas adquiriu passagem aérea da
Gol Linhas Aéreas Inteligentes S.A., vendida pela empresa Voe Bem Agência de
Viagens.
Não houve problemas com o voo de
ida, contudo, o voo de volta, previsto para o dia 12/04/2021, foi cancelado.
Como justificativa, a Gol alegou
que precisou reajustar a malha aérea devido à Covid-19.
A companhia aérea propôs a
realocação do passageiro em um outro voo no dia 18/04/2021.
Ocorre que Lucas precisava
retornar para a sua cidade no dia marcado, por razões profissionais. Diante
disso, ele teve que comprar passagem de outra companhia aérea para retornar no
dia seguinte.
Algumas semanas depois, Lucas
ajuizou ação de indenização por danos morais e materiais contra a Gol e a Voe
Bem, em litisconsórcio passivo.
Requereu a condenação das rés ao
pagamento de danos materiais no valor de R$ 4.576,00 (valor da passagem) e R$
10 mil, a título de danos morais.
A Voe Bem apresentou contestação,
alegando, dentre outros argumentos, a ilegitimidade passiva, considerando que a
não realização da viagem se deu por culpa exclusiva da companhia aérea.
Afirmou ter cumprido o contrato
firmado com o autor com o envio das passagens compradas e que a responsabilidade
no caso de alterações ou cancelamento seria unicamente da companhia aérea.
O que decidiu o STJ? A sociedade
empresarial (agência de viagens) que apenas vendeu as passagens aéreas tem
responsabilidade pelo cancelamento do voo?
NÃO.
Inicialmente, é importante deixar
claro que não houve nenhum defeito (vício) no serviço de venda da passagem,
prestado pela agência de viagens.
As passagens aéreas foram
devidamente emitidas nos moldes da compra efetuada.
A agência de viagens não possui,
contudo, responsabilidade pelo efetivo cumprimento do contrato de transporte
aéreo.
A situação narrada enquadra-se em duas hipóteses nas quais o
próprio CDC exclui a responsabilidade civil do fornecedor. Trata-se dos incisos
I e II do § 3º do art. 14 do CDC:
Art. 14 (...)
§ 3º O fornecedor de serviços só não
será responsabilizado quando provar:
I - que, tendo prestado o serviço, o
defeito inexiste;
II - a culpa exclusiva do consumidor
ou de terceiro.
Conforme já explicado, não houve defeito
em relação à prestação do serviço que incumbia à empresa que intermediou a
venda da passagem, isto é, a emissão dos bilhetes aéreos (inciso I). Além disso,
houve culpa exclusiva de terceiro, companhia aérea, no tocante ao cancelamento
do voo contratado (inciso II).
As normas do Estatuto
Consumerista (CDC) possuem como finalidade a busca pelo equilíbrio nas relações
de consumo, prevendo princípios e regras próprias para proteger o consumidor de
eventuais prejuízos na aquisição de produtos e serviços. Uma dessas garantias
em favor do consumidor é justamente a responsabilidade solidária dos
fornecedores de serviço. A despeito disso, a sua aplicação não pode ultrapassar
os limites da razoabilidade, tanto que o próprio diploma consumerista traz
hipóteses de exclusão da responsabilidade do fornecedor de produtos e serviços.
Em suma:
A vendedora de passagem aérea não responde
solidariamente com a companhia aérea pelos danos morais e materiais
experimentados pelo passageiro em razão do cancelamento do voo.
STJ. 3ª
Turma. REsp 2.082.256-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em
12/9/2023 (Info 788).