terça-feira, 17 de outubro de 2023
Servidora que pede exoneração e, depois de 3 anos, ingressa com ação anulatória do ato, pode até ter direito à reintegração, mas não receberá os valores retroativos
Imagine a seguinte situação
hipotética:
Regina foi nomeada e tomou posse
no cargo público de Auxiliar de Saúde.
Ocorre que Regina não se adaptou
ao local de trabalho, que era uma pequena sala fechada, sem ventilação, onde
eram produzidos e embalados medicamentos.
A servidora requereu, por diversas
vezes, transferência para local diverso, sem êxito.
Em razão desse cenário, Regina acabou
acometida por transtorno do pânico, fechou-se em casa e ficou dias sem
comparecer ao trabalho.
Ao retornar, foi orientada por
seu superior a pedir exoneração, em razão da impossibilidade de transferência.
Em 25/09/2001, ela pediu
exoneração do cargo.
Cerca de três anos depois, em
08/10/2004, Regina ajuizou ação contra o Estado-membro pedindo a anulação do
ato administrativo de exoneração, sob o argumento de que houve vício no
consentimento no momento do pedido, diante do quadro depressivo em que se encontrava.
Pleiteou o pagamento de todos os
vencimentos devidos desde 26/09/2001 até o ajuizamento da ação, em 08/10/2004.
Os pedidos foram julgados
procedentes em 1ª instância. O magistrado reconheceu, com base na perícia
médica, que, diante do grave quadro depressivo que estava acometida a autora,
ela realmente estava incapacitada temporariamente para a tomada de decisões.
Logo, a doença mental que a acometia na época tornou viciada a manifestação de
sua vontade.
O juiz condenou o Estado-membro,
ainda, ao pagamento de toda a remuneração pretérita.
O Tribunal de Justiça manteve a
sentença.
Ainda inconformado, o Estado interpôs
recurso especial formulando o pedido apenas para não pagar os valores
atrasados.
O Estado-membro disse:
- concordo com a reintegração da
autora, conforme determinado pelas instâncias ordinárias;
- no entanto, é indevida a
condenação a indenizar a recorrida desde a exoneração porque ela irá receber
por trabalho que não foi prestado, havendo enriquecimento sem causa.
O STJ concordou com os
argumentos do Estado-membro?
SIM.
O STJ entende que o servidor
público que for reintegrado ao cargo, em virtude de declaração judicial de
nulidade do ato de demissão, tem como consequência lógica a recomposição
integral dos seus direitos, com o pagamento dos vencimentos e vantagens que lhe
seriam pagos durante o período em que esteve indevidamente desligado. Essa é a
regra geral.
Contudo, o caso em análise
comporta peculiaridades que o distinguem desse entendimento.
Na situação em análise, após a
exoneração, a autora permaneceu inerte por quase 3 anos sem questionar o ato na
seara administrativa ou judicial, tendo, inclusive, desenvolvido atividades na
esfera privada durante alguns períodos deste interregno.
Somente com a perícia judicial
realizada nos autos houve o reconhecimento de que, no momento do pedido de
exoneração, a recorrida encontrava-se privada momentaneamente de capacidade, o
que ampara a boa-fé da Administração Pública naquele momento em que aceitou o
pedido de exoneração de ofício, em respeito à legalidade administrativa.
Portanto, a pretensão, após esse
longo período que ultrapassa 20 anos, de receber todas as vantagens que lhe
seriam devidas caso não tivesse sido exonerada, sem a devida contraprestação,
caracteriza inequívoco enriquecimento sem causa por parte da servidora pública.
Efetivamente, o direito a
reintegração ao cargo já determinado pelo TJ, não deve acompanhar indenização
correspondente aos vencimentos pelo tempo não trabalhado, ante as
peculiaridades do caso concreto.
Em suma:
Servidora pública que pede exoneração e fica inerte
por mais de 3 anos até ingressar com ação judicial requerendo declaração de
nulidade do ato administrativo e a consequente reintegração ao cargo, não tem
direito à indenização de valores retroativos à exoneração, por configurar
enriquecimento sem causa.
STJ. 1ª
Turma. REsp 2.005.114-RS, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 22/8/2023 (Info
784).