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sexta-feira, 13 de outubro de 2023

Se a parte interpõe o recurso errado, percebe o equívoco e, ainda dentro do prazo, maneja o recurso correto, ambos os recursos não serão conhecidos

Imagine a seguinte situação hipotética:

O Banco ingressou com execução de título extrajudicial contra a empresa Alfa Ltda.

Citada, a devedora opôs embargos do devedor, os quais foram rejeitados.

O juiz condenou ainda a empresa Alfa a pagar honorários advocatícios ao patrono do Banco.

Com o trânsito em julgado dessa decisão, o advogado do Banco formulou pedido de cumprimento de sentença em face da devedora (Alfa), objetivando receber os honorários sucumbenciais, que perfaziam o montante de R$ 15 mil.

Ao analisar o pedido, o juiz indeferiu liminarmente a pretensão. De acordo com a decisão, “as verbas de sucumbência fixadas em embargos à execução rejeitados ou julgados improcedentes, mesmo que em parte, devem ser acrescidos no valor do débito principal, para todos os efeitos legais, nos expressos termos do artigo 85, § 13, do CPC.”

Inconformado, o advogado interpôs agravo de instrumento alegando que a devedora está em recuperação judicial e o prosseguimento autônomo do cumprimento de sentença tem um efeito prático relevante:

1) Caso o crédito seja acrescido ao valor principal, sua cobrança deverá ser feita nos autos da recuperação judicial, pois a RJ é posterior à propositura da execução;

2) Caso permitido o prosseguimento do cumprimento da sentença autônomo dos honorários sucumbenciais arbitrados nos embargos, o crédito, por ser posterior ao pedido de recuperação judicial, não se sujeitará aos seus efeitos.

 

Paralelamente e dentro do prazo recursal, a sociedade de advogados interpôs recurso de apelação, com idênticos fundamentos.

Em contrarrazões, a executada/recorrida alegou violação ao princípio da unirrecorribilidade recursal, pois foram manejados dois recursos contra a mesma decisão.

Alegou que, com a interposição do agravo de instrumento, ocorreu a preclusão consumativa, circunstância que impede o conhecimento da apelação posteriormente interposta.

 

O que decidiu o Tribunal de Justiça?

O TJ não conheceu do agravo de instrumento porque entendeu que seria incabível no caso concreto. Por se tratar de decisão terminativa, o recurso correto seria a apelação.

Não seria possível a incidência do princípio da fungibilidade por se tratar de erro grosseiro.

Por outro lado, o TJ  deu provimento à apelação para determinar o processamento do cumprimento de sentença.

Segundo o acórdão, não houve violação ao princípio da unirrecorribilidade, tendo em vista que, conquanto a recorrente tenha anteriormente impugnado a sentença por meio de recurso impróprio (agravo de instrumento), que não foi conhecido, o recurso de apelação foi interposto tempestivamente, no prazo de 15 dias.

Além disso, o TJ afirmou que seria possível corrigir vícios no recurso, nos termos do art. 932, parágrafo único, do CPC:

Art. 932 (...)

Parágrafo único. Antes de considerar inadmissível o recurso, o relator concederá o prazo de 5 (cinco) dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível.

 

No caso, o advogado recorrente, mesmo antes de o relator conceder prazo, já corrigiu o vício apresentando a apelação.

A devedora não concordou com essa decisão do TJ e interpôs recurso especial insistindo que, como o advogado interpôs agravo de instrumento, houve preclusão consumativa, de forma que ele não poderia ter, em seguida, apresentado novo recurso para a mesma decisão.

 

O STJ concordou com os argumentos da devedora? Houve preclusão consumativa?

SIM.

O sistema recursal do ordenamento jurídico pátrio é regido pelo princípio da singularidade (unirrecorribilidade ou unicidade recursal). Há violação desse princípio quando a parte interpõe, sucessiva ou concomitantemente, duas espécies recursais contra a mesma decisão.

Segundo a jurisprudência do STJ, havendo a interposição de dois recursos de natureza diversas contra a mesma decisão e pela mesma parte, ficará caracterizada a preclusão consumativa quanto ao segundo recurso interposto.

No caso, o Tribunal de origem consignou que “não há se cogitar de violação ao princípio da unirrecorribilidade, tendo em vista que, conquanto a recorrente tenha anteriormente impugnado a sentença por meio de recurso impróprio (Agravo de Instrumento), que não foi conhecido, o recurso de apelação foi interposto tempestivamente”.

Deve-se destacar ainda que o teor do parágrafo único do art. 932 do CPC/2015 não ampara a interposição de um novo recurso, em substituição ao anterior que se revelou descabido, por inequívoca ocorrência da preclusão consumativa:

Art. 932 (...)

Parágrafo único. Antes de considerar inadmissível o recurso, o relator concederá o prazo de 5 (cinco) dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível.

 

 Os vícios passíveis de saneamento, nos termos do art. 932, parágrafo único, do CPC, são aqueles que se restringem a aspectos estritamente formais e que se referem ao mesmo recurso. Esse dispositivo não autoriza a interposição de um novo recurso, em substituição ao recurso anterior que tenha se revelado descabido para impugnar a decisão combatida.

Nesse contexto, não há dúvidas de que a apelação não pode ser conhecida no caso. Houve violação ao princípio da unirrecorribilidade pela interposição de agravo de instrumento anterior contra a mesma decisão que extinguiu o cumprimento de sentença, a caracterizar a preclusão consumativa.

Portanto, é de se concluir que a antecedente preclusão consumativa proveniente da interposição de um recurso contra determinada decisão enseja a inadmissibilidade do segundo recurso, simultâneo ou subsequente, interposto pela mesma parte e contra o mesmo julgado, haja vista a violação ao princípio da unirrecorribilidade, pouco importando se o recurso posterior seja o adequado para impugnar a decisão e tenha sido interposto antes de decorrido, objetivamente, o prazo recursal.

 

Em suma:

 

DOD Plus – informações complementares

Princípio da singularidade

Segundo o princípio da singularidade, também chamado de unicidade do recurso ou unirrecorribilidade, para cada decisão a ser atacada, há um único recurso próprio e adequado previsto no ordenamento jurídico.

Assim, em regra, não é possível a utilização de mais de um recurso para impugnar a mesma decisão, sob pena do segundo recurso não ser conhecido, por preclusão consumativa.

Há exceções a esse princípio.

As duas principais exceções são as seguintes (vale ressaltar que alguns doutrinadores acrescentam outras hipóteses menos comuns):

a) Possibilidade de ser interposto, simultaneamente, recurso especial e extraordinário contra um mesmo acórdão (essa exceção é pacífica);

b) Possibilidade da parte apresentar embargos de declaração ou então interpor o recurso próprio (agravo, apelação, REsp, RE etc.) (obs: alguns autores criticam essa exceção porque a parte irá interpor um recurso de cada vez e não os dois simultaneamente).

 

Art. 932, parágrafo único, do CPC não pode ser aplicado para o caso de recurso que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida

O prazo de 5 dias previsto no parágrafo único do art. 932 do CPC/2015 só se aplica aos casos em que seja necessário sanar vícios formais, como ausência de procuração ou de assinatura, e não à complementação da fundamentação.

Assim, esse dispositivo não incide nos casos em que o recorrente não ataca todos os fundamentos da decisão recorrida. Isso porque, nesta hipótese, seria necessária a complementação das razões do recurso, o que não é permitido.

STF. 1ª Turma. ARE 953221 AgR/SP, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 7/6/2016 (Info 829).


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