Dizer o Direito

terça-feira, 10 de outubro de 2023

Para a constituição em mora do devedor fiduciário é suficiente que haja o envio da notificação com AR para o endereço do devedor informado no contrato, não sendo necessário comprovar que ele recebeu a notificação

Alienação fiduciária

“A alienação fiduciária em garantia é um contrato instrumental em que uma das partes, em confiança, aliena a outra a propriedade de um determinado bem, ficando esta parte (uma instituição financeira, em regra) obrigada a devolver àquela o bem que lhe foi alienado quando verificada a ocorrência de determinado fato.” (RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito Empresarial. Salvador: Juspodivm, 2021, p. 827).

 

Regramento

O Código Civil de 2002 trata de forma genérica sobre a propriedade fiduciária em seus arts. 1.361 a 1.368-B. Existem, no entanto, leis específicas que também regem o tema:

• alienação fiduciária envolvendo bens imóveis: Lei nº 9.514/97;

• alienação fiduciária de bens móveis no âmbito do mercado financeiro e de capitais: Lei nº 4.728/65 e Decreto-Lei nº 911/69. É o caso, por exemplo, de um automóvel comprado por meio de financiamento bancário com garantia de alienação fiduciária.

Nas hipóteses em que houver legislação específica, as regras do CC aplicam-se apenas de forma subsidiária:

Art. 1.368-A. As demais espécies de propriedade fiduciária ou de titularidade fiduciária submetem-se à disciplina específica das respectivas leis especiais, somente se aplicando as disposições deste Código naquilo que não for incompatível com a legislação especial.

 

Resumindo:

Alienação fiduciária de

bens MÓVEIS fungíveis e infungíveis quando o credor fiduciário for instituição financeira

Alienação fiduciária de

bens MÓVEIS infungíveis quando o credor fiduciário for pessoa natural ou jurídica (sem ser banco)

Alienação fiduciária de

bens IMÓVEIS

Lei nº 4.728/65

Decreto-Lei nº 911/69

Código Civil de 2002

(arts. 1.361 a 1.368-B)

Lei nº 9.514/97

 

ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BENS MÓVEIS NO DL 911/69 E COMPROVAÇÃO DA MORA

Imagine a seguinte situação hipotética:

Antônio quer comprar um carro de R$ 70 mil, mas somente possui R$ 30 mil. Antônio procura o Banco “X”, que celebra com ele contrato de financiamento com garantia de alienação fiduciária.

Assim, o Banco “X” empresta R$ 40 mil a Antônio, que compra o veículo. Como garantia do pagamento do empréstimo, a propriedade resolúvel do carro ficará com o Banco “X” e a posse direta com Antônio.

Em outras palavras, Antônio ficará andando com o carro, mas, no documento, a propriedade do automóvel é do Banco “X” (constará “alienado fiduciariamente ao Banco X”). Diz-se que o banco tem a propriedade resolúvel porque, uma vez pago o empréstimo, a propriedade do carro pelo banco “resolve-se” (acaba) e o automóvel passa a pertencer a Antônio.

 

O que acontece em caso de inadimplemento do mutuário (em nosso exemplo, Antônio)?

Havendo mora por parte do mutuário, o procedimento será o seguinte (regulado pelo DL 911/69):

 

Notificação do devedor

O credor deverá fazer a notificação extrajudicial do devedor de que este se encontra em débito, comprovando, assim, a mora. Essa notificação é indispensável para que o credor possa ajuizar ação de busca e apreensão. Confira:

Súmula 72-STJ: A comprovação da mora é imprescindível à busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente.

 

Súmula 245-STJ: A notificação destinada a comprovar a mora nas dívidas garantidas por alienação fiduciária dispensa a indicação do valor do débito.

 

Como é feita a notificação do devedor? Essa notificação precisa ser realizada por intermédio do Cartório de Títulos e Documentos?

NÃO. Essa notificação é feita por meio de carta registrada com aviso de recebimento. Logo, não precisa ser realizada por intermédio do Cartório de RTD.

 

O aviso de recebimento da carta (AR) precisa ser assinado pelo próprio devedor?

NÃO. Não se exige que a assinatura constante do aviso de recebimento seja a do próprio destinatário. É o que prevê o § 2º do art. 2º do DL 911/69):

Art. 2º (...)

§ 2º A mora decorrerá do simples vencimento do prazo para pagamento e poderá ser comprovada por carta registrada com aviso de recebimento, não se exigindo que a assinatura constante do referido aviso seja a do próprio destinatário.

 

Para a constituição em mora por meio de notificação extrajudicial, é suficiente que seja entregue no endereço do devedor, ainda que não pessoalmente.

Esse entendimento foi reafirmado pelo STJ, agora sob a sistemática dos recursos repetitivos, tendo sido fixada a seguinte tese:

Para a comprovação da mora nos contratos garantidos por alienação fiduciária, é suficiente o envio de notificação extrajudicial ao devedor no endereço indicado no instrumento contratual, dispensando-se a prova do recebimento, quer seja pelo próprio destinatário, quer por terceiros. 

STJ. 2ª Seção. REsps 1.951.662-RS e 1.951.888-RS, Rel. Min. Marco Buzzi, Rel. para acórdão Min. João Otávio de Noronha, julgado em 9/8/2023 (Recurso Repetitivo – Tema 1132) (Info 782).


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