sábado, 14 de outubro de 2023
É desnecessário aguardar o trânsito em julgado para a aplicação do paradigma firmado em sede de recurso repetitivo
Imagine a seguinte situação
hipotética:
João ajuizou ação contra o
Estado-membro pedindo o fornecimento de determinado tratamento médico que custa
R$ 1 milhão.
O juiz julgou o pedido procedente.
Na sentença, o magistrado condenou o Poder Público a pagar
R$ 10 mil de honorários advocatícios, com base na equidade (art. 85, § 8º, do
CPC):
Art. 85 (...)
§ 8º Nas causas em que for
inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da
causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação
equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º.
O magistrado argumentou o
seguinte:
- normalmente, a condenação em honorários advocatícios é
fixada segundo os critérios do art. 85, §§ 2º e 3º do CPC:
Art. 85 (...)
§ 2º Os honorários serão fixados
entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da
condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo,
sobre o valor atualizado da causa, atendidos:
I - o grau de zelo do
profissional;
II - o lugar de prestação do
serviço;
III - a natureza e a importância
da causa;
IV - o trabalho realizado pelo
advogado e o tempo exigido para o seu serviço.
§ 3º Nas causas em que a Fazenda
Pública for parte, a fixação dos honorários observará os critérios
estabelecidos nos incisos I a IV do § 2º e os seguintes percentuais:
I - mínimo de dez e máximo de
vinte por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido até
200 (duzentos) salários-mínimos;
II - mínimo de oito e máximo de
dez por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima
de 200 (duzentos) salários-mínimos até 2.000 (dois mil) salários-mínimos;
III - mínimo de cinco e máximo de
oito por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido
acima de 2.000 (dois mil) salários-mínimos até 20.000 (vinte mil)
salários-mínimos;
IV - mínimo de três e máximo de
cinco por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido
acima de 20.000 (vinte mil) salários-mínimos até 100.000 (cem mil)
salários-mínimos;
V - mínimo de um e máximo de três
por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de
100.000 (cem mil) salários-mínimos.
- ocorre que, se eu aplicasse
esses dispositivos no caso concreto, os honorários ficariam muito altos para
uma causa que era simples;
- desse modo, como o valor da
causa é muito elevado (R$ 1 milhão), os honorários devem ser fixados por
apreciação equitativa, aplicando-se por analogia o art. 85, § 8º do CPC.
O autor recorreu contra o
capítulo dos honorários advocatícios.
O Tribunal de Justiça reformou
essa parte da sentença para aplicar o Tema 1076 do STJ:
I) A fixação dos honorários por apreciação equitativa não é
permitida quando os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da
demanda forem elevados. É obrigatória nesses casos a observância dos
percentuais previstos nos §§ 2º ou 3º do art. 85 do CPC - a depender da
presença da Fazenda Pública na lide -, os quais serão subsequentemente
calculados sobre o valor:
a) da condenação; ou
b) do proveito econômico obtido; ou
c) do valor atualizado da causa.
II) Apenas se admite arbitramento de honorários por equidade
quando, havendo ou não condenação: a) o proveito econômico obtido pelo vencedor
for inestimável ou irrisório; ou
b) o valor da causa for muito baixo.
STJ. Corte Especial. REsp 1850512-SP, Rel. Min. Og Fernandes,
julgado em 16/03/2022 (Recurso Repetitivo – Tema 1076) (Info 730).
O Estado de São Paulo interpôs
recurso especial alegando que não houve embargos de declaração opostos contra o
acórdão do STJ que julgou o REsp 1850512-SP. Logo, como não houve trânsito em
julgado, não seria possível a aplicação do paradigma firmado em sede de recurso
repetitivo.
Esse argumento da Fazenda
Pública pode ser acolhido?
NÃO.
Havendo decisão firmada pelo STJ
para o tema debatido em recurso especial não é necessário aguardar o trânsito
em julgado para a aplicação da decisão paradigma. Nesse sentido:
A orientação do STJ é no sentido de ser desnecessário aguardar o
trânsito em julgado para a aplicação do paradigma firmado em sede de recurso
repetitivo ou de repercussão geral.
STJ. 2ª Turma. AgInt no AREsp 1.346.875/PE, Rel. Min. Mauro
Campbell Marques, DJe 29/10/2019.
Tanto o STF quanto o STJ possuem entendimento de que, para a
aplicação do paradigma formado em sede de Recurso Repetitivo ou de Repercussão
Geral, é desnecessário aguardar o trânsito em julgado.
STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1296196/RS, Rel. Min. Gurgel de
Faria, julgado em 19/5/2015.
A existência de precedente firmado pelo Plenário desta Corte
autoriza o julgamento imediato de causas que versem sobre o mesmo tema,
independente da publicação ou do trânsito em julgado do paradigma. STF. 1ª
Turma. ARE 673.256 AgR, Rel. Min. Rosa Weber, DJe de 22/10/2013.
Em suma:
É desnecessário aguardar o trânsito em julgado para a
aplicação do paradigma firmado em sede de recurso repetitivo.
STJ. 2ª Turma. AgInt no REsp 2.060.149-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 8/8/2023 (Info 782).