Imagine a seguinte situação
hipotética:
João foi condenado por roubo.
O juiz fixou o regime aberto.
A fim de disciplinar o cumprimento da pena no regime aberto,
o magistrado estabeleceu uma série de condições, dentre elas, a proibição do
consumo de álcool. Constou o seguinte na decisão:
(...)
5) Não
frequentar bares, boates, botequins, casa de prostituição ou lugares
semelhantes, NEM QUE SEJA PARA COMPRAR MERCADORIA DIVERSA DE BEBIDA ALCOÓLICA
(condição especial necessária para evitar que o apenado tenha contato com ambientes
propensos ao cometimento de novos delitos);
6) Não
ingerir bebida alcoólica de espécie alguma (condição especial necessária para
manter boa saúde mental do apenado, buscando evitar que este volte a
delinquir);
7)
Realizar o teste do etilômetro sempre que determinado pela Polícia Militar, a
qualquer hora do dia ou da noite e em qualquer local, mesmo que no domicílio
(condição especial que visa facilitar a fiscalização policial, evitando que o
apenado faça uso de bebidas alcoólicas);
(...)
No caso de
descumprimento injustificado das condições constantes nos itens acima, será
imediatamente determinado o seu recolhimento ao Presídio local,
independentemente de nova intimação.
Para o STJ, no caso concreto, foi
válida essa proibição genérica de consumo de álcool imposta como condição
especial ao apenado?
NÃO.
Os arts. 115 e 116 da Lei de Execuções Penais autorizam o
Juízo das execuções a estabelecer condições especiais de cumprimento de pena em
regime aberto, como se vê da letra da lei:
Art. 115. O Juiz poderá
estabelecer condições especiais para a concessão de regime aberto, sem prejuízo
das seguintes condições gerais e obrigatórias:
I - permanecer no local que for
designado, durante o repouso e nos dias de folga;
II - sair para o trabalho e
retornar, nos horários fixados;
III - não se ausentar da cidade
onde reside, sem autorização judicial;
IV - comparecer a Juízo, para
informar e justificar as suas atividades, quando for determinado.
Art. 116. O Juiz poderá modificar
as condições estabelecidas, de ofício, a requerimento do Ministério Público, da
autoridade administrativa ou do condenado, desde que as circunstâncias assim o
recomendem.
Vale ressaltar, contudo, que a
melhor interpretação dos dispositivos transcritos deve ser no sentido de que a
criação de regra que destoe das condições gerais e obrigatórias previstas nos
incisos do art. 115 da LEP pressupõe, necessariamente, que a imposição seja acompanhada
de fundamentação que justifique adequadamente, com base no caso concreto, a
restrição imposta ao executado.
Nesse sentido:
É lícito que o magistrado, observando as particularidades do
caso concreto, fixe condições especiais, além das gerais e obrigatórias, para o
cumprimento da pena em regime aberto, podendo também, modificar as condições já
estabelecidas, desde que as circunstâncias recomendem a alteração.
STJ. 6ª Turma. REsp 1.649.771/SC, Rel. Min. Maria Thereza de
Assis Moura, julgado em 1º/3/2018.
No mesmo sentido:
É possível ao magistrado sentenciante, o estabelecimento de
condições especiais para o regime aberto em complemento daquelas previstas na
Lei de Execução Penal - LEP.
STJ. 5ª Turma. AgRg no HC 600.920/PR, Rel. Min. Joel Ilan
Paciornik, julgado em 9/3/2021.
É lícito que o magistrado, observando as particularidades do
caso concreto, fixe condições especiais, além das gerais e obrigatórias, para o
cumprimento da pena em regime aberto, podendo também, modificar as condições já
estabelecidas, desde que as circunstâncias recomendem a alteração.
STJ. 6ª Turma. REsp 1.649.771/SC, Rel. Min. Maria Thereza de
Assis Moura, julgado em 1º/3/2018.
No caso concreto, a proibição de
ingerir bebida alcóolica é uma condição que desborda das condições gerais
elencadas em rol taxativo no art. 115 da LEP. Logo, o magistrado deveria ter
justificado, com base em elementos concretos, a razão pela qual estava fixando
para aquele apenado.
Desse modo, a condição especial
que veda ao apenado ingerir bebidas alcoólicas de qualquer espécie, com base na
justificativa genérica de que a proibição visaria à manutenção da saúde mental
do reeducando ou à prevenção do cometimento de novo delito, não está em
harmonia com a jurisprudência do STJ.
Não se nega que o apenado não
deve ingerir álcool durante o trabalho ou antes de conduzir veículo automotor,
neste último caso, sob pena de incorrer no delito descrito no art. 306 do
Código de Trânsito Brasileiro. No entanto, não parece, a princípio, irrazoável
que o executado, estando dentro de sua residência, no período noturno ou em
dias de folga, venha a ingerir algum tipo de bebida alcóolica (como uma
cerveja, por exemplo), cujo consumo não é vedado no ordenamento jurídico
brasileiro. Aconselhando-se, por óbvio, a moderação, tendo em conta os
conhecidos efeitos deletérios do excesso de consumo de álcool para a saúde.
Assim, na hipótese, verifica-se a
ausência de vinculação da regra imposta às circunstâncias concretas
relacionadas aos delitos pelos quais o executado cumpre pena, e/ou ao
comportamento do reeducando no curso da execução penal, ou até mesmo a
problemas de saúde específicos de que sabidamente padeça e que justifiquem a
contraindicação da ingestão de bebidas alcoólicas.
Em suma:
STJ. 3ª Seção.
Rcl 45.054-MG, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 9/8/2023 (Info
784).