NOÇÕES GERAIS SOBRE O ART. 387,
IV, DO CPP
(Se estiver sem tempo, pode passar diretamente para a explicação
do julgado)
A sentença penal condenatória,
depois de transitada em julgado, produz diversos efeitos.
Um dos efeitos é que a condenação gera a obrigação do réu de
reparar o dano causado:
Código Penal
Art. 91. São efeitos da
condenação:
I - tornar certa a obrigação de
indenizar o dano causado pelo crime;
A sentença condenatória, inclusive, constitui-se em título
executivo judicial:
Código de Processo Civil
Art. 515. São títulos executivos
judiciais, cujo cumprimento dar-se-á de acordo com os artigos previstos neste
Título:
VI - a sentença penal
condenatória transitada em julgado;
Assim, a vítima (ou seus
sucessores), de posse da sentença que condenou o réu, após o seu trânsito em
julgado, dispõe de um título que poderá ser executado no juízo cível para
cobrar o ressarcimento pelos prejuízos sofridos em decorrência do crime.
O art. 387, IV, do CPP, prevê que o juiz, ao condenar o réu,
já estabeleça na sentença um valor mínimo que o condenado estará obrigado a
pagar a título de reparação dos danos causados. Veja:
Art. 387. O juiz, ao proferir sentença condenatória:
IV - fixará valor mínimo para
reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos
pelo ofendido; (Redação dada pela Lei nº 11.719/2008)
Desse modo, se o juiz, na
própria sentença, já fixar um valor certo para a reparação dos danos, não será
necessário que a vítima ainda faça a liquidação, bastando que execute este
valor caso não seja pago voluntariamente pelo condenado.
Veja o parágrafo único do art. 63 do CPP, que explicita essa
possibilidade:
Art. 63. Transitada em julgado a sentença
condenatória, poderão promover-lhe a execução, no juízo cível, para o efeito da
reparação do dano, o ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros.
Parágrafo único. Transitada em
julgado a sentença condenatória, a execução poderá ser efetuada pelo valor
fixado nos termos do inciso IV do caput do art. 387 deste Código sem prejuízo
da liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido. (Incluído pela Lei
nº 11.719/2008).
Algumas observações sobre o
art. 387, IV do CPP:
1) Qual é a natureza jurídica
dessa fixação do valor mínimo de reparação?
Trata-se de um efeito
extrapenal genérico da condenação.
2) A vítima poderá pleitear
indenização maior no juízo cível?
SIM. Na sentença penal, o juiz fixará
um valor mínimo. Assim, a vítima poderá executar desde logo este valor mínimo e
pleitear um valor maior que o fixado na sentença, bastando, para isso, que
prove que os danos que sofreu foram maiores que a quantia estabelecida na
sentença. Essa prova é feita em procedimento de liquidação por artigos
(procedimento cível regulado pelos arts. 475-E e 475-F do CPC).
3) Para que seja fixado o valor
da reparação, deverá haver pedido expresso e formal do MP ou do ofendido?
SIM. Para que seja fixado, na
sentença, o valor mínimo para reparação dos danos causados à vítima (art. 387,
IV, do CP), é necessário que haja pedido expresso e formal, feito pelo parquet ou pelo ofendido, a fim de que
seja oportunizado ao réu o contraditório e sob pena de violação ao princípio da
ampla defesa (STJ. 6ª Turma. AgRg no AREsp 389.234/DF, Rel. Min. Maria Thereza
de Assis Moura, julgado em 08/10/2013).
4) Deverá haver provas dos prejuízos sofridos
O STJ já decidiu que o juiz
somente poderá fixar este valor se existirem provas nos autos que demonstrem os
prejuízos sofridos pela vítima em decorrência do crime. Dessa feita, é
importante que o Ministério Público ou eventual assistente de acusação junte
comprovantes dos danos causados pela infração para que o magistrado disponha de
elementos para a fixação de que trata o art. 387, IV do CPP. Vale ressaltar,
ainda, que o réu tem direito de se manifestar sobre esses documentos juntados e
contraditar o valor pleiteado como indenização. Nesse sentido:
A fixação da reparação civil mínima também não dispensa a
participação do réu, sob pena de frontal violação ao seu direito de
contraditório e ampla defesa, na medida em que o autor da infração faz jus à
manifestação sobre a pretensão indenizatória, que, se procedente, pesará em seu
desfavor. (...)
STJ. 5ª Turma. REsp 1236070/RS, Rel. Min. Marco Aurélio
Bellizze, julgado em 27/03/2012.
Obs: essa comprovação dos
prejuízos sofridos refere-se mais propriamente aos danos materiais. No caso dos
danos morais, existem certas circunstâncias que geram uma presunção de dano
moral. Ex: permanecer horas feito refém do agente. Nesta hipótese, não se
exigirá prova de que a vítima sofreu um abalo moral decorrente dessa situação
porque é algo intuitivo. Basta provar o fato em si. Nesse sentido:
A aferição do dano moral, na maior parte das situações, não
ensejará nenhum alargamento da instrução criminal, porquanto tal modalidade de
dano, de modo geral, dispensa a produção de prova específica acerca da sua existência,
encontrando-se in re ipsa. Isto é, não há necessidade de produção de prova
específica para apuração do grau de sofrimento, de dor e de constrangimento
suportados pelo ofendido; o que se deve provar é uma situação de fato de que
seja possível extrair, a partir de um juízo baseado na experiência comum, a
ofensa à esfera anímica do indivíduo.
STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp n. 1.626.962/MS, Min. Sebastião Reis
Junior, DJe 16/12/2016.
5) O julgador penal é obrigado
a sempre fixar esse valor mínimo?
NÃO. O juiz pode deixar de
fixar o valor mínimo em algumas situações, como, por exemplo:
a) quando não houver prova do
prejuízo;
b) se os fatos forem complexos
e a apuração da indenização demandar dilação probatória, o juízo criminal
poderá deixar de fixar o valor mínimo, que deverá ser apurado em ação civil;
c) quando a vítima já tiver
sido indenizada no juízo cível.
O exemplo citado nesta letra
“b” foi justamente o que ocorreu no julgamento do “Mensalão”. O STF rejeitou o
pedido formulado pelo MPF, em sede de alegações finais, no sentido de que fosse
fixado valor mínimo para reparação dos danos causados pelas infrações penais,
sob o argumento de que a complexidade dos fatos e a imbricação de condutas
tornaria inviável assentar o montante mínimo. Assim, não haveria como
identificar com precisão qual a quantia devida por cada réu, o que só seria
possível por meio de ação civil, com dilação probatória para esclarecimento
desse ponto (Plenário. AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 17/12/2012).
6) Além dos prejuízos
materiais, o juiz poderá também condenar o réu a pagar a vítima por danos
morais?
SIM.
7) O art. 387, IV, do CPP, com
a redação dada pela Lei nº 11.719/2008, fez com que o Brasil passasse a adotar
a chamada “cumulação de instâncias” em matéria de indenização pela prática de
crimes?
NÃO. A cumulação de instâncias
(ou união de instâncias) em matéria de indenização pela prática de crimes
ocorre quando um mesmo juízo resolve a lide penal (julga o crime) e também já
decide, de forma exauriente, a indenização devida à vítima do delito. Conforme
explicam Pacelli e Fischer, “por esse sistema, o ajuizamento da demanda penal
determina a unidade de juízo para a apreciação da matéria cível” (Comentários ao Código de Processo Penal e
Sua Jurisprudência. São Paulo: Atlas, 2012, p. 769). No Brasil, não há
unidade de instâncias porque o juízo criminal irá apenas, quando for possível,
definir um valor mínimo de indenização pelos danos sofridos sem, contudo,
esgotar a apreciação do tema, que ainda poderá ser examinado pelo juízo cível
para aumentar esse valor.
Assim, continuamos adotando o
modelo da separação mitigada de instâncias.
8) O condenado poderá impugnar o
valor fixado na forma do art. 387, IV do CPP por meio de um habeas corpus?
NÃO. A via processual do habeas corpus não é adequada para
impugnar a reparação civil fixada na sentença penal condenatória, com base no
art. 387, IV do CPP, tendo em vista que a sua imposição não acarreta ameaça,
sequer indireta ou reflexa, à liberdade de locomoção (HC 191.724/RJ, Rel. Min.
Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 15/10/2013).
9) Se a punibilidade do condenado
for extinta pela prescrição da pretensão punitiva, haverá extinção também do
valor de reparação imposto na sentença?
SIM. Extinta a condenação pela
prescrição, extingue-se também a condenação pecuniária fixada como reparação
dos danos causados à vítima, nos termos do art. 387, IV do CPP, pois dela
decorrente, ficando ressalvada a utilização de ação cível, caso a vítima
entenda que haja prejuízos a serem reparados (EDcl no AgRg no REsp 1260305/ES, Rel. Min. Sebastião Reis
Júnior, Sexta Turma, julgado em 12/03/2013).
EXPLICAÇÃO DO JULGADO
Imagine a seguinte situação adaptada:
No dia 10 de junho de 2021, João e Pedro
abordaram Lucas.
João deu uma “gravata” na vítima,
sacou a faca que trazia consigo e, encostando a arma branca no pescoço de Lucas,
exigiu que ele entregasse o celular.
Após subtrair o celular da vítima, os
assaltantes empreenderam fuga, porém foram presos momentos depois pela Polícia
Militar.
Na denúncia, o Ministério Público,
além da condenação pelo crime de roubo majorado, pleiteou indenização penal
mínima para a reparação dos danos (morais e materiais) causados pela infração,
considerando os prejuízos sofridos pela vítima, nos termos do art. 387, IV, do CPP.
A vítima Lucas, ouvida em juízo,
afirmou que não teve danos materiais, haja vista que seu celular foi recuperado
e restituído. No entanto, ao ser indagado sobre a reparação do dano moral
sofrido, mencionou que entende fazer jus a tal valor, pois em decorrência do
roubo ficou traumatizada, com dificuldades para dormir e medo de ser perseguida
na rua pelos acusados.
Diante disso, além da pena privativa
de liberdade, os réus foram condenados ao pagamento de R$ 3 mil em benefício da
vítima, a título de indenização penal mínima, pelos danos morais sofridos.
Os réus interpuseram apelação pedindo o
afastamento da indenização por danos morais sob o argumento de que não houve instrução
probatória específica para apuração do alegado dano.
O argumento dos réus foi acolhido pelo
STJ?
NÃO.
O art. 387, IV, do CPP torna
possível, desde a sentença condenatória, a fixação de um valor mínimo para
reparação dos danos causados pela infração, afastando, assim, a necessidade da
liquidação do título. O objetivo da norma foi o de dar maior efetividade aos
direitos civis da vítima no processo penal e, desde logo, satisfazer certo grau
de reparação ou compensação do dano, além de responder à tendência mundial de
redução do número de processos.
A previsão legal é a de fixação de um valor mínimo, não
exauriente, sendo possível a liquidação complementar de sentença para apurar o
efetivo dano sofrido, nos termos do art. 509, II, do CPC:
Art. 509. Quando a sentença
condenar ao pagamento de quantia ilíquida, proceder-se-á à sua liquidação, a
requerimento do credor ou do devedor:
(...)
II - pelo procedimento comum,
quando houver necessidade de alegar e provar fato novo.
Vale mencionar ainda o art. 63, parágrafo único, do CPP:
Art. 63. (...)
Parágrafo único. Transitada em
julgado a sentença condenatória, a execução poderá ser efetuada pelo valor
fixado nos termos do inciso IV do caput do art. 387 deste Código sem prejuízo da liquidação para a
apuração do dano efetivamente sofrido. (Incluído pela Lei nº 11.719/2008).
Desse modo, a mens legis não é a
estipulação do valor integral da recomposição patrimonial, mas sim a
restauração parcial do status quo por indenização mínima, na medida do
prejuízo evidenciado na instrução da ação penal, sendo desnecessário o
aprofundamento específico da instrução probatória acerca dos danos,
característico do processo civil.
No caso concreto, a existência do
dano moral ipso facto (por si só) foi satisfatoriamente debatida ao
longo do processo, já que os réus se defenderam dos fatos imputados na
denúncia, porventura ensejadores de manifesta indenização, justamente para que
não acarretasse postergação do processo criminal.
No crime de roubo majorado pelo
concurso de pessoas e uso de arma branca, o ofendido teve a faca posta em seu
pescoço, tendo sido constatado pelas instâncias ordinárias o trauma psicológico
sofrido, já que passou a ter dificuldades para dormir e medo de ser perseguido
na rua pelos acusados.
Assim, é possível a fixação de um
mínimo indenizatório a título de dano moral, sem a necessidade de instrução
probatória específica para fins de sua constatação (existência do dano e sua
dimensão). Decorre de abalo emocional inequívoco, facilmente verificado pelas
provas dos autos, com pedido expresso na inicial acusatória.
Dessa forma, não se exige
instrução probatória acerca do dano psíquico, do grau de sofrimento da vítima,
nos termos do art. 387, IV, do CPP, bastando que conste o pedido expresso na
inicial acusatória, garantia bastante ao exercício do contraditório e da ampla
defesa.
Em suma:
STJ. 5ª
Turma. AgRg no REsp 2.029.732-MS, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em
22/8/2023 (Info 784).
Esse já era o entendimento da 6ª
Turma do STJ:
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no
sentido de que a fixação de valor mínimo para reparação dos danos morais
causados pela infração exige apenas pedido expresso na inicial, sendo
desnecessárias a indicação de valor e a instrução probatória específica.
No caso dos autos, como houve o pedido de indenização por danos
morais na denúncia, não há falar em violação ao princípio do devido processo
legal e do contraditório, pois a Defesa pôde se contrapor desde o início da
ação penal.
STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1.984.337/MS, Rel. Min. Sebastião
Reis Júnior, julgado em 6/3/2023.
DOD Plus –
caso de violência doméstica
Esse mesmo entendimento já tinha sido
materializado no caso de crimes envolvendo violência doméstica:
Nos casos de violência contra a mulher praticados no âmbito
doméstico e familiar, é possível a fixação de valor mínimo indenizatório a
título de dano moral, desde que haja pedido expresso da acusação ou da parte
ofendida, ainda que não especificada a quantia, e independentemente de
instrução probatória.
CPP/Art. 387. O juiz, ao proferir sentença condenatória: IV -
fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração,
considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido.
STJ. 3ª Seção. REsp 1643051-MS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz,
julgado em 28/02/2018 (Recurso Repetitivo – Tema 983) (Info 621).