sábado, 30 de setembro de 2023
Se o advogado dativo comunicou com antecedência ao juízo que estava renunciando o patrocínio e apresentou justo motivo, ele não deverá ser multado por abandono da causa, mesmo que o convênio firmado entre a Defensoria e a OAB exija sua presença até o final
Imagine a seguinte situação
hipotética:
Lucas realizou convênio com a
Defensoria Pública do Estado de São Paulo para atuar como advogado dativo.
Nessa condição, foi designado, em
20/10/2021, para atuar na defesa dos réus João e Marcos.
Após a apresentação da defesa
prévia, foi designada audiência virtual para o dia 20/04/2022.
Ocorre que, em 20/03/2022, Lucas foi
contratado para atuar com exclusividade em um escritório de advocacia na cidade
do Rio de Janeiro/RJ.
Diante disso, Lucas, em 05/04/2022,
solicitou o desligamento do convênio por motivo de mudança de Comarca/Foro, o
que foi deferido pela Defensoria.
Em 09/04/2022, o advogado
peticionou nos autos informando o cancelamento do convênio, bem como a renúncia
do mandato. Narrou que firmou contrato de trabalho no qual se exige
exclusividade, impedindo, portanto, a atuação autônoma em outros processos.
O juiz, contudo, indeferiu o pedido de renúncia sob o
argumento de que existe cláusula no convênio que determina que o advogado
continue no patrocínio da causa até o trânsito em julgado:
CLÁUSULA
DÉCIMA: O pedido de cancelamento da inscrição do advogado ou da Sociedade
Individual deverá ser realizado em campo específico após acesso ao portal do
advogado mediante utilização de login e senha.
§1º - O
cancelamento da inscrição implicará a interrupção de indicações a partir do
recebimento da comunicação pela DEFENSORIA.
§2º - Salvo impedimento legal,
incompatibilidade ou renúncia deferida pela DEFENSORIA, o advogado deverá
continuar, até o trânsito em julgado, no patrocínio das ações para as quais
tenha sido indicado na forma deste convênio.
O magistrado considerou que a
mudança de local de atuação seria fato absolutamente irrelevante para o feito,
cujo trâmite é digital.
A Defensoria, por sua vez, embora
tenha permitido o cancelamento da inscrição, não admitiu a renúncia nos autos.
Na data de audiência virtual
designada, mesmo ciente do indeferimento, o advogado não compareceu.
Em razão disso, juízo aplicou multa ao advogado de 10
salários mínimos por abandono de causa, nos termos do art. 265 do CPP:
Art. 265. O defensor não poderá
abandonar o processo senão por motivo imperioso, comunicado previamente o juiz,
sob pena de multa de 10 (dez) a 100 (cem) salários mínimos, sem prejuízo das
demais sanções cabíveis.
Irresignado, o advogado impetrou
mandado de segurança alegando que apresentou em tempo hábil, o seu pedido de
renúncia ao mandato, bem como o comprovante de cancelamento do convênio com a
Defensoria Pública.
O TJ/SP denegou o pedido do
advogado que interpôs recurso ordinário.
O STJ manteve a multa
aplicada ao advogado?
NÃO.
O advogado atuou com a devida
cautela, comunicando a renúncia com antecedência. Esse pedido de renúncia foi
indeferido com fundamento em cláusula do acordo firmado entre a OAB/SP e a
Defensoria Pública.
Ocorre que os termos do convênio firmado entre Defensoria e
Ordem dos Advogados não repercutem na responsabilidade processual do advogado.
O advogado cumpriu sua obrigação ao fazer a comunicação tempestiva da renúncia
ao múnus público. Assim, a obrigação de permanecer funcionando nos processos
até o trânsito em julgado encontra limite legal no justo motivo (art. 34, XII,
da Lei nº 8.906/94):
Art. 34. Constitui infração
disciplinar:
(...)
XII - recusar-se a prestar, sem
justo motivo, assistência jurídica, quando nomeado em virtude de
impossibilidade da Defensoria Pública;
O fato de o contrato de trabalho
posteriormente firmado exigir exclusividade na atuação constitui justo motivo
para a renúncia, ainda mais quando há convênio firmado entre OAB e Defensoria
Pública e, provavelmente, outros profissionais disponíveis para assumir a
defesa. Seria diferente numa comarca sem Defensoria Pública instalada, sem
convênio vigente, na qual a renúncia acarretasse prejuízo irreversível para a
defesa técnica.
O eventual descumprimento das
cláusulas do convênio enseja as consequências previstas no instrumento (ex:
multa contratual), que se aplicam entre as suas partes. Para fins processuais,
o advogado fez o que lhe competia, ou seja, comunicar tempestivamente a
renúncia e demonstrar o justo motivo.
Por fim, tratando-se de defensor
dativo, nomeado pelo Juízo, é desnecessária a exigência de comunicação prévia
aos representados (art. 112 do CPC), haja vista a ausência de instrumento de
procuração. O defensor dativo assume o múnus público por meio de nomeação do
órgão judicial, sendo a comunicação prévia decorrência do contrato firmado, o
que não se aplica ao caso.
Em suma:
STJ. 6ª Turma. RMS 69.837-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior,
julgado em 6/6/2023 (Info 13 – Edição Extraordinária).
DOD Plus –
informações complementares
O art. 265 do CPP é
compatível com o contraditório e a ampla defesa assegurados
constitucionalmente?
SIM.
O STJ firmou entendimento pela constitucionalidade do art. 265
do CPP, cuja aplicação não acarreta ofensa ao contraditório e à ampla defesa,
mas representa, isto sim, estrita observância do regramento legal.
O não comparecimento de advogado a audiência sem apresentar
prévia ou posterior justificativa plausível para sua ausência, pode ser
qualificado como abandono de causa que autoriza a imposição da multa prevista
no art. 265 do CPP.
STJ. 5ª Turma.
AgInt no RMS 58.366/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 19/03/2019.
É constitucional a multa imposta ao defensor por abandono do
processo, prevista no art. 265 do CPP.
A previsão da multa afigura-se compatível com os princípios da
razoabilidade e da proporcionalidade.
A multa não se mostra inadequada nem desnecessária. Ao
contrário, mostra-se razoável como meio prévio para evitar o comportamento
prejudicial à administração da justiça e ao direito de defesa do réu, tendo em
vista a imprescindibilidade da atuação do profissional da advocacia para o
regular andamento do processo penal.
A multa do art. 265 do CPP não ofende o contraditório, a ampla
defesa, o devido processo legal ou a presunção de não culpabilidade. Não há
necessidade de instauração de processo autônomo e de manifestação prévia do
defensor, no entanto, é possível que ele, posteriormente, se justifique por
meio de pedido de reconsideração. Outra alternativa é a impetração de mandado
de segurança.
STF. Plenário. ADI 4398, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em
05/08/2020 (Info 993).