Imagine a seguinte situação
hipotética:
João é registrador de imóveis.
Pedro apresentou requerimento
endereçado a João solicitando a retificação da data de um registro.
João entendeu que o requerimento
não poderia ser atendido considerando que o registro foi realizado com base na
data da prenotação. O registrador fundamentou a recusa na Lei de Registros
Públicos (Lei nº 6.015/73 e no Código Civil).
Pedro,
em vez de requerer a suscitação de dúvida, apresentou reclamação dirigida ao Juiz
de Direito Diretor do Foro, pedindo que a autoridade judicial determinasse ao
registrador a retificação da data do registro.
O Juiz Diretor do Foro acolheu o
pedido e determinou ao registrador a retificação no prazo de 48 horas.
Diante desse cenário, João impetrou
mandado de segurança contra o ato do Juiz Diretor do Foro.
Sustentou que o registro foi
efetuado com a data do protocolo, nos termos do artigo 1.246 do Código Civil.
Defendeu a legalidade do ato registral e que a autoridade coatora não possuía
competência para determinar a retificação do registro.
O Tribunal de Justiça denegou o
pedido, sob o argumento de que o Oficial do Registro de Imóveis não dispunha de
legitimidade, porque não tinha direito subjetivo líquido e certo oponível à
decisão judicial, a que tem a obrigação de cumprir.
Ainda inconformado, João interpôs
recurso ordinário dirigido ao STJ sustentando que possui direito líquido e
certo, pois tem o dever de velar pela legalidade dos atos pertinentes à sua
área territorial de atuação e o direito de defender as suas prerrogativas e a
inteireza das respectivas atribuições.
O STJ deu provimento ao
recurso do registrador?
SIM.
No caso concreto, trata-se de mandado de segurança, cuja
decisão, embora tenha sido proferida por Juiz de Direito, tem cunho
administrativo, já que fundamentada nos arts. 37 e 38 da Lei nº 8.935/94, que
confere ao Judiciário a atividade de controle dos serviços registrais:
Art. 37. A fiscalização
judiciária dos atos notariais e de registro, mencionados nos artes. 6º a 13,
será exercida pelo juízo competente, assim definido na órbita estadual e do
Distrito Federal, sempre que necessário, ou mediante representação de qualquer
interessado, quando da inobservância de obrigação legal por parte de notário ou
de oficial de registro, ou de seus prepostos.
Parágrafo único. Quando, em autos
ou papéis de que conhecer, o Juiz verificar a existência de crime de ação
pública, remeterá ao Ministério Público as cópias e os documentos necessários
ao oferecimento da denúncia.
Art. 38. O juízo competente
zelará para que os serviços notariais e de registro sejam prestados com
rapidez, qualidade satisfatória e de modo eficiente, podendo sugerir à
autoridade competente a elaboração de planos de adequada e melhor prestação
desses serviços, observados, também, critérios populacionais e
sócio-econômicos, publicados regularmente pela Fundação Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística.
Nesse sentido, confira o seguinte
precedente:
Compete ao poder judiciário a fiscalização dos atos dos
notários, dos registradores e de seus prepostos, bem como, de acordo com a
organização judiciária local, aos seus órgãos a aplicação de sanção disciplinar
ao delegatário faltoso.
STJ. 2ª Turma.
RMS 52.659/MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 5/9/2017.
Diante desse cenário, podemos
concluir que o registrador, na qualidade de agente público, pode, pelo menos em
tese, socorrer-se de mandado de segurança contra o ato administrativo que o
obrigue a aplicar regramento contra a sua convicção jurídica. Isso porque o
registrador tem o dever de zelar pela legalidade dos atos pertinentes à sua
área de atuação, bem como por suas prerrogativas funcionais.
Ressalte-se que o registrador
possui nítido interesse processual na propositura do mandado de segurança
considerando que, se cumprir a ordem, poderá sofrer consequências jurídicas decorrentes
do atendimento de um comando, em tese, ilegal. Por outro lado, caso
simplesmente se recuse a obedecer, poderá estar sujeito a processo
administrativo disciplinar.
Em suma:
O registrador poderá se socorrer de mandado de
segurança contra ato administrativo que o obrigue a aplicar regramento contra a
sua convicção jurídica, vez que deve zelar pela legalidade dos atos pertinentes
à sua área de atuação, bem como por suas prerrogativas funcionais.
STJ. 4ª Turma. AgInt no RMS 40.368-RS, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em
13/2/2023 (Info 12 – Edição Extraordinária).