Dizer o Direito

quinta-feira, 21 de setembro de 2023

O plano de saúde não está obrigado a custear bomba de insulina porque se trata de medicamento de uso domiciliar

Imagine a seguinte situação hipotética:

Lucas, criança de seis anos de idade, foi diagnosticada com Diabetes tipo 1.

Com a descoberta da doença, Lucas passou a fazer uso contínuo de insulina para controlar os níveis de glicose em seu sangue e evitar uma crise de hipoglicemia.

Como o caso era de difícil controle, o médico de Lucas prescreveu para ele um sistema de infusão contínua de insulina denominada bomba infusora de insulina, como forma de melhorar o controle glicêmico e a qualidade de vida, uma vez que substitui a necessidade de múltiplas aplicações diárias de insulina.

Os pais de Lucas solicitaram que o plano de saúde custeasse a bomba infusora de insulina e os insumos necessários.

A operadora negou o custeio, sob o argumento de que se trata de um medicamento de uso domiciliar.

Medicamento de uso domiciliar é aquele prescrito pelo médico para administração em ambiente externo ao da unidade de saúde.

A bomba infusora de insulina é um aparelho que pode ser adquirido em farmácias, sendo, portanto, considerado medicamento de uso domiciliar.

Lucas, representado por seus pais, ajuizou ação contra o plano de saúde exigindo o custeio do tratamento.

 

O plano de saúde é obrigado a fornecer medicamentos para tratamento domiciliar (remédios de uso domiciliar)?

REGRA: em regra, os planos de saúde não são obrigados a fornecer medicamentos para tratamento domiciliar.

EXCEÇÕES. Os planos de saúde são obrigados a fornecer:

a) os antineoplásicos orais (e correlacionados);

b) a medicação assistida (home care); e

c) os incluídos no rol da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) para esse fim.

 

Assim, os medicamentos receitados por médicos para uso doméstico e adquiridos comumente em farmácias não estão, em regra, cobertos pelos planos de saúde. Isso porque, em regra, os planos de saúde (que integram o Sistema da Saúde Suplementar) somente são obrigados a custear os fármacos usados durante a internação hospitalar. As exceções ficam por conta dos antineoplásicos orais para uso domiciliar (e correlacionados), os medicamentos utilizados no home care e os remédios relacionados a procedimentos listados no Rol da ANS.

 

O tema é tratado no art. 10, VI, da Lei nº 9.656/98

O art. 10 lista em seus incisos tratamentos, procedimentos e medicamentos que os planos de saúde não são obrigados a fornecer.

O inciso VI afirma que, em regra, o plano de saúde não é obrigado a fornecer medicamentos para tratamento domiciliar, ressalvado o disposto no art. 12, I, “c” e II, “g” da Lei.

O art. 12, I, “c” e II, “g” preveem que os planos de saúde são obrigados a fornecer antineoplásicos orais (e correlacionados). Confira:

Art. 10. É instituído o plano-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar, das doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art. 12 desta Lei, exceto:

(...)

VI - fornecimento de medicamentos para tratamento domiciliar, ressalvado o disposto nas alíneas ‘c’ do inciso I e ‘g’ do inciso II do art. 12;

 

Art. 12. (...)

I - quando incluir atendimento ambulatorial:

(...)

c) cobertura de tratamentos antineoplásicos domiciliares de uso oral, incluindo medicamentos para o controle de efeitos adversos relacionados ao tratamento e adjuvantes;

II - quando incluir internação hospitalar:

(...)

g) cobertura para tratamentos antineoplásicos ambulatoriais e domiciliares de uso oral, procedimentos radioterápicos para tratamento de câncer e hemoterapia, na qualidade de procedimentos cuja necessidade esteja relacionada à continuidade da assistência prestada em âmbito de internação hospitalar;

 

Exceção 1: antineoplásicos

Antineoplásicos são medicamentos que destroem neoplasmas ou células malignas. Têm a função, portanto, de evitar ou inibir o crescimento e a disseminação de tumores. Servem, portanto, para tratamento de câncer. Existem alguns medicamentos antineoplásicos que são de uso oral e, portanto, podem ser ministrados em casa, fora do ambiente hospitalar. A lei prevê que esses medicamentos, se prescritos pelo médico como indicados para o tratamento do paciente, devem ser obrigatoriamente fornecidos pelo plano de saúde.

 

Exceção 2: medicação assistida (home care)

Se o paciente está em home care (tratamento domiciliar), o plano de saúde também será obrigado a fornecer a medicação assistida, ou seja, toda a medicação necessária para o tratamento e que ele receberia caso estivesse no ambiente hospitalar.

O home care significa fornecer para o paciente que está em casa o mesmo tratamento que ele receberia caso estivesse no hospital. Se, no hospital, o paciente teria que tomar o remédio “X” a cada 8h, este medicamento deverá ser custeado pelo plano de saúde, tal qual ocorreria se estivesse internado.

Obs: essa exceção é uma decorrência do fato de que o STJ entende que os planos de saúde podem ser obrigados a custear o home care.

 

Exceção 3: outros fármacos que sejam incluídos pela ANS como sendo de fornecimento obrigatório

A norma do art. 10, VI, da Lei nº 9.656/98 é voltada à operadora de plano de saúde, a qual, na contratação, pode adotar tal limitação. Esse dispositivo, contudo, não proíbe que a ANS (“órgão regulador setorial”) inclua determinados medicamentos como sendo de custeio obrigatório no rol de cobertura mínima assistencial, ainda que sejam de uso domiciliar.

 

Voltando ao caso concreto: o pedido de Lucas foi acolhido pelo STJ?

NÃO.

Segundo a jurisprudência do STJ, é lícita a exclusão, na Saúde Suplementar, do fornecimento de medicamentos para tratamento domiciliar, isto é, aqueles prescritos pelo médico assistente para administração em ambiente externo ao de unidade de saúde, salvo os antineoplásicos orais (e correlacionados), a medicação assistida (home care) e os incluídos no rol da ANS para esse fim. Interpretação dos arts. 10, VI, da Lei nº 9.656/1998 e 19, § 1º, VI, da RN nº 338/2013 da ANS (atual art. 17, parágrafo único, VI, da RN nº 465/2021) (STJ. 3ª Turma. REsp 1.692.938/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 27/4/2021).

Domiciliar, de acordo com a lei, refere-se a ambiente que, necessariamente, contrapõe-se a ambulatorial e a hospitalar, com o que se exclui da cobertura legal o fornecimento de medicamentos que, mesmo prescritos pelos profissionais da saúde e ministrados sob sua recomendação e responsabilidade, devam ser utilizados fora de ambulatório ou hospital (STJ. 4ª Turma. REsp 1883654/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 08/06/2021).

Portanto, os medicamentos receitados por médicos para uso doméstico e adquiridos/aplicados comumente em farmácias não estão, em regra, cobertos pelos planos de saúde (STJ. 3ª Turma. REsp 1692938/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 27/04/2021).

A universalização da cobertura não pode ser imposta de modo completo e sem limites ao setor privado, considerando que, nos termos do art. 199 da Constituição Federal e art. 4º da Lei nº 8.080/90, a assistência à saúde de iniciativa privada é exercida em caráter complementar, sendo certo que a previsão dos riscos cobertos, assim como a exclusão de outros, é inerente aos contratos.

 

Em suma:

Os planos de saúde não estão obrigados a cobrir bomba infusora de insulina (e insumos), equipamento utilizado em ambiente domiciliar, para o controle da glicemia de paciente diagnosticado com diabetes mellitus do Tipo 1.

STJ. 3ª Turma. AgInt nos EDcl nos EREsp 1.987.778-SC, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 3/4/2023 (Info 12 – Edição Extraordinária).


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