Imagine a seguinte situação adaptada:
João, Desembargador do Tribunal
de Justiça, foi denunciado, no Superior Tribunal de Justiça, pela prática de crime
contra a dignidade sexual de criança.
Vale lembrar que compete ao STJ
julgar crimes cometidos por Desembargadores, nos termos do art. 105, I, “a”, da
CF/88.
A Corte Especial do STJ decretou três
medidas cautelares em desfavor do Desembargador denunciado:
1) afastamento do cargo;
2) proibição de ingressar nas
dependências do Tribunal de Justiça e de ter contato com servidores; e
3) monitoração eletrônica
(“tornozeleira eletrônica”).
No curso do processo, João
requereu ao TJ a sua aposentadoria voluntária por tempo de serviço.
O TJ comunicou esse fato ao STJ informando,
ainda, que João preenchia todos os requisitos para a passagem para a
inatividade.
Foi dada vista dos autos ao
Ministério Público que se manifestou de forma contrária à concessão imediata da
aposentadoria.
O Parquet pediu ao STJ a complementação
de medida cautelar de afastamento do cargo imposta ao Desembargador com a determinação
de suspensão do processo administrativo de aposentadoria voluntária até o
julgamento final da ação penal a qual responde.
Em outras palavras, o MP disse o
seguinte: o acusado foi afastado do cargo como medida cautelar; requer-se agora
a complementação dessa medida cautelar; requer-se que ele também não possa ser
aposentado enquanto não for julgado o processo criminal.
O pedido do Ministério
Público foi acolhido pelo STJ?
SIM.
O afastamento cautelar do cargo
está calcado na proteção da ordem pública, haja vista a gravidade dos fatos e a
necessidade de evitar a prática de novas infrações penais. Além disso, a medida
cautelar também é útil para se assegurar a aplicação da lei penal, isto é, para
se garantir a efetividade de eventual decreto condenatório.
O fato imputado, em tese, ao
Desembargador é indiscutivelmente grave, sobretudo porque lhe atribui o
possível cometimento de violência sexual reiterada contra criança em tenra
idade, a qual, se eventualmente confirmada, poderá evidenciar a prática de crimes
com violação do dever funcional imposto a todos os magistrados, qual seja, o de
manter conduta irrepreensível na vida pública e particular - ex vi do art. 35,
VIII, da Lei Complementar nº 35/1979 (LOMAN).
Dessa forma, é juridicamente
plausível a suspensão do processo administrativo de aposentação do acusado,
especialmente porque, nos termos da jurisprudência desta Corte Superior:
Não se admite a cassação da aposentadoria como efeito penal da
condenação com base no inciso I do art. 92 do Código Penal, por ausência de
previsão expressa na norma penal.
STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1.336.980/SC, Rel. Min. Antonio
Saldanha Palheiro, DJe 11/11/2019.
Em outras palavras:
• se o acusado for condenado e
ainda estiver na ativa: poderá ser condenado à perda do cargo;
• se já estiver aposentado: não
poderá ser condenado à perda do cargo.
Logo, se for admitida a
aposentadoria voluntária, um dos efeitos da condenação ficará inviabilizado.
Vale ressaltar que o STF já decidiu
em sentido semelhante impedindo a concessão de aposentadoria voluntária a uma autoridade
pública com foro especial por prerrogativa de função, investigada por suposta
prática de crimes com violação de dever funcional, justamente por vislumbrar o
risco de esvaziamento da medida cautelar de afastamento do cargo e a
possibilidade de frustração da futura e eventual aplicação da lei penal.
Confira:
(...) A medida de afastamento de cargo público decretada no
curso de investigação penal não encontra fundamento apenas no objetivo de
resguardar a ordem pública quanto ao risco do servidor afastado seguir se
servindo do cargo para praticar atividades ilícitas, ancorando-se, também, no
desiderato que é inerente e intrínseco a toda e qualquer medida cautelar
prevista pelo legislador em caráter instrumental à persecução penal, qual seja,
resguardar a efetividade dos efeitos concernentes à futura e eventual condenação
do investigado ou réu. Nesse contexto, embora não se questione ser do Poder
Executivo Estadual a competência administrativa para conhecer de pedido de
aposentadoria formulado pelo servidor afastado, impende reconhecer que o
requerimento administrativo, caso deferido pela autoridade competente,
esvaziará os efeitos futuros da medida cautelar em vigor, o que justifica a
determinação jurisdicional de suspensão da pretensão de aposentação.
2. No presente caso, foi determinado o afastamento do ora
recorrente do cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Mato
Grosso. Então, sobreveio aos autos comunicação do Governador do Estado do Mato
Grosso, noticiando que o investigado formulara pedido de aposentadoria
voluntária do cargo. Nesse contexto, embora reconhecendo tratar-se da
autoridade administrativa competente para conhecer do pedido formulado,
requereu o Governador do Estado o pronunciamento prévio do STF quanto à
compatibilidade da eventual concessão da aposentadoria com a decisão cautelar
vigente. Por fim, acolhendo promoção da Procuradoria-Geral da República,
determinou o Relator “a suspensão do processo administrativo de aposentadoria
voluntária do investigado (...) em relação ao cargo de Conselheiro do Tribunal
de Contas do Estado do Mato Grosso enquanto não houver a resolução definitiva
dos atos persecutórios em face dele movidos em razão dos fatos que são objeto
de investigação nos presentes autos (...)”.
STF. 1ª Turma. Pet 7221 AgR-segundo, Rel. Min. Luiz Fux, julgado
em 03/04/2018.
Em suma:
STJ. Corte
Especial. APn 1.041/DF, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Rel. para acórdão Min.
Luis Felipe Salomão, julgado em 19/4/2023 (Info 13 – Edição Extraordinária).
DOD Plus –
em caso de aposentadoria compulsória, o STJ já decidiu de forma diferente
A superveniente
aposentadoria da autoridade detentora do foro por prerrogativa de função cessa
a competência do STJ para o processamento e julgamento do feito
Caso concreto: um Desembargador do Tribunal de Justiça, estava
sendo investigado em um inquérito policial supervisionado pelo STJ, nos termos
do art. 105, I, “a”, da CF/88.
Durante o curso do inquérito, este Desembargador completou 75
anos e, portanto, foi aposentado compulsoriamente em razão do implemento da
idade máxima.
A superveniente aposentadoria fez cessar a prerrogativa de foro
que a autoridade gozava enquanto ocupava o cargo de Desembargador do Tribunal
de Justiça.
Nesse cenário, a competência do STJ para o processo e julgamento
do inquérito, prevista no art. 105, I, “a”, da CF/88, não mais subsiste,
impondo o deslocamento do feito para a Justiça Estadual, em 1ª instância.
STJ. Corte Especial. Inq 1420/DF, Rel. Min. Francisco Falcão,
julgado em 7/12/2022 (Info 762).