Dizer o Direito

quarta-feira, 27 de setembro de 2023

O Desembargador era acusado em um processo no STJ. Ele requereu a sua aposentadoria voluntária. O STJ pode determinar que o processo administrativo de aposentadoria fica suspenso até o julgamento final da ação penal?

Imagine a seguinte situação adaptada:

João, Desembargador do Tribunal de Justiça, foi denunciado, no Superior Tribunal de Justiça, pela prática de crime contra a dignidade sexual de criança.

Vale lembrar que compete ao STJ julgar crimes cometidos por Desembargadores, nos termos do art. 105, I, “a”, da CF/88.

A Corte Especial do STJ decretou três medidas cautelares em desfavor do Desembargador denunciado:

1) afastamento do cargo;

2) proibição de ingressar nas dependências do Tribunal de Justiça e de ter contato com servidores; e

3) monitoração eletrônica (“tornozeleira eletrônica”).

 

No curso do processo, João requereu ao TJ a sua aposentadoria voluntária por tempo de serviço.

O TJ comunicou esse fato ao STJ informando, ainda, que João preenchia todos os requisitos para a passagem para a inatividade.

Foi dada vista dos autos ao Ministério Público que se manifestou de forma contrária à concessão imediata da aposentadoria.

O Parquet pediu ao STJ a complementação de medida cautelar de afastamento do cargo imposta ao Desembargador com a determinação de suspensão do processo administrativo de aposentadoria voluntária até o julgamento final da ação penal a qual responde.

Em outras palavras, o MP disse o seguinte: o acusado foi afastado do cargo como medida cautelar; requer-se agora a complementação dessa medida cautelar; requer-se que ele também não possa ser aposentado enquanto não for julgado o processo criminal.

 

O pedido do Ministério Público foi acolhido pelo STJ?

SIM.

O afastamento cautelar do cargo está calcado na proteção da ordem pública, haja vista a gravidade dos fatos e a necessidade de evitar a prática de novas infrações penais. Além disso, a medida cautelar também é útil para se assegurar a aplicação da lei penal, isto é, para se garantir a efetividade de eventual decreto condenatório.

O fato imputado, em tese, ao Desembargador é indiscutivelmente grave, sobretudo porque lhe atribui o possível cometimento de violência sexual reiterada contra criança em tenra idade, a qual, se eventualmente confirmada, poderá evidenciar a prática de crimes com violação do dever funcional imposto a todos os magistrados, qual seja, o de manter conduta irrepreensível na vida pública e particular - ex vi do art. 35, VIII, da Lei Complementar nº 35/1979 (LOMAN).

Dessa forma, é juridicamente plausível a suspensão do processo administrativo de aposentação do acusado, especialmente porque, nos termos da jurisprudência desta Corte Superior:

Não se admite a cassação da aposentadoria como efeito penal da condenação com base no inciso I do art. 92 do Código Penal, por ausência de previsão expressa na norma penal.

STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1.336.980/SC, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, DJe 11/11/2019.

 

Em outras palavras:

• se o acusado for condenado e ainda estiver na ativa: poderá ser condenado à perda do cargo;

• se já estiver aposentado: não poderá ser condenado à perda do cargo.

 

Logo, se for admitida a aposentadoria voluntária, um dos efeitos da condenação ficará inviabilizado.

 

Vale ressaltar que o STF já decidiu em sentido semelhante impedindo a concessão de aposentadoria voluntária a uma autoridade pública com foro especial por prerrogativa de função, investigada por suposta prática de crimes com violação de dever funcional, justamente por vislumbrar o risco de esvaziamento da medida cautelar de afastamento do cargo e a possibilidade de frustração da futura e eventual aplicação da lei penal. Confira:

(...) A medida de afastamento de cargo público decretada no curso de investigação penal não encontra fundamento apenas no objetivo de resguardar a ordem pública quanto ao risco do servidor afastado seguir se servindo do cargo para praticar atividades ilícitas, ancorando-se, também, no desiderato que é inerente e intrínseco a toda e qualquer medida cautelar prevista pelo legislador em caráter instrumental à persecução penal, qual seja, resguardar a efetividade dos efeitos concernentes à futura e eventual condenação do investigado ou réu. Nesse contexto, embora não se questione ser do Poder Executivo Estadual a competência administrativa para conhecer de pedido de aposentadoria formulado pelo servidor afastado, impende reconhecer que o requerimento administrativo, caso deferido pela autoridade competente, esvaziará os efeitos futuros da medida cautelar em vigor, o que justifica a determinação jurisdicional de suspensão da pretensão de aposentação.

2. No presente caso, foi determinado o afastamento do ora recorrente do cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Mato Grosso. Então, sobreveio aos autos comunicação do Governador do Estado do Mato Grosso, noticiando que o investigado formulara pedido de aposentadoria voluntária do cargo. Nesse contexto, embora reconhecendo tratar-se da autoridade administrativa competente para conhecer do pedido formulado, requereu o Governador do Estado o pronunciamento prévio do STF quanto à compatibilidade da eventual concessão da aposentadoria com a decisão cautelar vigente. Por fim, acolhendo promoção da Procuradoria-Geral da República, determinou o Relator “a suspensão do processo administrativo de aposentadoria voluntária do investigado (...) em relação ao cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Mato Grosso enquanto não houver a resolução definitiva dos atos persecutórios em face dele movidos em razão dos fatos que são objeto de investigação nos presentes autos (...)”.

STF. 1ª Turma. Pet 7221 AgR-segundo, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 03/04/2018.

 

Em suma:

É juridicamente plausível a complementação de medida cautelar de afastamento do cargo imposta a Desembargador com a determinação de suspensão do processo administrativo de aposentadoria voluntária até o julgamento final da ação penal a qual responde. 

STJ. Corte Especial. APn 1.041/DF, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Rel. para acórdão Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 19/4/2023 (Info 13 – Edição Extraordinária).

 

DOD Plus – em caso de aposentadoria compulsória, o STJ já decidiu de forma diferente

A superveniente aposentadoria da autoridade detentora do foro por prerrogativa de função cessa a competência do STJ para o processamento e julgamento do feito

Caso concreto: um Desembargador do Tribunal de Justiça, estava sendo investigado em um inquérito policial supervisionado pelo STJ, nos termos do art. 105, I, “a”, da CF/88.

Durante o curso do inquérito, este Desembargador completou 75 anos e, portanto, foi aposentado compulsoriamente em razão do implemento da idade máxima.

A superveniente aposentadoria fez cessar a prerrogativa de foro que a autoridade gozava enquanto ocupava o cargo de Desembargador do Tribunal de Justiça.

Nesse cenário, a competência do STJ para o processo e julgamento do inquérito, prevista no art. 105, I, “a”, da CF/88, não mais subsiste, impondo o deslocamento do feito para a Justiça Estadual, em 1ª instância.

STJ. Corte Especial. Inq 1420/DF, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 7/12/2022 (Info 762).


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