Imagine a seguinte situação
adaptada:
A Agência Nacional do Petróleo, Gás
Natural e Biocombustíveis (ANP) lavrou contra a Petrobras um auto de infração,
em 10/03/2014, por supostas irregularidades ocorridas, em Campo de Roncador,
nos dias 01 e 02 de junho de 2011.
As infrações teriam sido praticadas em diversos meses e
foram sancionadas nos termos do art. 3º, V, da Lei nº 9.847/99:
Art. 3º A pena de multa será
aplicada na ocorrência das infrações e nos limites seguintes:
(...)
V - prestar declarações ou
informações inverídicas, falsificar, adulterar, inutilizar, simular ou alterar
registros e escrituração de livros e outros documentos exigidos na legislação
aplicável:
Multa - de R$ 20.000,00 (vinte
mil reais) a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais);
A Petrobrás ajuizou ação contra a ANP pedindo a aplicação da
continuidade delitiva prevista no art. 71 do Código Penal:
Art. 71. Quando o agente,
mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma
espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras
semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro,
aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se
diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços.
Sustentou que as infrações cometidas
são da mesma espécie, consistentes no erro na totalização da produção do P-54,
praticadas na mesma condição de tempo, quer seja, em meses consecutivos, de
janeiro a maio de 2011, no mesmo local e mediante os mesmos erros.
A ANP contestou alegando que o
princípio da continuidade delitiva pertence ao Direito Penal e não deve ser
aplicado ao Direito Administrativo, por ausência de previsão legal.
A questão chegou até o STJ. O tribunal
concordou com os argumentos da Petrobrás? É possível
a aplicação analógica da teoria da continuidade delitiva (art. 71 do CP) no
âmbito do processo administrativo?
SIM.
Há entendimento consolidado no STJ,
segundo o qual a sequência de várias infrações de mesma natureza, apurados em
uma única autuação, é considerada como de natureza continuada e, portanto,
sujeita à imposição de multa singular: STJ. 1ª Turma. AgInt no AREsp
1.129.674/RJ, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 8/3/2021.
Na situação em tela, após ampla
análise do conjunto fático-probatório, firmou-se a compreensão de que há
continuidade delitiva no caso concreto e apontou-se desproporcionalidade da
sanção aplicada pela agência reguladora.
Em suma:
É possível a aplicação analógica da teoria da
continuidade delitiva (art. 71 do CP) no âmbito do processo administrativo.
STJ. 1ª
Turma. AgInt no REsp 1.783.746-RJ, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em
13/2/2023 (Info 11 – Edição Extraordinária).