A situação concreta, com
adaptações, foi a seguinte:
A Resolução nº 215/2015 prevê as
regras para garantir à população o direito de acesso às informações do Poder
Judiciário, em atendimento à Lei nº 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação – LAI).
Essa Lei prevê, por exemplo, que a
remuneração dos membros e servidores do Poder Judiciário deverá ser divulgada
no site dos Tribunais.
Em 2021, o CNJ editou a Resolução nº 389
alterando a Resolução 215/2015, para determinar que o faturamento das
serventias extrajudiciais também deveria ser divulgado no Portal da
Transparência.
Assim, essa Resolução exigiu que as
serventias extrajudiciais criassem, no site, um campo chamado “transparência”,
para dele constar, mensalmente:
a) o valor obtido com emolumentos
arrecadados, outras receitas, inclusive eventual remuneração percebida pelo
responsável pela serventia; e
b) o valor total das despesas.
O Desembargador
Corregedor do TJPR, aplicando a Resolução do CNJ, passou a exigir que as
serventias extrajudiciais do Estado criassem em seus sites o campo de
transparência para informar o valor obtido com a arrecadação dos emolumentos e
outras receitas, inclusive as recebidas pelo responsável da serventia.
A Associação de Notários e
Registradores do Estado não concordou e impetrou mandado de segurança coletivo
contra o ato do Corregedor.
Entre outros
argumentos, a impetrante alegou que as receitas e despesas brutas das
serventias extrajudiciais configuram dados pessoais a serem protegidos a fim de
se garantir o direito ao sigilo e à privacidade.
A controvérsia chegou até o STJ. O
Tribunal concordou com os argumentos da impetrante?
NÃO.
Embora os serviços notariais e de
registro sejam realizados em caráter privado por delegação do poder público
(Constituição Federal, art. 236), não há descaracterização da natureza
essencialmente estatal dessas atividades de índole administrativa e destinadas
à garantia da publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos
jurídicos. Por isso, ainda que não sejam servidores públicos, mas particulares
atuando em colaboração com o poder público por meio de delegação, os notários e
registradores sujeitam-se ao regime jurídico de direito público.
Por todos esses motivos, a
jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que os notários e registradores,
por estarem abrangidos no conceito de agentes públicos lato sensu, devem
se sujeitar a ampla fiscalização.
A transparência quanto ao
funcionamento e à gestão da Administração Pública a partir do acesso a
informações que garantam seu controle e fiscalização é indissociável do
princípio republicano, do regime democrático e do efetivo exercício da
cidadania. A Lei de Acesso à Informação permite a publicidade das informações
de interesse da coletividade, em conformidade com o princípio constitucional
que rege a Administração Pública, e a publicidade deve concretizar a
transparência da informação pública.
As receitas e despesas brutas das
serventias extrajudiciais não configuram dados pessoais, como dados bancários e
fiscais, o endereço residencial e o telefone ou e-mail pessoais. Por isso, deve
ser rechaçada a tese de que tais informações atinentes à movimentação
financeira das serventias do foro extrajudicial e à remuneração auferida por
seus responsáveis são abrangidas pela proteção da privacidade.
Ademais, o STJ e o STF possuem
entendimento pacífico de que a divulgação nominal da remuneração de servidores
públicos em sítio eletrônico governamental na rede mundial de computadores não
configura lesão aos princípios constitucionais do direito à intimidade ou à
vida privada.
Em suma:
As receitas e despesas brutas das serventias
extrajudiciais não configuram dados pessoais a serem protegidos sob o argumento
de garantir o direito ao sigilo e à privacidade.
STJ. 2ª
Turma. AgInt no RMS 70.212-PR, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 13/6/2023
(Info 11 – Edição Extraordinária).
DOD Plus –
julgado correlato
Possibilidade de divulgação
de vencimentos dos servidores públicos com relação nominal
É legítima a publicação, inclusive em sítio eletrônico mantido
pela Administração Pública, dos nomes de seus servidores e do valor dos
correspondentes vencimentos e vantagens pecuniárias.
STF. Plenário. ARE 652777/SP, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado
em 23/4/2015 (Repercussão Geral – Tema 483) (Info 782)