Dizer o Direito

sexta-feira, 1 de setembro de 2023

As receitas e despesas brutas das serventias extrajudiciais não configuram dados pessoais a serem protegidos sob o argumento de garantir o direito ao sigilo e à privacidade

A situação concreta, com adaptações, foi a seguinte:

A Resolução nº 215/2015 prevê as regras para garantir à população o direito de acesso às informações do Poder Judiciário, em atendimento à Lei nº 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação – LAI).

Essa Lei prevê, por exemplo, que a remuneração dos membros e servidores do Poder Judiciário deverá ser divulgada no site dos Tribunais.

Em 2021, o CNJ editou a Resolução nº 389 alterando a Resolução 215/2015, para determinar que o faturamento das serventias extrajudiciais também deveria ser divulgado no Portal da Transparência.

Assim, essa Resolução exigiu que as serventias extrajudiciais criassem, no site, um campo chamado “transparência”, para dele constar, mensalmente:

a) o valor obtido com emolumentos arrecadados, outras receitas, inclusive eventual remuneração percebida pelo responsável pela serventia; e

b) o valor total das despesas.

 

O Desembargador Corregedor do TJPR, aplicando a Resolução do CNJ, passou a exigir que as serventias extrajudiciais do Estado criassem em seus sites o campo de transparência para informar o valor obtido com a arrecadação dos emolumentos e outras receitas, inclusive as recebidas pelo responsável da serventia.

A Associação de Notários e Registradores do Estado não concordou e impetrou mandado de segurança coletivo contra o ato do Corregedor.

Entre outros argumentos, a impetrante alegou que as receitas e despesas brutas das serventias extrajudiciais configuram dados pessoais a serem protegidos a fim de se garantir o direito ao sigilo e à privacidade.

 

A controvérsia chegou até o STJ. O Tribunal concordou com os argumentos da impetrante?

NÃO.

Embora os serviços notariais e de registro sejam realizados em caráter privado por delegação do poder público (Constituição Federal, art. 236), não há descaracterização da natureza essencialmente estatal dessas atividades de índole administrativa e destinadas à garantia da publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos. Por isso, ainda que não sejam servidores públicos, mas particulares atuando em colaboração com o poder público por meio de delegação, os notários e registradores sujeitam-se ao regime jurídico de direito público.

Por todos esses motivos, a jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que os notários e registradores, por estarem abrangidos no conceito de agentes públicos lato sensu, devem se sujeitar a ampla fiscalização.

A transparência quanto ao funcionamento e à gestão da Administração Pública a partir do acesso a informações que garantam seu controle e fiscalização é indissociável do princípio republicano, do regime democrático e do efetivo exercício da cidadania. A Lei de Acesso à Informação permite a publicidade das informações de interesse da coletividade, em conformidade com o princípio constitucional que rege a Administração Pública, e a publicidade deve concretizar a transparência da informação pública.

As receitas e despesas brutas das serventias extrajudiciais não configuram dados pessoais, como dados bancários e fiscais, o endereço residencial e o telefone ou e-mail pessoais. Por isso, deve ser rechaçada a tese de que tais informações atinentes à movimentação financeira das serventias do foro extrajudicial e à remuneração auferida por seus responsáveis são abrangidas pela proteção da privacidade.

Ademais, o STJ e o STF possuem entendimento pacífico de que a divulgação nominal da remuneração de servidores públicos em sítio eletrônico governamental na rede mundial de computadores não configura lesão aos princípios constitucionais do direito à intimidade ou à vida privada.

 

Em suma:

As receitas e despesas brutas das serventias extrajudiciais não configuram dados pessoais a serem protegidos sob o argumento de garantir o direito ao sigilo e à privacidade.

STJ. 2ª Turma. AgInt no RMS 70.212-PR, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 13/6/2023 (Info 11 – Edição Extraordinária).

 

DOD Plus – julgado correlato

Possibilidade de divulgação de vencimentos dos servidores públicos com relação nominal

É legítima a publicação, inclusive em sítio eletrônico mantido pela Administração Pública, dos nomes de seus servidores e do valor dos correspondentes vencimentos e vantagens pecuniárias.

STF. Plenário. ARE 652777/SP, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 23/4/2015 (Repercussão Geral – Tema 483) (Info 782)


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