domingo, 3 de setembro de 2023
A garantia da Execução Fiscal por fiança bancária ou seguro garantia não pode ser feita exclusivamente por conveniência do devedor, sendo legítima a recusa pela Fazenda Pública
Imagine a seguinte situação adaptada:
O Município ajuizou execução
fiscal contra um banco cobrando R$ 200 mil.
Citado, o Banco compareceu nos
autos e ofereceu em garantia do juízo uma apólice de seguro-garantia, emitida por
uma seguradora.
Consignou, ainda, que iria
apresentar os embargos no prazo legal.
Ouvido, o Município discordou da garantia oferecida,
alegando que o art. 11 da Lei nº 6.830/80 estabelece uma ordem de preferência,
figurando o dinheiro em primeiro lugar:
Art. 11. A penhora ou arresto de
bens obedecerá à seguinte ordem:
I - dinheiro;
II - título da dívida pública,
bem como título de crédito, que tenham cotação em bolsa;
III - pedras e metais preciosos;
IV - imóveis;
V - navios e aeronaves;
VI - veículos;
VII - móveis ou semoventes; e
VIII - direitos e ações.
O Município argumentou que,
apesar de o inciso II do art. 9º da Lei 6.830/80 arrolar o seguro garantia como
instrumento hábil para garantir o executivo fiscal, não é cabível a equiparação
dessa modalidade ao depósito em dinheiro. Assim, o seguro garantia somente deve
ser admitido em hipóteses estritamente excepcionais, como quando houver a
comprovação concreta pelo devedor de onerosidade excessiva da garantia em
pecúnia, o que não ocorreu no caso em comento.
Requereu, por esse motivo, que fosse
determinada a penhora on-line da quantia executada.
O juiz, então, acolheu os
argumentos do Município exequente e indeferiu a garantia oferecida
(seguro-garantia).
O Banco interpôs sucessivos
recursos até que a controvérsia chegou ao STJ.
Para o recorrente, o juiz decidiu de forma equivocada e
afrontou a regra do art. 9º, II, da Lei nº 6.830/80:
Art. 9º Em garantia da execução,
pelo valor da dívida, juros e multa de mora e encargos indicados na Certidão de
Dívida Ativa, o executado poderá:
(...)
II - oferecer fiança bancária ou
seguro garantia
O STJ concordou com os
argumentos do Banco? O seguro-garantia foi aceito neste caso?
NÃO.
A hipótese normativa do artigo
9º, II, da Lei de Execução Fiscal não deve ser interpretada como regra, mas sim
como exceção, tendo em vista o princípio informativo da máxima utilidade da
execução.
O seguro-garantia para dar
suporte a dívida em execução fiscal, não atende a ordem de preferência do art. 11
da Lei de Execução Fiscal, não possui a mesma liquidez do depósito em dinheiro
(art. 9º, II, Lei 6.830/80), e não se converte em dinheiro (art.11, §2º, LEF).
O seguro-garantia foi oferecido
desacompanhado de qualquer argumento válido acerca da menor onerosidade.
A decisão do juiz consignou ainda
que “caso não renovada a apólice, cessará a garantia do Juízo, o que conduz à
circunstância de, no momento em que tiver que satisfazer a execução, a garantia
não mais esteja em vigor, pois extinta”.
A jurisprudência pacífica do STJ
entende que “a garantia da execução fiscal por fiança bancária ou seguro
garantia não pode ser feita exclusivamente por conveniência do devedor, quando
a Fazenda Pública recusar em detrimento do dinheiro, o que só pode ser admitido
se a parte devedora demonstrar a necessidade de aplicação do princípio da menor
onerosidade” (STJ. 2ª Turma. AgInt no REsp 1.948.922/RN, Rel. Min. Francisco
Falcão, DJe 13/10/2022).
Isso porque, segundo o rol de
bens penhoráveis previsto no art. 11 da Lei nº 6.830/80, o legislador outorgou
posição privilegiada ao dinheiro, ante sua imediata liquidez, fato esse que
deve ser assegurado, ab initio.
Destaca-se, ainda, o entendimento
firmado pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Tema 425, no sentido
de que “a partir da vigência da Lei 11.382/2006, os depósitos e as aplicações
em instituições financeiras passaram a ser considerados bens preferenciais na
ordem da penhora, equiparando-se a dinheiro em espécie (artigo 655, I, do CPC),
tornando-se prescindível o exaurimento de diligências extrajudiciais a fim de
se autorizar a penhora online” (REsp 1.184.765/PA relator Ministro Luiz Fux,
Primeira Seção, DJe 3/12/2010).
Dessa forma, não obstante o
princípio da menor onerosidade, a execução é feita no interesse do credor, de
forma que o devedor está adstrito à indicação de bens seguindo a ordem legal,
sendo faculdade do exequente aceitar ou indicar outros bens, considerado seu
interesse.
Assim, a inversão da ordem de
preferência dos bens penhoráveis a requerimento do executado depende da efetiva
comprovação por meio de elementos concretos que justifiquem a prevalência do
princípio da menor onerosidade. Nesse sentido, é a tese firmada no Tema
Repetitivo 578/STJ, segundo a qual, “em princípio, nos termos do art. 9º, III,
da Lei 6.830/1980, cumpre ao executado nomear bens à penhora, observada a ordem
legal. É dele o ônus de comprovar a imperiosa necessidade de afastá-la, e, para
que essa providência seja adotada, mostra-se insuficiente a mera invocação
genérica do art. 620 do CPC” (REsp 1.337.790/PR, relator Ministro Herman
Benjamin, Primeira Seção, DJe 7/10/2013).
Em suma:
STJ. 1ª
Turma. AgInt no AREsp 1.840.734-GO, Rel. Min. Paulo Sérgio Domingues, julgado
em 5/6/2023 (Info 11 – Edição Extraordinária).