Dizer o Direito

domingo, 24 de setembro de 2023

A ausência de comprovação, pela parte executada, de que o imóvel penhorado é explorado pela família afasta a incidência da proteção da impenhorabilidade

Imagine a seguinte situação hipotética:

João comprou uma máquina agrícola do fornecedor “Agromércio” e, como garantia do pagamento, assinou nota promissória no valor de R$ 20 mil.

O devedor não efetuou o pagamento na data do vencimento, razão pela qual o fornecedor ingressou com execução de título extrajudicial, tendo sido penhorado um imóvel rural que está em nome de João.

O executado alegou que o imóvel em questão é impenhorável, considerando que se trata de pequena propriedade rural onde pratica agricultura juntamente com a mulher e os filhos.

 

Impenhorabilidade do pequeno imóvel rural trabalhado pela família

O art. 5º, XXVI, da CF/88 e o art. 833, VIII, do CPC estabelecem:

CF/88. Art. 5º (...)

XXVI - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento;

 

CPC/Art. 833. São impenhoráveis:

VIII - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família;

 

“A norma visa proteger famílias de pequenos agricultores, sabidamente menos favorecidas, que vivem basicamente do que produzem em suas propriedades rurais. Por outro lado, verifica-se também existir o "interesse social em manter a família presa à propriedade rural. Quanto mais famílias, maior o desenvolvimento agropecuário do país" (BONAVIDES, Paulo. Comentários à constituição federal de 1988. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 151).

 

Requisitos

Para que o imóvel rural seja impenhorável, é necessário que cumpra dois requisitos cumulativos:

1) seja enquadrado como pequena propriedade rural, nos termos definidos pela lei; e

2) seja trabalhado pela família.

 

Voltando ao exemplo:

O juiz deferiu o pedido de João e desconstituiu a penhora sobre o imóvel.

O exequente recorreu argumentando que o devedor apenas alegou, mas não provou, que o imóvel preenche os dois requisitos acima listados e que garantiriam a sua impenhorabilidade.

 

A tese defendida pelo exequente foi aceita pelo STJ? O que o executado tem que provar para ter direito à impenhorabilidade de que trata o art. 5º, XXVI, da CF/88 e o art. 833, VIII, do CPC? Quem tem o encargo de provar os requisitos da impenhorabilidade da pequena propriedade rural?

SIM. O devedor.

É ônus da parte executada comprovar que a propriedade se enquadra no conceito legal de pequena propriedade rural e que o imóvel penhorado é explorado pela família

 

O art. 5º, XXVI, da CF/88 e o art. 833, VIII, do CPC preveem que é impenhorável a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família.

Assim, para que o imóvel rural seja impenhorável, são necessários dois requisitos:

1) que seja enquadrado como pequena propriedade rural, nos termos definidos pela lei; e

2) que seja trabalhado pela família.

 

Até o momento, não há uma lei definindo o que seja pequena propriedade rural para fins de impenhorabilidade. Diante da lacuna legislativa, a jurisprudência tem tomado emprestado o conceito estabelecido na Lei nº 8.629/93, a qual regulamenta as normas constitucionais relativas à reforma agrária.

Em seu art. 4º, II, alínea “a”, atualizado pela Lei nº 13.465/2017, consta que se enquadra como pequena propriedade rural o imóvel rural “de área até quatro módulos fiscais, respeitada a fração mínima de parcelamento”.

 

Quem tem o encargo de provar esses requisitos? Quem tem o encargo de provar os requisitos da impenhorabilidade da pequena propriedade rural?

O devedor.

O art. 833, VIII, do CPC/2015 é expresso ao condicionar o reconhecimento da impenhorabilidade da pequena propriedade rural à sua exploração familiar. Isentar o devedor de comprovar a efetiva satisfação desse requisito legal e transferir a prova negativa ao credor importaria em desconsiderar o propósito que orientou a criação dessa norma, o qual consiste em assegurar os meios para a manutenção da subsistência do executado e de sua família.

 

A ausência de comprovação, pela parte executada, de que o imóvel penhorado é explorado pela família afasta a incidência da proteção da impenhorabilidade.

STJ. 2ª Seção. REsp 1.913.234-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 8/2/2023 (Info 12 – Edição Extraordinária).


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