Dizer o Direito

sábado, 30 de setembro de 2023

Se o advogado dativo comunicou com antecedência ao juízo que estava renunciando o patrocínio e apresentou justo motivo, ele não deverá ser multado por abandono da causa, mesmo que o convênio firmado entre a Defensoria e a OAB exija sua presença até o final

Imagine a seguinte situação hipotética:

Lucas realizou convênio com a Defensoria Pública do Estado de São Paulo para atuar como advogado dativo.

Nessa condição, foi designado, em 20/10/2021, para atuar na defesa dos réus João e Marcos.

Após a apresentação da defesa prévia, foi designada audiência virtual para o dia 20/04/2022.

Ocorre que, em 20/03/2022, Lucas foi contratado para atuar com exclusividade em um escritório de advocacia na cidade do Rio de Janeiro/RJ.

Diante disso, Lucas, em 05/04/2022, solicitou o desligamento do convênio por motivo de mudança de Comarca/Foro, o que foi deferido pela Defensoria.

Em 09/04/2022, o advogado peticionou nos autos informando o cancelamento do convênio, bem como a renúncia do mandato. Narrou que firmou contrato de trabalho no qual se exige exclusividade, impedindo, portanto, a atuação autônoma em outros processos.

O juiz, contudo, indeferiu o pedido de renúncia sob o argumento de que existe cláusula no convênio que determina que o advogado continue no patrocínio da causa até o trânsito em julgado:

CLÁUSULA DÉCIMA: O pedido de cancelamento da inscrição do advogado ou da Sociedade Individual deverá ser realizado em campo específico após acesso ao portal do advogado mediante utilização de login e senha.

§1º - O cancelamento da inscrição implicará a interrupção de indicações a partir do recebimento da comunicação pela DEFENSORIA.

§2º - Salvo impedimento legal, incompatibilidade ou renúncia deferida pela DEFENSORIA, o advogado deverá continuar, até o trânsito em julgado, no patrocínio das ações para as quais tenha sido indicado na forma deste convênio.

 

O magistrado considerou que a mudança de local de atuação seria fato absolutamente irrelevante para o feito, cujo trâmite é digital.

A Defensoria, por sua vez, embora tenha permitido o cancelamento da inscrição, não admitiu a renúncia nos autos.

Na data de audiência virtual designada, mesmo ciente do indeferimento, o advogado não compareceu.

Em razão disso, juízo aplicou multa ao advogado de 10 salários mínimos por abandono de causa, nos termos do art. 265 do CPP:

Art. 265. O defensor não poderá abandonar o processo senão por motivo imperioso, comunicado previamente o juiz, sob pena de multa de 10 (dez) a 100 (cem) salários mínimos, sem prejuízo das demais sanções cabíveis.

 

Irresignado, o advogado impetrou mandado de segurança alegando que apresentou em tempo hábil, o seu pedido de renúncia ao mandato, bem como o comprovante de cancelamento do convênio com a Defensoria Pública.

O TJ/SP denegou o pedido do advogado que interpôs recurso ordinário.

 

 

O STJ manteve a multa aplicada ao advogado?

NÃO.

O advogado atuou com a devida cautela, comunicando a renúncia com antecedência. Esse pedido de renúncia foi indeferido com fundamento em cláusula do acordo firmado entre a OAB/SP e a Defensoria Pública.

Ocorre que os termos do convênio firmado entre Defensoria e Ordem dos Advogados não repercutem na responsabilidade processual do advogado. O advogado cumpriu sua obrigação ao fazer a comunicação tempestiva da renúncia ao múnus público. Assim, a obrigação de permanecer funcionando nos processos até o trânsito em julgado encontra limite legal no justo motivo (art. 34, XII, da Lei nº 8.906/94):

Art. 34. Constitui infração disciplinar:

(...)

XII - recusar-se a prestar, sem justo motivo, assistência jurídica, quando nomeado em virtude de impossibilidade da Defensoria Pública;

 

O fato de o contrato de trabalho posteriormente firmado exigir exclusividade na atuação constitui justo motivo para a renúncia, ainda mais quando há convênio firmado entre OAB e Defensoria Pública e, provavelmente, outros profissionais disponíveis para assumir a defesa. Seria diferente numa comarca sem Defensoria Pública instalada, sem convênio vigente, na qual a renúncia acarretasse prejuízo irreversível para a defesa técnica.

O eventual descumprimento das cláusulas do convênio enseja as consequências previstas no instrumento (ex: multa contratual), que se aplicam entre as suas partes. Para fins processuais, o advogado fez o que lhe competia, ou seja, comunicar tempestivamente a renúncia e demonstrar o justo motivo.

Por fim, tratando-se de defensor dativo, nomeado pelo Juízo, é desnecessária a exigência de comunicação prévia aos representados (art. 112 do CPC), haja vista a ausência de instrumento de procuração. O defensor dativo assume o múnus público por meio de nomeação do órgão judicial, sendo a comunicação prévia decorrência do contrato firmado, o que não se aplica ao caso.

 

Em suma:

 

DOD Plus – informações complementares

O art. 265 do CPP é compatível com o contraditório e a ampla defesa assegurados constitucionalmente?

SIM.

O STJ firmou entendimento pela constitucionalidade do art. 265 do CPP, cuja aplicação não acarreta ofensa ao contraditório e à ampla defesa, mas representa, isto sim, estrita observância do regramento legal.

O não comparecimento de advogado a audiência sem apresentar prévia ou posterior justificativa plausível para sua ausência, pode ser qualificado como abandono de causa que autoriza a imposição da multa prevista no art. 265 do CPP.

STJ. 5ª Turma. AgInt no RMS 58.366/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 19/03/2019.

 

É constitucional a multa imposta ao defensor por abandono do processo, prevista no art. 265 do CPP.

A previsão da multa afigura-se compatível com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

A multa não se mostra inadequada nem desnecessária. Ao contrário, mostra-se razoável como meio prévio para evitar o comportamento prejudicial à administração da justiça e ao direito de defesa do réu, tendo em vista a imprescindibilidade da atuação do profissional da advocacia para o regular andamento do processo penal.

A multa do art. 265 do CPP não ofende o contraditório, a ampla defesa, o devido processo legal ou a presunção de não culpabilidade. Não há necessidade de instauração de processo autônomo e de manifestação prévia do defensor, no entanto, é possível que ele, posteriormente, se justifique por meio de pedido de reconsideração. Outra alternativa é a impetração de mandado de segurança.

STF. Plenário. ADI 4398, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 05/08/2020 (Info 993).


sexta-feira, 29 de setembro de 2023

MP não compareceu à audiência. Juíza fez todas as perguntas para as testemunhas de acusação. Defesa protestou durante o ato alegando que isso violaria o sistema acusatório, mas teve sua impugnação rejeitada. A sentença utilizou os depoimentos das testemunhas para condenar o réu. Essa condenação é válida?

Art. 212 do CPP e Lei nº 11.690/2008

O art. 212 do Código de Processo Penal dispõe sobre a forma de inquirição das testemunhas na audiência. Este dispositivo foi alterado no ano de 2008 e atualmente prevê:

Art. 212. As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida.

Parágrafo único. Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição.

(Redação dada pela Lei nº 11.690/2008)

 

Com a reforma do CPP, operada pela Lei nº 11.690/2008, a participação do juiz na inquirição das testemunhas foi reduzida ao mínimo possível.

Desse modo, as perguntas agora são formuladas diretamente pelas partes (MP e defesa) às testemunhas (sistema de inquirição direta ou cross examination).

 

Quem começa perguntando: quem arrolou

Outra inovação trazida é pela Lei nº 11.690/2008: quem começa perguntando à testemunha é a parte que teve a iniciativa de arrolá-la.

Ex: na denúncia, o MP arrolou duas testemunhas (Carlos e Fernando). A defesa, na resposta escrita, também arrolou uma testemunha (André). No momento da audiência de instrução, inicia-se ouvindo as testemunhas arroladas pelo MP (Carlos e Fernando).

 

Quem primeiro fará perguntas a essas testemunhas?

O Ministério Público. Quando o MP acabar de perguntar, a defesa terá direito de formular seus questionamentos e, por fim, o juiz poderá complementar a inquirição, se houver pontos não esclarecidos.

 

Depois de serem ouvidas todas as testemunhas de acusação, serão inquiridas as testemunhas de defesa (no exemplo dado, apenas André). Quem primeiro fará as perguntas a André?

A defesa. Quando a defesa acabar de perguntar, o Ministério Público terá direito de formular questionamentos e, por fim, o juiz poderá complementar a inquirição, se houver pontos não esclarecidos.

 

Como funciona na prática a inquirição?

As perguntas são formuladas pelas partes diretamente à testemunha.

É o chamado sistema da inquirição direta.

O sistema de inquirição direta divide-se em:

a) direct examination (quando a parte que arrolou a testemunha faz as perguntas) e

b) cross examination (quando a parte contrária é quem formula as perguntas). Em provas, contudo, é comum vir a expressão cross examination como sinônima de inquirição direta.

 

Ex: o Juiz passa a palavra ao promotor: “Dr., o senhor pode formular as perguntas diretamente à testemunha arrolada pela acusação.”

Daí, então, o Promotor inicia as perguntas, dirigindo-se diretamente à testemunha: “Você viu o réu matar a vítima? O réu segurava um revólver? Qual era a cor de sua camisa?”

 

O que o juiz fará?

Em regra, o juiz deverá apenas ficar calado, ouvindo e valorando, em seu íntimo, as perguntas e as respostas.

O juiz deverá, contudo, intervir e indeferir a pergunta formulada pela parte caso se verifique uma das seguintes situações:

a) Quando a pergunta feita pela parte puder induzir a resposta da testemunha;

b) Quando a pergunta não tiver relação com a causa;

c) Quando a pergunta for a repetição de outra já respondida.

 

Se ocorrer alguma dessas três situações, o juiz deverá indeferir a pergunta antes que a testemunha responda.

 

Como funciona na prática a ordem das perguntas?

As partes formulam as perguntas à testemunha antes do juiz, que é o último a inquirir.

A ordem de perguntas é atualmente a seguinte:

1º) A parte que arrolou a testemunha faz as perguntas que entender necessárias;

2º) A parte contrária àquela que arrolou a testemunha faz outras perguntas;

3º) O juiz, ao final, poderá complementar a inquirição sobre os pontos não esclarecidos.

 

Ex: Ivo foi arrolado como testemunha pela defesa. A defesa do réu começa perguntando. Quando acabar, o juiz passa a palavra ao MP, que irá formular as perguntas que entender necessárias. Por fim, o juiz poderá perguntar sobre algum ponto que não foi esclarecido.

 

Vimos que o juiz é, portanto, o último a perguntar, fazendo-o apenas para complementar pontos não esclarecidos.

 

Imagine agora a seguinte situação hipotética:

João foi denunciado pelo Ministério Público acusado da prática de um crime.

Foi designada audiência para oitiva das testemunhas e interrogatório do acusado.

Tanto a defesa como o Ministério Público foram intimados.

Ocorre que, no dia da audiência, o Promotor de Justiça, justificadamente, não compareceu no ato.

 

Diante disso, indaga-se: é possível que a audiência seja realizada sem a presença do Ministério Público?

SIM. Isso porque o Ministério Público foi intimado. O que se exige é a intimação do Parquet. Se ele, mesmo intimado, não comparece, o ato processual pode ser realizado, não havendo que se falar em nulidade:

Não há vício a ser sanado quando, apesar de intimado, o Ministério Público deixa de comparecer aos atos processuais.

Trata-se de nulidade relativa, devendo subsistir alegação oportuna e demonstração do prejuízo, inexistente no caso concreto.

STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp n. 1.566.596/RS, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 27/6/2017.

 

O Superior Tribunal de Justiça é firme em assinalar que da mera ausência do Ministério Público na audiência de oitiva de testemunhas não decorre a nulidade do ato, devendo a defesa oportunamente arguir a sua nulidade, com a devida comprovação do prejuízo imposto ao réu.

STJ. 6ª Turma. REsp 1.493.227/RS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 13/9/2016.

 

Voltando ao caso hipotético:

O Promotor de Justiça, apesar de devidamente intimado, não compareceu à audiência.

As testemunhas, o réu e seu advogado se fizeram presentes.

A juíza decidiu fazer a audiência sem o Ministério Público. Até aí, tudo bem.

O problema foi que a própria magistrada fez todas as perguntas para as testemunhas de acusação.

A defesa se insurgiu contra isso alegando que houve um desvirtuamento da regra do art. 212 do CPP.

A despeito disso, a Juíza rejeitou o pedido da defesa e, ao final, condenou o réu.

Na sentença, foram mencionados os depoimentos das testemunhas como sendo as provas para a condenação do réu.

A defesa impetrou habeas corpus sustentando a nulidade.

 

O pedido da defesa foi acolhido pelo STJ? Houve nulidade?

SIM.

 

Juiz assumiu o protagonismo ao inquirir sozinho as testemunhas arroladas pela acusação

No caso, consta no termo de audiência que o membro do Ministério Público não esteve presente na audiência de instrução e, mesmo sob protestos da defesa, a Magistrada processante prosseguiu com o ato, inquirindo todas as testemunhas arroladas na denúncia.

É bem verdade que a legislação infraconstitucional confere poderes instrutórios ao Juiz. O art. 209, caput e § 1º, do Código de Processo Penal, por exemplo, preceitua que, quando necessário, o Juiz pode ouvir outras testemunhas, além das indicadas pelas partes, facultando, ainda, a oitiva de testemunhas referidas:

Art. 209.  O juiz, quando julgar necessário, poderá ouvir outras testemunhas, além das indicadas pelas partes.

§ 1º Se ao juiz parecer conveniente, serão ouvidas as pessoas a que as testemunhas se referirem.

(...)

 

No entanto, o exercício de tais poderes deve ocorrer de forma residual, a fim de não substituir os sujeitos processuais a quem primeiro recai o ônus probatório.

É, justamente, afinada com esse juízo de complementaridade da atuação do Magistrado quanto à produção probatória que a atual redação do art. 212, parágrafo único, do Código de Processo Penal preleciona que “Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição”.

Como se vê, a lei não exclui o julgador do procedimento de inquirição de testemunhas, porém lhe interdita a possibilidade de atuar como protagonista do ato, em completa substituição das partes.

 

Defesa demonstrou o efetivo prejuízo

A consolidada orientação jurisprudencial do STJ dispõe que:

Tanto nos casos de nulidade relativa quanto nos casos de nulidade absoluta, o reconhecimento de vício que enseje a anulação de ato processual exige a efetiva demonstração de prejuízo ao acusado.

STJ. 6ª Turma. AgRg no HC 711.657/RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 14/3/2023.

 

No caso, a defesa, de fato, se desincumbiu do ônus de demonstrar o prejuízo sofrido, tendo em vista que o decreto condenatório foi lastreado justamente no depoimento das testemunhas ouvidas em audiência de instrução sem a presença do Parquet - inquirição que foi conduzida, de forma protagonista, pela Magistrada da causa, em substituição à atividade típica das partes.

 

A matéria foi arguida em momento oportuno, não tendo havido preclusão

Ademais, a matéria foi arguida oportunamente, isto é, a Defesa manifestou seu inconformismo durante a própria audiência e, ainda, renovou a questão em alegações finais e em preliminar de apelação, razão pela qual não há se falar em preclusão.

Portanto, considerando-se o desrespeito à forma legal e, concomitantemente, a demonstração do efetivo prejuízo suportado pela ré e a ausência de preclusão da matéria arguida oportunamente, de rigor a anulação do processo-crime desde a audiência de instrução, a fim de que seja refeito o ato, desta feita, com a observância das formalidades legais.

 

Em suma:

 

No mesmo sentido:

 

A inquirição de testemunhas diretamente pelo magistrado que assume o protagonismo na audiência de instrução e julgamento viola o art. 212 do CPP.

Neste caso, o membro do MP estava na audiência, mas não fez perguntas, apenas o juiz.

STJ. 6ª Turma HC 735519-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 16/08/2022 (Info 745).

 

(...) 5. A redação do art. 212 é clara e não encerra uma opção ou recomendação. Trata-se de norma cogente, de aplicabilidade imediata, e portanto o seu descumprimento pelo magistrado acarreta nulidade à ação penal correlata quando demonstrado prejuízo ao acusado.

6. A demonstração de efetivo prejuízo no campo das nulidades processuais penais é sempre prospectiva e nunca presumida. É dizer, não cabe ao magistrado já antecipar e prever que a inobservância a norma processual cogente gerará ou não prejuízo à parte, pois desconhece quo ante a estratégia defensiva.

7. Demonstrado, no caso dos autos, iniciativa e protagonismo exercido pelo Juízo singular na inquirição das testemunhas de acusação e verificado que foram esses elementos considerados na fundamentação do decreto condenatório, forçoso reconhecer a existência de prejuízo ao acusado.

(...) 9. Habeas corpus concedido de ofício a fim de reconhecer a nulidade da ação penal originária a partir da audiência de instrução e julgamento e, como consequência, restituir a liberdade ao acusado, a fim de que responda solto à instrução da ação penal que deverá ser renovada.

STF. 2ª Turma. HC 202557, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 03/08/2021.


quinta-feira, 28 de setembro de 2023

INFORMATIVO Comentado 1102 STF (completo e resumido)

Olá, amigas e amigos do Dizer o Direito,

Já está disponível mais um INFORMATIVO COMENTADO.

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Confira abaixo o índice. Bons estudos.

ÍNDICE DO INFORMATIVO 1102 DO STF


Direito Constitucional

PODER JUDICIÁRIO

§  É inconstitucional norma estadual que prevê adicional de auxílio-aperfeiçoamento profissional aos magistrados.

 

SEGURANÇA PÚBLICA

§  STF determinou ao Poder Executivo a inclusão do monitoramento e da avaliação dos indicadores referentes aos feminicídios e às mortes causadas por agentes de segurança pública no Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social.

 

ÍNDIOS

§  STF determinou que fossem adotadas providências para evitar e reparar falhas e omissões na proteção e garantia dos direitos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (PIIRC).

 

DIREITO AMBIENTAL

PESCA

§  É constitucional lei estadual que proíbe a atividade de pesca de arrasto na faixa marítima da zona costeira de seu território.

 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

COMPETÊNCIA

§  Compete à Justiça Comum o julgamento de ação na qual servidor celetista demanda parcela de natureza administrativa contra o Poder Público.

 

DIREITO PENAL

ESTATUTO DO DESARMAMENTO

§  A aquisição de armas de fogo deve se pautar pelo caráter excepcional, razão pela qual se exige a demonstração concreta da efetiva necessidade, por motivos tanto profissionais quanto pessoais.

 

DIREITO DO TRABALHO

JORNADA DE TRABALHO

§  É constitucional o art. 59 da CLT que permite, por meio de acordo individual escrito entre o empregador e o trabalhador, a adoção da jornada de 12 horas de trabalho seguidas por 36 horas ininterruptas de descanso.

 

LEI DOS CAMINHONEIROS

§  (In) constitucionalidade da Lei dos Caminhoneiros.


Se a vítima disse que o filler (dublê) do alinhamento exigido pelo art. 226, II, do CPP foi o autor do crime, mas não há nenhum outro elemento concreto em seu desfavor, esse reconhecimento não é suficiente, por si só, para uma condenação

O que é o reconhecimento de pessoas e coisas?

É um meio de prova, previsto nos arts. 226 a 288 do CPP.

Um indivíduo conhece ou viu determinada pessoa ou coisa que supostamente está relacionado com um crime que está sendo apurado.

Esse indivíduo é chamado pelos órgãos de persecução penal para dizer se a pessoa ou coisa que lhe será mostrada realmente é aquela que ele conhece ou que viu.

Ex: uma testemunha viu a pessoa que matou a vítima e depois fugiu. Tempos depois, a polícia prende um homem suspeito de ser o autor do crime. Esse suspeito será mostrado à testemunha para que ela diga se ele é, ou não, o indivíduo que viu no momento do crime.

 

Formalidades

O art. 226 do CPP descreve um procedimento para a realização do reconhecimento de pessoas e coisas:

1ª etapa: o indivíduo que tiver de fazer o reconhecimento será convidado a descrever a pessoa que deva ser reconhecida. Ex: a pessoa tem aproximadamente 1,80m, pele branca, cabelo preto, uma cicatriz no rosto etc.

2ª etapa: a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança. Essas pessoas que são colocadas ao lado do suspeito são chamadas de filler*. Em seguida, pede-se para o indivíduo que fará o reconhecimento apontar qual é daquelas pessoas que estão lado a lado.

Algumas vezes, o fato de o indivíduo estar face a face com a pessoa a ser reconhecida pode gerar intimidação ou outra influência negativa que lhe impeça de dizer a verdade. Por isso, a lei permite que a pessoa a ser reconhecida não veja o indivíduo que fará o reconhecimento. Isso é feito, por exemplo, por meio de “vidros espelhados” nos quais somente um dos lados enxerga o outro. Obs: vale ressaltar essa cautela só pode ser feita na fase de investigação pré-processual. Na fase da instrução criminal ou em plenário de julgamento a pessoa a ser reconhecida terá direito de também ver o indivíduo que está lhe reconhecendo, sendo esse ato feito ainda na presença do juiz, do Ministério Público e da defesa.

3ª etapa: será lavrado um auto pormenorizado narrando o que ocorreu no ato de reconhecimento. Esse auto deverá ser subscrito pela autoridade, pelo indivíduo que foi chamado para fazer o reconhecimento e por duas testemunhas presenciais.

 

Obs: no caso de reconhecimento de objeto também deverão ser observadas, no que couber, as cautelas previstas para o reconhecimento pessoal (art. 227).

Obs2: se várias forem as pessoas chamadas a efetuar o reconhecimento de pessoa ou de objeto, cada uma fará a prova em separado, evitando-se qualquer comunicação entre elas (art. 228).

 

* O que é o filler?

Em procedimentos de reconhecimento de pessoas, o termo “filler” refere-se a indivíduos que são incluídos em uma linha de identificação (ou “lineup”) e que não são suspeitos do crime em questão. Esses indivíduos “filler” são usados para garantir que o processo seja justo e para reduzir a probabilidade de identificações falsas.

A ideia é a seguinte: se uma vítima ou testemunha pode identificar o suspeito de um lineup que também inclui vários fillers (ou seja, pessoas que definitivamente não são o autor do crime), então há uma maior confiança de que o reconhecimento é válido. Se o lineup contivesse apenas o suspeito e nenhuma outra pessoa para comparar, a vítima ou testemunha poderia se sentir pressionada a fazer uma identificação, mesmo que não estivesse certa.

A seleção adequada de fillers é crucial para a eficácia e justiça do processo. Idealmente, os fillers devem ser semelhantes em aparência ao suspeito para que o lineup não seja tendencioso. Se o suspeito se destacar demais em relação aos fillers, isso poderia influenciar indevidamente a testemunha a escolher o suspeito.

 

Como vimos acima, o art. 226 do CPP estabelece formalidades para o reconhecimento de pessoas (reconhecimento pessoal). O descumprimento dessas formalidades enseja a nulidade do reconhecimento?

SIM. A partir do entendimento firmado no HC 598.886-SC, o STJ passou a entender que:

1) O reconhecimento de pessoas deve observar o procedimento previsto no art. 226 do Código de Processo Penal, cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se encontra na condição de suspeito da prática de um crime;

2) À vista dos efeitos e dos riscos de um reconhecimento falho, a inobservância do procedimento descrito na referida norma processual torna inválido o reconhecimento da pessoa suspeita e não poderá servir de lastro a eventual condenação, mesmo se confirmado o reconhecimento em juízo;

3) Pode o magistrado realizar, em juízo, o ato de reconhecimento formal, desde que observado o devido procedimento probatório, bem como pode ele se convencer da autoria delitiva a partir do exame de outras provas que não guardem relação de causa e efeito com o ato viciado de reconhecimento;

4) O reconhecimento do suspeito por simples exibição de fotografia(s) ao reconhecedor, a par de dever seguir o mesmo procedimento do reconhecimento pessoal, há de ser visto como etapa antecedente a eventual reconhecimento pessoal e, portanto, não pode servir como prova em ação penal, ainda que confirmado em juízo.

STJ. 6ª Turma. HC 598.886-SC, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 27/10/2020 (Info 684).

 

Imagine agora a seguinte situação adaptada:

Três desconhecidos, um armado, entraram em uma residência e dali roubaram bens pertencentes aos moradores da casa, que foram feitos reféns.

Dias depois, as vítimas reconheceram, em álbum fotográfico de suspeitos, Isaías e Rodrigo como sendo dois dos assaltantes.

Diante disso, a polícia requereu a prisão temporária de ambos, mas apenas Isaías foi localizado e preso.

Igor e Paulo, filhos de Isaías, foram até a Delegacia de Polícia prestar assistência ao seu pai que foi preso.

Neste mesmo dia iria ocorrer, na Delegacia, o procedimento de reconhecimento pessoal, na forma do art. 226 do CPP.

O Delegado de Polícia pediu que Igor e Paulo, filhos de Isaías, fossem dublês que ficam ao lado do suspeito, na forma do inciso II do art. 226:

Art. 226. Quando houver necessidade de fazer-se o reconhecimento de pessoa, proceder-se-á pela seguinte forma:

(...)

Il - a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la;

 

Assim, foram colocadas três pessoas uma ao lado da outra: Isaías (o suspeito) e seus filhos Igor e Paulo (que estavam lá apenas para auxiliar o pai e não eram suspeitos).

Assim, Igor e Paulo figuraram como dublês (fillers) do procedimento de reconhecimento pessoal.

As vítimas confirmaram Isaías como sendo uma das pessoas que praticou o roubo. A surpresa veio agora: as vítimas disseram que Igor também participou do roubo.

Diante disso, Isaías e Igor foram denunciados e condenados por roubo, sentença mantida pelo Tribunal de Justiça.

A defesa de Igor impetrou habeas corpus alegando que não havia indícios para a condenação.

 

O STJ concordou com o pedido da defesa?

SIM.

De início, chama a atenção uma especial peculiaridade nestes autos.

O réu (Igor) não era sequer suspeito do crime e foi à delegacia apenas para acompanhar seu pai (Isaías), que havia sido preso pelo roubo.

Para realizar o procedimento de reconhecimento pessoal do genitor, Igor concordou, junto com seu irmão Paulo, em figurar como dublê (filler) para preencher o alinhamento exigido pelo art. 226 do CPP.

Um filler, por definição, é uma “pessoa livre de qualquer suspeita de ter cometido o crime investigado, que é apresentada em conjunto com o suspeito em um alinhamento” (IDDD, Relatório “Prova sob suspeita”, p. 10, disponível em http://www.iddd.org.br/wpcontent/uploads/2021/04/linhas-defensivas-iddd.pdf).

Todavia, o ato, que era destinado apenas ao reconhecimento do suspeito (Isaías), acabou, por acaso, resultando também no reconhecimento do paciente (Igor), e foi apenas isso, sem nenhuma prova adicional, que levou à condenação dele.

Ou seja, o paciente não estava ali na condição de suspeito a ser reconhecido, mas, tão somente, de “figurante”. Admitir a condenação dele por esse reconhecimento, sem nenhum elemento de corroboração, implicaria, por consequência, aceitar o absurdo de que, toda vez que algum dublê – por exemplo, um estagiário do fórum ou da delegacia – for reconhecido por engano ao preencher o alinhamento de pessoas – acontecimento corriqueiro na praxe forense –, isso bastaria para a sua condenação. A par da pouca confiabilidade epistêmica de um reconhecimento, isoladamente considerado, para um juízo de condenação, evidencia-se ainda a total ilegalidade do ato, visto que colocado o suspeito, de meia idade, ao lado de seus filhos, muito mais jovens, sem outras pessoas e sem observar que o reconhecimento formal não pode ser feito com o alinhamento de mais de um suspeito por vez. Assim, caso se suspeitasse do envolvimento de todos eles no crime, deveria haver sido feito um alinhamento para cada um. De todo modo, ainda que, por hipótese, se considerasse formalmente válido o ato, não foi apontado nenhum outro elemento concreto que pudesse corroborar tal prova, a qual, por si só, não é suficiente para um decreto condenatório.

Em reforço a essas considerações, cabe salientar que foram aportados aos autos indícios plausíveis que atestariam a alegada inocência suscitada pela defesa, a saber:

a) três testemunhas declararam que Igor trabalhava como entregador numa lanchonete e estava a serviço no momento do crime;

b) o laudo de assistente técnico apresentado pela defesa afirmou que as características físicas do réu são incompatíveis com as dos três indivíduos que aparecem nas filmagens das câmeras de segurança;

c) era pouco plausível que o réu, se tivesse efetivamente tomado parte no roubo, iria até a delegacia acompanhar seu pai, principal suspeito do crime, e ainda aceitar participar como dublê de reconhecimento perante os ofendidos;

d) o coautor do roubo que se considerou ser o ora paciente estava, como visto na filmagem do local, com o rosto parcialmente coberto durante a ação delituosa.

 

Esses fatores, somados, fragilizam a única prova usada para condenar o paciente, e ainda suscitam razoáveis dúvidas quanto à sua alegada participação no delito, de sorte a atrair a incidência do princípio da presunção de inocência – e de um de seus consectários, a regra do in dubio pro reo – ante a carência de um standard probatório mínimo para a condenação.

A condenação de alguém, em um processo penal, não pode ser decorrente de mera convicção íntima do juiz, ou mesmo de uma convicção apoiada em prova que, confrontada por evidências contrárias, suscitem razoável dúvida quanto à narrativa acusatória, sob pena de inversão do ônus da prova, que, no âmbito criminal, recai todo sobre a acusação.

Na hipótese, houve clara violação à regra de que ninguém pode ser condenado com prova que não supere a dúvida razoável quanto à participação delitiva do acusado. É pertinente ressaltar, por oportuno, que não se trata, no caso, de negar a validade integral do depoimento das vítimas; mas sim, de negar validade à condenação baseada em prova frágil e produzida de forma ilegal.

Também não se trata, aqui, de insinuar que as vítimas mentiram.

A epistemologia do testemunho* nos alerta para o conceito de “erros honestos”. Para esse ramo da ciência, o oposto da ideia de “mentira” não é a “verdade”, mas sim a “sinceridade”. Quando se coloca em dúvida a confiabilidade do reconhecimento feito pela vítima, mesmo nas hipóteses em que ela diga ter “certeza absoluta” do que afirma, não se está a questionar a idoneidade moral daquela pessoa ou a imputar-lhe má-fé, vale dizer, não se insinua que ela esteja mentindo para incriminar um inocente. De forma alguma. O que se pondera, apenas, é que, não obstante a vítima esteja sendo sincera, isto é, afirmando aquele fato de boa-fé, a afirmação dela pode não corresponder à realidade por decorrer de um “erro honesto”, causado pelo fenômeno das falsas memórias.

 

* Epistemologia do testemunho refere-se ao estudo filosófico sobre o conhecimento adquirido através do testemunho de outras pessoas. Em outras palavras, quando alguém nos diz algo e acreditamos ou aceitamos o que nos foi dito, estamos confiando no testemunho dessa pessoa. A epistemologia do testemunho busca entender as condições sob as quais é razoável ou justificado aceitar o testemunho de alguém como fonte de conhecimento.

 

Assim, trata-se de um erro honesto, e não de uma mentira, porque a vítima acredita piamente no que está dizendo; entretanto, muitas vezes – como demonstram as inúmeras estatísticas sobre condenações injustas baseadas em reconhecimentos equivocados – sua percepção diverge do que realmente aconteceu.

Vale relembrar que, em caso de dúvida relevante no processo penal, deve prevalecer a solução favorável ao réu (favor rei). Afinal, “a certeza perseguida pelo direito penal mínimo está, ao contrário, em que nenhum inocente seja punido à custa da incerteza de que também algum culpado possa ficar impune” (FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 85).

Desse modo, o STJ entendeu que não era possível ratificar a condenação do acusado, visto que apoiada em prova desconforme ao modelo legal e não corroborada por elementos autônomos e independentes, suficientes, por si sós, para lastrear a autoria delitiva.

 

Em suma:


quarta-feira, 27 de setembro de 2023

O Desembargador era acusado em um processo no STJ. Ele requereu a sua aposentadoria voluntária. O STJ pode determinar que o processo administrativo de aposentadoria fica suspenso até o julgamento final da ação penal?

Imagine a seguinte situação adaptada:

João, Desembargador do Tribunal de Justiça, foi denunciado, no Superior Tribunal de Justiça, pela prática de crime contra a dignidade sexual de criança.

Vale lembrar que compete ao STJ julgar crimes cometidos por Desembargadores, nos termos do art. 105, I, “a”, da CF/88.

A Corte Especial do STJ decretou três medidas cautelares em desfavor do Desembargador denunciado:

1) afastamento do cargo;

2) proibição de ingressar nas dependências do Tribunal de Justiça e de ter contato com servidores; e

3) monitoração eletrônica (“tornozeleira eletrônica”).

 

No curso do processo, João requereu ao TJ a sua aposentadoria voluntária por tempo de serviço.

O TJ comunicou esse fato ao STJ informando, ainda, que João preenchia todos os requisitos para a passagem para a inatividade.

Foi dada vista dos autos ao Ministério Público que se manifestou de forma contrária à concessão imediata da aposentadoria.

O Parquet pediu ao STJ a complementação de medida cautelar de afastamento do cargo imposta ao Desembargador com a determinação de suspensão do processo administrativo de aposentadoria voluntária até o julgamento final da ação penal a qual responde.

Em outras palavras, o MP disse o seguinte: o acusado foi afastado do cargo como medida cautelar; requer-se agora a complementação dessa medida cautelar; requer-se que ele também não possa ser aposentado enquanto não for julgado o processo criminal.

 

O pedido do Ministério Público foi acolhido pelo STJ?

SIM.

O afastamento cautelar do cargo está calcado na proteção da ordem pública, haja vista a gravidade dos fatos e a necessidade de evitar a prática de novas infrações penais. Além disso, a medida cautelar também é útil para se assegurar a aplicação da lei penal, isto é, para se garantir a efetividade de eventual decreto condenatório.

O fato imputado, em tese, ao Desembargador é indiscutivelmente grave, sobretudo porque lhe atribui o possível cometimento de violência sexual reiterada contra criança em tenra idade, a qual, se eventualmente confirmada, poderá evidenciar a prática de crimes com violação do dever funcional imposto a todos os magistrados, qual seja, o de manter conduta irrepreensível na vida pública e particular - ex vi do art. 35, VIII, da Lei Complementar nº 35/1979 (LOMAN).

Dessa forma, é juridicamente plausível a suspensão do processo administrativo de aposentação do acusado, especialmente porque, nos termos da jurisprudência desta Corte Superior:

Não se admite a cassação da aposentadoria como efeito penal da condenação com base no inciso I do art. 92 do Código Penal, por ausência de previsão expressa na norma penal.

STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1.336.980/SC, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, DJe 11/11/2019.

 

Em outras palavras:

• se o acusado for condenado e ainda estiver na ativa: poderá ser condenado à perda do cargo;

• se já estiver aposentado: não poderá ser condenado à perda do cargo.

 

Logo, se for admitida a aposentadoria voluntária, um dos efeitos da condenação ficará inviabilizado.

 

Vale ressaltar que o STF já decidiu em sentido semelhante impedindo a concessão de aposentadoria voluntária a uma autoridade pública com foro especial por prerrogativa de função, investigada por suposta prática de crimes com violação de dever funcional, justamente por vislumbrar o risco de esvaziamento da medida cautelar de afastamento do cargo e a possibilidade de frustração da futura e eventual aplicação da lei penal. Confira:

(...) A medida de afastamento de cargo público decretada no curso de investigação penal não encontra fundamento apenas no objetivo de resguardar a ordem pública quanto ao risco do servidor afastado seguir se servindo do cargo para praticar atividades ilícitas, ancorando-se, também, no desiderato que é inerente e intrínseco a toda e qualquer medida cautelar prevista pelo legislador em caráter instrumental à persecução penal, qual seja, resguardar a efetividade dos efeitos concernentes à futura e eventual condenação do investigado ou réu. Nesse contexto, embora não se questione ser do Poder Executivo Estadual a competência administrativa para conhecer de pedido de aposentadoria formulado pelo servidor afastado, impende reconhecer que o requerimento administrativo, caso deferido pela autoridade competente, esvaziará os efeitos futuros da medida cautelar em vigor, o que justifica a determinação jurisdicional de suspensão da pretensão de aposentação.

2. No presente caso, foi determinado o afastamento do ora recorrente do cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Mato Grosso. Então, sobreveio aos autos comunicação do Governador do Estado do Mato Grosso, noticiando que o investigado formulara pedido de aposentadoria voluntária do cargo. Nesse contexto, embora reconhecendo tratar-se da autoridade administrativa competente para conhecer do pedido formulado, requereu o Governador do Estado o pronunciamento prévio do STF quanto à compatibilidade da eventual concessão da aposentadoria com a decisão cautelar vigente. Por fim, acolhendo promoção da Procuradoria-Geral da República, determinou o Relator “a suspensão do processo administrativo de aposentadoria voluntária do investigado (...) em relação ao cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Mato Grosso enquanto não houver a resolução definitiva dos atos persecutórios em face dele movidos em razão dos fatos que são objeto de investigação nos presentes autos (...)”.

STF. 1ª Turma. Pet 7221 AgR-segundo, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 03/04/2018.

 

Em suma:

É juridicamente plausível a complementação de medida cautelar de afastamento do cargo imposta a Desembargador com a determinação de suspensão do processo administrativo de aposentadoria voluntária até o julgamento final da ação penal a qual responde. 

STJ. Corte Especial. APn 1.041/DF, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Rel. para acórdão Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 19/4/2023 (Info 13 – Edição Extraordinária).

 

DOD Plus – em caso de aposentadoria compulsória, o STJ já decidiu de forma diferente

A superveniente aposentadoria da autoridade detentora do foro por prerrogativa de função cessa a competência do STJ para o processamento e julgamento do feito

Caso concreto: um Desembargador do Tribunal de Justiça, estava sendo investigado em um inquérito policial supervisionado pelo STJ, nos termos do art. 105, I, “a”, da CF/88.

Durante o curso do inquérito, este Desembargador completou 75 anos e, portanto, foi aposentado compulsoriamente em razão do implemento da idade máxima.

A superveniente aposentadoria fez cessar a prerrogativa de foro que a autoridade gozava enquanto ocupava o cargo de Desembargador do Tribunal de Justiça.

Nesse cenário, a competência do STJ para o processo e julgamento do inquérito, prevista no art. 105, I, “a”, da CF/88, não mais subsiste, impondo o deslocamento do feito para a Justiça Estadual, em 1ª instância.

STJ. Corte Especial. Inq 1420/DF, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 7/12/2022 (Info 762).


terça-feira, 26 de setembro de 2023

INFORMATIVO Comentado 13 Edição Extraordinária STJ (completo e resumido)

Olá, amigas e amigos do Dizer o Direito,

Já está disponível mais um INFORMATIVO COMENTADO.

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Confira abaixo o índice. Bons estudos.

ÍNDICE DO INFORMATIVO 13 EDIÇÃO EXTRAORDINÁRIA DO STJ


DIREITO ADMINISTRATIVO

DIREITO ADMINISTRATIVO MILITAR

§  A alteração da forma de cálculo do auxílio-invalidez devido aos servidores militares não viola os princípios da legalidade e da irredutibilidade de vencimentos, desde que o valor global da remuneração não sofra redução.

 

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

APURAÇÃO DE ATOS INFRACIONAIS

§  A oitiva do representado deve ser o último ato da instrução no procedimento de apuração de ato infracional.

 

DIREITO PENAL

DOSIMETRIA DA PENA

§  A depender da gravidade da circunstância judicial, a incidência de uma única delas (art. 59, Código Penal) é suficiente para a fixação da pena-base no máximo legal.

§  A majoração da pena é admissível quando a culpabilidade revela aspectos mais censuráveis, além dos inerentes ao tipo penal, desde que haja fundamentação concreta e idônea para tal.

 

CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL

§  Estupro de vulnerável em continuidade delitiva: a aplicação de agravante e majorante em situações distintas não configura bis in idem; deve-se considerar o aumento de pena em 2/3, mesmo que não se saiba o número exato de atos praticados.

 

DESCAMINHO

§  A apreensão de mercadorias antes da entrada no recinto da aduana não configura o crime de descaminho.

 

CRIMES EM LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

§  Vencedor da licitação entregou mercadoria falsificada; a Administração descobriu antes de efetuar o pagamento; houve tentativa do crime do art. 96, II, da Lei 8.666/93 (atual art. 337-L, II, do CP); não há que se falar em conduta atípica.

 

CRIMES CONTRA A ORDEM ECONÔMICA

§  É crime a extração irregular de argila, não diferenciando se a atividade praticada carece de licenciamento ou autorização, uma vez que a expressão estampada no art. 2º da Lei 8.176/91 não faz distinção entre as modalidades de outorga administrativa.

 

ESTATUTO DO DESARMAMENTO

§  A descoberta de parte de numeração que foi suprimida de uma arma não torna possível a desclassificação da conduta do tipo penal de porte de arma de uso restrito (art. 16, § 1º, IV) para porte de arma de uso permitido (art. 14).

 

LEI DE DROGAS

§  A apreensão de pequenas quantidades de droga junto com o ácido bórico não implica, necessariamente, a conduta de tráfico de drogas (art. 33 da Lei LD).

 

DIREITO PROCESSUAL PENAL

ANPP

§  MP denunciou o acusado por crime cuja pena mínima é igual ou superior a 4 anos; há alteração do enquadramento jurídico ou desclassificação; o novo crime tem pena mínima inferior a 4 anos; diante dessa alteração, será possível oferecer o ANPP.

 

FIANÇA

§  A taxa SELIC não é aplicável aos depósitos judiciais decorrentes de fiança em crimes de sonegação fiscal de competência da Justiça Federal, uma vez que possui caráter remuneratório e não se destina à correção monetária.

 

MEDIDAS CAUTELARES

§  É juridicamente plausível a complementação de medida cautelar de afastamento do cargo imposta a Desembargador com a determinação de suspensão do processo administrativo de aposentadoria voluntária até o julgamento final da ação penal a qual responde.

 

PROVAS

§  O fato do investigado também utilizar o celular de terceiro não dispensa a autorização judicial para quebra de sigilo deste.

§  Se a vítima disse que o filler (dublê) do alinhamento exigido pelo art. 226, II, do CPP foi o autor do crime, mas não há nenhum outro elemento concreto em seu desfavor, esse reconhecimento não é suficiente, por si só, para uma condenação.

 

AUDIÊNCIA

§  MP não compareceu à audiência; juiz fez todas as perguntas para as testemunhas de acusação; defesa protestou durante o ato; sentença utilizou os depoimentos para condenar; neste caso, deverá ser reconhecida a nulidade da condenação.

 

MULTA POR ABANDONO DA CAUSA (ART. 265 DO CPP)

§  Se o advogado dativo comunicou com antecedência ao juízo que estava renunciando o patrocínio e apresentou justo motivo, ele não deverá ser multado por abandono da causa, mesmo que o convênio firmado entre a Defensoria e a OAB exija sua presença até o final.

 

TRIBUNAL DO JÚRI

§  A plenitude de defesa exercida no Tribunal do Júri não pode ser manejada pelo advogado como salvo conduto para a prática de ilícitos.

§  Não é possível, no julgamento de revisão criminal, a Corte local, absolver o condenado no júri utilizando tão somente a revaloração subjetiva da prova dos autos (dizendo que as provas eram frágeis e insuficientes para sustentar a condenação).

 

RECURSOS

§  O princípio da fungibilidade no processo penal pode ser aplicado quando ausente a má-fé e presente o preenchimento dos pressupostos do recurso cabível.

 

EXECUÇÃO PENAL

§  O fato de o reeducando ser assistido pela Defensoria Pública não gera a presunção de sua hipossuficiência em arcar com a pena de multa.


Dizer o Direito!