Penas
restritivas de direitos
O
Código Penal prevê que, em determinadas situações, em se tratando de pessoa
condenada a uma pena privativa de liberdade, pode ser esta reprimenda
substituída por uma ou duas penas restritivas de direito.
Quais
são os requisitos cumulativos para a conversão da pena privativa de liberdade
em penas restritivas de direitos?
Estão previstos no art. 44 do CP e podem ser
assim resumidos:
1º
requisito (objetivo): Natureza
do crime e quantum
da pena |
2º
requisito (subjetivo): Não
ser reincidente em
crime doloso |
3º
requisito (subjetivo): A
substituição seja indicada
e suficiente |
a) Se for crime doloso: • a pena aplicada deve ser igual ou inferior a 4 anos; • o crime deve ter sido cometido sem violência ou grave ameaça a
pessoa. b) Se for crime culposo: pode haver a substituição qualquer que seja a
pena aplicada. |
Regra: para ter direito, o
réu não pode ser reincidente em crime doloso. Exceção: se o condenado for
reincidente, o juiz poderá aplicar a substituição, desde que, em face de
condenação anterior, a medida seja socialmente recomendável e a reincidência
não se tenha operado em virtude da prática do mesmo crime. |
A culpabilidade, os antecedentes, a conduta
social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as
circunstâncias, indicarem que essa substituição seja suficiente (Princípio da
suficiência da resposta alternativa ao delito). |
Veja a redação do art. 44:
Art.
44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas
de liberdade, quando:
I
– aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não
for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a
pena aplicada, se o crime for culposo;
II
– o réu não for reincidente em crime doloso;
III
– a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do
condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa
substituição seja suficiente.
Se
o réu pratica um crime com violência ou grave ameaça, mas se trata de uma
infração penal de menor potencial ofensivo (pena máxima de 2 anos), ele terá
direito à substituição da pena?
A
doutrina majoritária afirma que sim. Se o agente for condenado por uma infração penal de menor potencial
ofensivo, sua pena privativa de liberdade poderá ser substituída por restritiva
de direitos mesmo que tenha sido cometida com violência ou grave ameaça.
Trata-se de exceção ao inciso I do art. 44 do CP.
O argumento utilizado pela doutrina é o de que a Lei nº
9.099/95 (que é posterior ao Código Penal) previu uma série de medidas
despenalizadoras para as infrações penais de menor potencial ofensivo (exs:
transação penal e composição civil). Logo, seria irrazoável e contrário ao
espírito da lei não permitir a aplicação de penas restritivas de direito para
tais infrações consideradas de menor gravidade.
Quantas penas restritivas de direito o réu
terá que cumprir:
Se a pessoa for condenada a... |
|
Pena igual ou inferior a 1 ano de prisão: |
Pena superior a 1 ano (até 4 anos) de
prisão: |
A pena privativa de liberdade aplicada poderá ser substituída por: a) multa OU b) 1 pena restritiva de direito |
A pena privativa de liberdade aplicada poderá ser substituída por: a) 1 pena restritiva de direito + multa OU b) 2 penas restritivas de direito. |
Discussão sobre a aplicação das penas restritivas para
infrações praticadas no âmbito da violência doméstica
O art. 17 da Lei Maria da Penha (Lei
nº 11.340/2006) prevê o seguinte:
Art. 17. É vedada a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar
contra a mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária,
bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa.
Veja, portanto, que esse dispositivo proíbe que o juiz
aplique as seguintes penas restritivas de direitos à pessoa que praticou
violência doméstica e familiar contra a mulher:
• Pena de “cesta básica”;
• Quaisquer espécies de prestação pecuniária (art. 45, §§
1º e 2º);
• Pagamento isolado de multa (art. 44, § 2º do CP).
Diante disso, alguns doutrinadores
sustentaram a tese de que o art. 17, ao proibir apenas esses tipos de penas,
teria, a contrario sensu, permitido
que fossem aplicadas outras espécies de penas restritivas de direitos.
Essa interpretação foi aceita pela jurisprudência do STJ?
É possível a aplicação de penas restritivas de direito para os crimes cometidos
contra a mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico?
NÃO. O STJ pacificou o entendimento de que não cabe a
substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos nos
crimes ou contravenções penais cometidos contra a mulher com violência ou grave
ameaça no ambiente doméstico.
O STJ editou a súmula 588 para espelhar essa sua posição
consolidada:
Súmula 588-STJ: A prática de crime ou contravenção penal contra
a mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico impossibilita a
substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.
E o art. 17 da Lei nº 11.340/2006?
A interpretação que prevaleceu foi a seguinte: além das
sanções previstas no art. 17, são proibidas quaisquer penas restritivas para os
condenados por violência doméstica e familiar contra a mulher. Isso porque o
art. 44, I, do CP veda penas restritivas de direito em caso de crimes cometidos
com violência ou grave ameaça à pessoa. Nesse sentido:
(...) Embora a Lei nº 11.340/2006 não vede a substituição da pena
privativa de liberdade por restritiva de direitos, obstando apenas a imposição
de prestação pecuniária e o pagamento isolado de multa, o art. 44, I, do CP proíbe a conversão da pena
corporal em restritiva de direitos
quando o crime
for cometido com violência à pessoa (...)
STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1521993/RO, Rel. Min. Ribeiro Dantas,
julgado em 04/08/2016.
Vale ressaltar que a Lei nº 9.099/95 não se
aplica para os delitos praticados com violência doméstica contra a mulher, por
força do art. 41 da Lei nº 11.340/2006:
Art.
41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher,
independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei nº 9.099, de 26 de
setembro de 1995.
Feita essa revisão, imagine
a seguinte situação hipotética:
João e Francisca eram casados.
Determinado dia, tiveram uma
grave discussão e ele disse que iria matar a mulher.
No mesmo instante, Francisca decidiu
que não queria mais viver com ele e, com medo da ameaça, procurou a Delegacia
da Mulher.
O Ministério Público ofereceu denúncia contra João pela
prática do crime de ameaça, previsto no art. 147 do Código Penal:
Art. 147. Ameaçar alguém, por
palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal
injusto e grave:
Pena - detenção, de um a seis
meses, ou multa.
Parágrafo único - Somente se
procede mediante representação.
Qual é a natureza da ação
penal no caso do crime de ameaça?
Trata-se de crime de ação penal
pública condicionada. Assim, a denúncia somente pode ser oferecida se houver
representação da vítima (art. 147, parágrafo único, do CP).
A pena do crime de ameaça é
de 1 a 6 meses de detenção. Trata-se, portanto, de infração de menor potencial
ofensivo. Por que não foram aplicadas, no exemplo acima, as medidas
despenalizadoras da Lei nº 9.099/95 (suspensão condicional do processo e
transação penal)?
Conforme já dito, a Lei Maria da Penha proíbe expressamente
que se aplique a Lei nº 9.099/95 para os crimes praticados com violência
doméstica e familiar contra a mulher. Veja novamente:
Art. 41. Aos crimes praticados
com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena
prevista, não se aplica a Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995.
Por essa razão, a suspensão
condicional do processo e a transação penal não se aplicam na hipótese de
delitos sujeitos ao rito da Lei Maria da Penha. Nesse sentido:
Súmula 536-STJ: A suspensão condicional do processo e a transação
penal não se aplicam na hipótese de delitos sujeitos ao rito da Lei Maria da
Penha.
Voltando ao caso concreto:
O juiz entendeu que havia prova
da autoria e da materialidade e, portanto, condenou João pela prática do crime
de ameaça.
O magistrado aplicou contra o réu
apenas a pena de multa de 10 dias-multa.
O juiz argumentou que a regra
restritiva contida no art. 17 da Lei Maria da Penha deve sofrer interpretação
limitada, porque inibe direitos. Assim, para ele, a interpretação correta é a
seguinte:
- o art. 17 fala que é proibida “a
substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa”;
- esse dispositivo está se
referindo apenas à multa;
- logo, o art. 17 não impede a aplicação da multa prevista
como pena autônoma no próprio preceito secundário do tipo penal imputado, como
no caso do crime de ameaça, que tem a seguinte redação:
Art. 147. Ameaçar alguém, por
palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal
injusto e grave:
Pena - detenção, de um a seis
meses, ou multa.
Em outras palavras, o magistrado
argumentou que:
- o art. 17 da LMP proíbe a
aplicação da multa como pena restritiva de direitos;
- mas não impede a aplicação da
pena de multa isoladamente, se ele for prevista no preceito secundário, como no
caso da ameaça.
O STJ concordou com esses
argumentos?
NÃO.
A intenção do legislador ao
impedir a aplicação exclusiva da pena de multa foi a de ampliar a função de
prevenção geral das penas impostas nos casos de crimes cometidos nesse contexto.
Dessa forma, pretende-se
demonstrar à sociedade que a prática de agressão contra a mulher acarreta
consequências graves para o autor, que vão além do aspecto financeiro.
Diante disso, a intepretação mais
adequada à finalidade da norma é no sentido de que a proibição legal também se
aplica à hipótese de multa estabelecida como uma pena autônoma na parte
secundária do tipo penal, como é o caso do crime de ameaça (art. 147 do Código
Penal).
Assim, a imposição da pena de
multa, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, só pode ocorrer
de forma cumulativa (ex: reclusão/detenção + multa), nunca de maneira isolada
(apenas multa).
Em suma:
STJ. 3ª Seção.
REsp 2.049.327-RJ, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 14/6/2023 (Recurso
Repetitivo – Tema 1189) (Info 779).