Dizer o Direito

sábado, 12 de agosto de 2023

Os agentes políticos municipais se submetem aos ditames da Lei de Improbidade Administrativa, sem prejuízo da responsabilização política e criminal estabelecida no DL 201/1967

Crimes de responsabilidade

Os agentes políticos estão sujeitos à prática de crimes de responsabilidade.

Os crimes de responsabilidade são infrações político-administrativas praticadas por pessoas que ocupam determinados cargos públicos. Caso o agente seja condenado por crime de responsabilidade, ele não receberá sanções penais (prisão ou multa), mas sim sanções político-administrativas (perda do cargo e inabilitação para o exercício de função pública).

 

Crimes de responsabilidade x improbidade administrativa

Como nos crimes de responsabilidade as infrações são muito próximas (parecidas) com os atos de improbidade administrativa, surgiu a tese de que se o agente político fosse condenado por crime de responsabilidade e também improbidade administrativa, haveria bis in idem.

Assim, defendeu-se o argumento de que os agentes políticos deveriam estar sujeitos apenas e tão somente aos crimes de responsabilidade (não sendo a eles aplicados os atos de improbidade administrativa).

 

Essa tese prevalece atualmente?

NÃO. O entendimento atual é o de que, em regra, os agentes políticos podem sim responder por ato de improbidade administrativa.

Vigora aquilo que a jurisprudência chamou de “duplo regime sancionatório”, ou seja, o fato de o agente estar sujeito a:

• crime de responsabilidade e

• improbidade administrativa.

 

Constituição prevê crime de responsabilidade e improbidade como institutos autônomos

Fazendo uma interpretação sistemática do texto constitucional, conclui-se que há nítida distinção entre os conceitos de improbidade administrativa e de crime de responsabilidade. 

A Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92) foi editada com fundamento no art. 37, §4º, da CF:

§ 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

 

Por outro lado, a CF/88 trata sobre os crimes de responsabilidade em outros dispositivos:

Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:

I - processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles; (Redação dada pela EC 23/99)

(...)

Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:

(...)

V - a probidade na administração;

(...)

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I - processar e julgar, originariamente:

(...)

c) nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no art. 52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente; (Redação dada pela EC 23/99)

 

Assim, a tentativa de imunizar os agentes políticos das sanções da ação de improbidade administrativa a pretexto de que essas seriam absorvidas pelo crime de responsabilidade não tem fundamento constitucional. É plenamente possível a concorrência de esferas de responsabilização distintas.

 

Eu entendo que há, no Brasil, uma dupla normatividade em matéria de improbidade, com objetivos distintos: em primeiro lugar, existe aquela específica da Lei 8.429/1992, de tipificação cerrada mas de incidência sobre um vasto rol de possíveis acusados, incluindo até mesmo pessoas que não tenham qualquer vínculo funcional com a Administração Pública (Lei 8.429/1992, art. 3º); e uma outra normatividade relacionada à exigência de probidade que a Constituição faz em relação aos agentes políticos, especialmente ao chefe do Poder Executivo e aos ministros de Estado, ao estabelecer no art. 85, inciso V, que constituem crime de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a probidade da administração. No plano infraconstitucional essa segunda normatividade se completa com o art. 9º da Lei 1.079/1950.

Trata-se de disciplinas normativas diversas, as quais, embora visando, ambas, à preservação do mesmo valor ou princípio constitucional, – isto é, a moralidade na Administração Pública – têm, porém, objetivos constitucionais diversos.

(...)

Não há impedimento à coexistência entre esses dois sistemas de responsabilização dos agentes do Estado.

STF. Plenário. Pet 3923 QO, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgado em 13/06/2007.

 

Desse modo, o que prevalece atualmente é que os agentes políticos, em regra, submetem-se às punições por ato de improbidade administrativa (Lei nº 8.429/92), sem prejuízo de também poderem ser punidos por crimes de responsabilidade. Nesse sentido:

(...) O Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que os agentes políticos se submetem aos ditames da Lei de Improbidade Administrativa, sem prejuízo da responsabilização política e criminal. (...)

STJ. 2ª Turma. AgInt no REsp 1607976/RJ, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 17/10/2017.

 

Por que se falou “em regra”? Existe algum caso em que o agente político não responderá por improbidade administrativa (devendo ser punido apenas por crime de responsabilidade)?

SIM. O Presidente da República.

Os agentes políticos, com exceção do presidente da República, encontram-se sujeitos a um duplo regime sancionatório, e se submetem tanto à responsabilização civil pelos atos de improbidade administrativa quanto à responsabilização político-administrativa por crimes de responsabilidade.

 

ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PREFEITO MUNICIPAL. DUPLO REGIME SANCIONATÓRIO DOS AGENTES POLÍTICOS: LEGITIMIDADE. PRECEDENTES.

1. A jurisprudência assentada no STJ, inclusive por sua Corte Especial, é no sentido de que, "excetuada a hipótese de atos de improbidade praticados pelo Presidente da República (art. 85, V), cujo julgamento se dá em regime especial pelo Senado Federal (art. 86), não há norma constitucional alguma que imunize os agentes políticos, sujeitos a crime de responsabilidade, de qualquer das sanções por ato de improbidade previstas no art. 37, § 4º. Seria incompatível com a Constituição eventual preceito normativo infraconstitucional que impusesse imunidade dessa natureza" (Rcl 2.790/SC, DJe de 04/03/2010). (...)

STJ. 1ª Turma. AgRg no REsp 1099900/MG, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 16/11/2010.

 

Tema 576

No Tema 576, o STF reafirmou que os Prefeitos, por mais que estejam também sujeitos aos crimes de responsabilidade do DL 201/67, também podem ser punidos por atos de improbidade administrativa:

O processo e julgamento de prefeito municipal por crime de responsabilidade (Decreto-lei 201/67) não impede sua responsabilização por atos de improbidade administrativa previstos na Lei 8.429/1992, em virtude da autonomia das instâncias.

STF. Plenário. RE 976566, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 13/09/2019 (Repercussão Geral – Tema 576).

 

O STJ tem entendimento pacífico no mesmo sentido do STF:


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