Imagine a seguinte situação
hipotética:
João foi até a casa de sua
ex-companheira e a agrediu e a ameaçou por estar suspeitando que ela teria um
novo relacionamento amoroso.
O irmão da vítima chegou em casa
logo após as agressões, tendo visto e fotografado as lesões produzidas no corpo
da irmã.
Em seguida, Regina procurou a
Delegacia para noticiar o fato.
Vale ressaltar que, na Delegacia,
não foi realizado exame de corpo de delito e as fotografias não foram
periciadas.
João foi denunciado e condenado
pelos crimes de lesão corporal e ameaça no contexto doméstico e familiar.
A defesa recorreu alegando
insuficiência de provas para condenação, ausência de laudo de exame de corpo de
delito e falta de comprovação de que as fotos eram da data do crime.
A questão chegou até o STJ.
Os argumentos da defesa foram acolhidos?
SIM. O STJ absolveu o réu.
A palavra da vítima detém especial importância nos crimes
praticados no âmbito de violência doméstica, devido ao contexto de
clandestinidade em que normalmente ocorrem. Todavia, a tese não deve ser
vulgarizada a ponto de esvaziar o conteúdo normativo do art. 158 do CPP:
Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre
apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo
fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na
investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.
Por um lado, incumbe ao Poder
Judiciário responder adequadamente aos que perpetram atos de violência
doméstica, a fim de assegurar a proteção de pessoas vulneráveis, conforme
preconiza a Constituição Federal. Por outro, é um consectário do Estado de
Direito preservar os direitos e garantias que visam a mitigar a assimetria
entre os cidadãos e o Estado no âmbito do processo penal.
No caso concreto, não havia laudo
emitido por médico particular, nem testemunha que tivesse presenciado o momento
das agressões.
O exame de corpo de delito deixou
de ser realizado, e as fotografias que instruem o feito, produzidas pelo irmão
da vítima, não foram periciadas.
Nesse sentido, verifica-se que a
condenação por lesão corporal foi proferida sem a realização de exame de corpo
de delito. Ademais, as provas que deveriam suprir essa deficiência consistiam
em fotografia não periciada, depoimento da vítima e relato de informante que
não presenciou diretamente os fatos.
Com efeito, o exame de corpo de
delito deixou de ser realizado e os elementos de prova restantes - fotografia
não periciada, depoimento da vítima e relato de informante que não presenciou
os fatos - se mostraram insuficientes para a manutenção da condenação.
A absolvição é medida que se
impõe diante da falta de prova técnica exigida por lei, e cuja ausência não foi
adequadamente suprida, nem devidamente justificada.
Em suma:
STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 2.078.054-DF, Rel. Min. Messod Azulay Neto,
julgado em 23/5/2023 (Info 777).