Imagine a seguinte situação adaptada:
Durante uma fiscalização
rotineira no rio, a Polícia Ambiental abordou a embarcação de João.
Foram encontrados dois tracajás,
apetrechos de pesca e uma espingarda.
Instaurou-se inquérito policial
para investigar os crimes de pesca ilegal e posse irregular de arma de fogo.
O investigado se autodeclarou
quilombola e alegou que as infrações penais imputadas a
ele decorrem de condutas praticadas em conformidade com a organização social,
costumes e tradições de seu povo.
Em razão disso, a Justiça Estadual declinou de sua
competência com o entendimento de que a autodeclaração do indiciado de que
seria quilombola atrairia a competência da Justiça Federal, com base no art.
109, XI, da CF/88:
Art. 109. Aos juízes federais
compete processar e julgar:
(...)
XI - a disputa sobre direitos
indígenas.
O Juízo Federal, por sua vez,
devolveu os autos ao Juízo estadual, por entender que o fato de o investigado
se autodeclarar quilombola, por si só, não atrai a competência da Justiça
Federal. Além disso, destacou que não há nos autos elementos que evidenciem que
os crimes ambientais perpetrados foram em detrimento do interesse direto e
específico da União, de suas entidades autárquicas ou de empresas públicas
federais.
O Juízo estadual suscitou
conflito de competência.
Quem julga esse conflito de
competência?
O STJ, nos termos do art. 105, I, “d”, da CF/88:
Art. 105. Compete ao Superior
Tribunal de Justiça:
I - processar e julgar,
originariamente:
(...)
d) os conflitos de competência
entre quaisquer tribunais, ressalvado o disposto no art. 102, I, “o”, bem como
entre tribunal e juízes a ele não vinculados e entre juízes vinculados a
tribunais diversos;
O que decidiu o STJ? De
quem é a competência para julgar os fatos imputados a João: Justiça Federal ou
Justiça Estadual?
Justiça Estadual.
Em casos assemelhados, referentes
a povos indígenas, o STF e o STJ já esclareceram que a competência será da
Justiça Federal nos feitos que versem acerca de questões ligadas à cultura ou
disputas de interesses das comunidades indígenas.
Por isso, o STJ, inclusive,
editou a Súmula 140, clara ao estabelecer que “compete à justiça comum estadual
processar e julgar crime em que o indígena figure como autor ou vítima”
(Terceira Seção, DJe 24/5/1995).
No caso concreto, não houve
atuação do indiciado em qualquer disputa por terra quilombola ou interesse da
comunidade na ação delituosa.
Nesse sentido:
O mero fato de índio figurar como autor do delito ambiental, sem
nenhuma conotação especial, não enseja o deslocamento da causa para a Justiça
Federal, conforme enunciado da Súmula nº 140/STJ.
STJ. 3ª Seção. CC 93.120/AM, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em
9/6/2010.
Em suma:
STJ. 3ª Seção.
CC 192.658-RO, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 10/5/2023 (Info 777).