Dizer o Direito

sábado, 5 de agosto de 2023

Compete à Justiça estadual processar e julgar causa quando não se verifica, da atuação de indiciado que se autodeclara quilombola, disputa alguma por terra quilombola ou interesse da comunidade na ação delituosa

Imagine a seguinte situação adaptada:

Durante uma fiscalização rotineira no rio, a Polícia Ambiental abordou a embarcação de João.

Foram encontrados dois tracajás, apetrechos de pesca e uma espingarda.

Instaurou-se inquérito policial para investigar os crimes de pesca ilegal e posse irregular de arma de fogo.

O investigado se autodeclarou quilombola e alegou que as infrações penais imputadas a ele decorrem de condutas praticadas em conformidade com a organização social, costumes e tradições de seu povo.

Em razão disso, a Justiça Estadual declinou de sua competência com o entendimento de que a autodeclaração do indiciado de que seria quilombola atrairia a competência da Justiça Federal, com base no art. 109, XI, da CF/88:

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

(...)

XI - a disputa sobre direitos indígenas.

 

O Juízo Federal, por sua vez, devolveu os autos ao Juízo estadual, por entender que o fato de o investigado se autodeclarar quilombola, por si só, não atrai a competência da Justiça Federal. Além disso, destacou que não há nos autos elementos que evidenciem que os crimes ambientais perpetrados foram em detrimento do interesse direto e específico da União, de suas entidades autárquicas ou de empresas públicas federais.

O Juízo estadual suscitou conflito de competência.

 

Quem julga esse conflito de competência?

O STJ, nos termos do art. 105, I, “d”, da CF/88:

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:

I - processar e julgar, originariamente:

(...)

d) os conflitos de competência entre quaisquer tribunais, ressalvado o disposto no art. 102, I, “o”, bem como entre tribunal e juízes a ele não vinculados e entre juízes vinculados a tribunais diversos;

 

O que decidiu o STJ? De quem é a competência para julgar os fatos imputados a João: Justiça Federal ou Justiça Estadual?

Justiça Estadual.

Em casos assemelhados, referentes a povos indígenas, o STF e o STJ já esclareceram que a competência será da Justiça Federal nos feitos que versem acerca de questões ligadas à cultura ou disputas de interesses das comunidades indígenas.

Por isso, o STJ, inclusive, editou a Súmula 140, clara ao estabelecer que “compete à justiça comum estadual processar e julgar crime em que o indígena figure como autor ou vítima” (Terceira Seção, DJe 24/5/1995).

No caso concreto, não houve atuação do indiciado em qualquer disputa por terra quilombola ou interesse da comunidade na ação delituosa.

O fato de o investigado se autodeclarar quilombola, por si só, não atrai a competência da Justiça Federal, isso porque não há nos autos elementos que evidenciem que os crimes ambientais perpetrados foram em detrimento do interesse direto e específico da União, de suas entidades autárquicas ou de empresas públicas federais. Assim, se não se verifica lesão a bens, serviços ou interesses da União ou de seus entes, afasta-se a competência da Justiça Federal.

Nesse sentido:

O mero fato de índio figurar como autor do delito ambiental, sem nenhuma conotação especial, não enseja o deslocamento da causa para a Justiça Federal, conforme enunciado da Súmula nº 140/STJ.

STJ. 3ª Seção. CC 93.120/AM, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 9/6/2010.

 

Em suma:


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