quarta-feira, 2 de agosto de 2023
O que é ‘jurisprudência dominante’, para fins de pedido de uniformização de interpretação de lei federal?
Microssistemas dos Juizados Especiais
Quando
falamos em “sistema dos Juizados Especiais”, podemos identificar a existência
de três microssistemas, cada um deles destinado a julgar determinados tipos de
causas, possuindo regras específicas de procedimento. Veja:
1) Juizados Especiais Cíveis e
Criminais estaduais Compete
ao Juizado Especial Criminal processar e julgar infrações penais de menor
potencial ofensivo que sejam de competência da Justiça Estadual. Compete
ao Juizado Especial Cível processar e julgar causas cíveis de menor
complexidade que sejam de competência da Justiça Estadual. Ficam
excluídas deste microssistema as causas cíveis de interesse da Fazenda
Pública. |
Lei
9.099/95 |
2) Juizados Especiais Cíveis e Criminais
no âmbito da Justiça Federal Compete
ao Juizado Especial Federal Criminal processar e julgar as infrações de menor
potencial ofensivo que sejam de competência da Justiça Federal. Compete
ao Juizado Especial Federal Cível processar e julgar causas de competência da
Justiça Federal até o valor de 60 salários-mínimos, bem como executar as suas
sentenças. Neste
microssistema, é permitida a participação da União, autarquias, fundações e
empresas públicas federais, desde que na condição de rés. |
Lei
10.259/2001 |
3) Juizados Especiais
da Fazenda Pública no âmbito dos Estados, do Distrito Federal, dos
Territórios e dos Municípios. Compete ao Juizado Especial da Fazenda
Pública processar e julgar as causas cíveis de interesse dos Estados, do
Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, até o valor de 60
salários-mínimos. Neste microssistema, são julgadas as
causas de até 60 salários mínimos, de competência da Justiça Estadual, e que
tenham como réus os Estados, o Distrito Federal, os Territórios e os
Municípios, bem como autarquias, fundações e empresas públicas a eles
vinculadas. |
Lei
12.153/2009 |
Vamos verificar alguns pontos em comum
sobre esses microssistemas e depois apontar certas diferenças.
Quem julga as causas e os recursos no
sistema dos Juizados Especiais?
As causas são examinadas, em 1º grau,
por um Juiz do Juizado.
O recurso contra a sentença proferida
pelo Juiz do Juizado é julgado pela Turma Recursal.
A Turma Recursal é um colegiado formado
por três juízes (não é composta por Desembargadores), que têm a função de julgar
os recursos contra as decisões proferidas pelo juiz do juizado. Funciona como
instância recursal na estrutura dos Juizados Especiais.
Instância julgadora em 1º grau |
Juiz do Juizado. |
Instância que julga os recursos |
Turma Recursal. |
Quais os recursos cabíveis contra a
sentença proferida pelo juiz do juizado?
Podem ser interpostos:
• embargos de declaração;
• recurso inominado.
Quais os recursos cabíveis contra as
decisões proferidas pela Turma Recursal?
Contra os acórdãos prolatados pela Turma
Recursal, somente podem ser interpostos:
• embargos de
declaração;
• recurso
extraordinário.
É cabível a interposição de Recurso
Especial?
NÃO.
Súmula 203-STJ: Não cabe recurso especial contra decisão
proferida por órgão de segundo grau dos Juizados Especiais.
Por que é
cabível o RE, mas não o REsp?
Previsão do RE na
CF/88 |
Previsão do REsp na
CF/88 |
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal
Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: III — julgar, mediante recurso
extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: |
Art. 105. Compete ao Superior
Tribunal de Justiça: III — julgar, em recurso especial, as
causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou
pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios,
quando a decisão recorrida: |
Desse modo, o RE é cabível contra
causas decididas em única ou última instância por qualquer órgão jurisdicional.
Já o REsp, somente é cabível contra causas decididas em única ou última
instância pelo TJ ou TRF. Como a Turma Recursal não é Tribunal, suas decisões
não desafiam REsp.
Súmula 640-STF: É cabível recurso extraordinário contra decisão
proferida por juiz de primeiro grau nas causas de alçada, ou por turma recursal
de juizado especial cível e criminal.
Vale ressaltar que somente caberá recurso
extraordinário contra acórdão da Turma Recursal se a causa envolver questão
constitucional.
O que acontece, então, se a decisão da
Turma Recursal disser respeito à interpretação de lei federal e contrariar
entendimento consolidado ou mesmo sumulado do STJ? Já que não cabe recurso
especial, como a parte poderá questionar essa decisão?
A resposta aqui irá variar conforme o
microssistema do Juizado. Veja:
Qual é o instrumento jurídico
cabível contra acórdão de Turma Recursal que viole entendimento
consolidado ou mesmo sumulado do STJ? |
||
1) Juizado
Especial ESTADUAL: Reclamação
dirigida ao TJ |
2) Juizado
Especial FEDERAL: Pedido de
uniformização de jurisprudência |
3) Juizado da
FAZENDA PÚBLICA: Pedido de
uniformização de jurisprudência |
Fundamento: Resolução 03/2016 do STJ. |
Fundamento: Art. 14 da Lei nº 10.259/2001. |
Fundamento: Art. 19 da Lei nº 12.153/2009. |
Hipóteses de cabimento: Cabível quando a decisão da
Turma contrariar jurispru-dência do STJ consolidada em: a) incidente de assunção de
competência; b) incidente de resolução de
demandas repetitivas (IRDR); c) julgamento de recurso
especial repetitivo; d) Súmulas do STJ; e) precedentes do STJ. |
Hipóteses de cabimento: Cabível quando a decisão da
Turma contrariar: a) jurisprudência dominante do
STJ; ou b) súmula do STJ. |
Hipótese de cabimento: Cabível quando a decisão da
Turma contrariar súmula do STJ. |
Vejamos a hipótese específica do
Juizado Especial Federal.
A Lei do JEF (Lei nº 10.259/2001)
trouxe, em seu art. 14, a previsão de que a parte pode formular pedido de uniformização
de jurisprudência para a Turma Regional de Uniformização (TRU) ou para a Turma
Nacional de Uniformização (TNU), a depender do caso. Se a orientação acolhida
pela Turma de Uniformização contrariar súmula ou jurisprudência dominante no
STJ, a parte interessada poderá provocar a manifestação deste, que dirimirá a
divergência (§ 4º).
Em suma, no que se refere aos Juizados
Especiais Federais, a parte poderá formular junto ao STJ pedido de
uniformização de jurisprudência quando a orientação da Turma Nacional de
Uniformização contrariar:
a) jurisprudência dominante do STJ; ou
b) súmula do STJ.
É o que prevê o art. 14, caput e § 4º, da Lei nº
10.259/2001:
Art. 14. Caberá pedido de
uniformização de interpretação de lei federal quando houver divergência entre
decisões sobre questões de direito material proferidas por Turmas Recursais na
interpretação da lei.
(...)
§ 4º Quando a orientação acolhida
pela Turma de Uniformização, em questões de direito material, contrariar súmula
ou jurisprudência
dominante no Superior Tribunal de Justiça -STJ, a parte interessada
poderá provocar a manifestação deste, que dirimirá a divergência.
O que se entende por
“jurisprudência dominante” para os fins desse dispositivo?
Não há uma normatização
específica.
Diante disso, considerando a
falta de baliza normativa específica, tem-se que a locução “jurisprudência
dominante”, para fins do manejo de pedido de uniformização de interpretação de
lei federal (PUIL), deve abranger:
• as hipóteses previstas no art. 927, III, do CPC:
Art. 927. Os juízes e os
tribunais observarão:
III - os acórdãos em incidente de
assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento
de recursos extraordinário e especial repetitivos;
• os acórdãos do STJ proferidos
em embargos de divergência;
• os acórdãos do STJ proferidos
em pedidos de uniformização de lei federal.
Em suma:
STJ. 1ª Seção.
PUIL 825-RS, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 24/5/23 (Info 777).