Imagine a seguinte situação
hipotética:
No dia 18/03/2018, policiais rodoviários federais, em patrulhamento,
abordaram um caminhão conduzido por João, que transportava madeira.
Indagado sobre a origem da madeira transportada, João apresentou um
Documento de Origem Florestal – DOF, emitido pela empresa Alfa Ltda e que tinha
como destinatária a empresa Beta Ltda.
Ao conferir o carregamento de madeira, os policiais constataram que o
DOF era irregular e/ou inválido, pois as espécies de madeira transportadas não
correspondiam àquelas mencionadas no documento.
Instaurou-se inquérito policial
para apuração da responsabilidade criminal decorrente desse fato e na investigação
ficou constatado que:
• houve a inserção de dados falsos
de madeira no sistema DOF;
• não havia indícios de que João
(motorista do caminho) teria agido com dolo ao apresentar o DOF, tendo ficado
demonstrado que ele não sabia que o documento era falso. Logo, ficou afastado o
crime de uso de documento falso (art. 304 do Código Penal);
• eventual prática do delito tipificado pelo art. 46 da Lei
nº 9.605/98, estava fulminada pela prescrição:
Art.
46. Receber ou adquirir, para fins comerciais ou industriais, madeira, lenha,
carvão e outros produtos de origem vegetal, sem exigir a exibição de licença do
vendedor, outorgada pela autoridade competente, e sem munir-se da via que
deverá acompanhar o produto até final beneficiamento:
Pena - detenção, de seis meses a
um ano, e multa.
Parágrafo
único. Incorre nas mesmas penas quem vende, expõe à venda, tem em depósito,
transporta ou guarda madeira, lenha, carvão e outros produtos de origem
vegetal, sem licença válida para todo o tempo da viagem ou do armazenamento,
outorgada pela autoridade competente.
• remanescia apenas o delito tipificado pelo art. 299 do
Código Penal, correspondente à adulteração do documento do sistema DOF:
Art. 299 - Omitir, em documento
público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou
fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim
de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato
juridicamente relevante:
Pena - reclusão, de um a cinco
anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa,
de quinhentos mil réis a cinco contos de réis, se o documento é particular.
Parágrafo
único - Se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do
cargo, ou se a falsificação ou alteração é de assentamento de registro civil,
aumenta-se a pena de sexta parte.
De quem é a competência para
apurar esse fato: Justiça Federal ou Justiça Estadual?
Justiça Estadual.
O Sistema DOF foi instituído e
implantado pelo IBAMA (art. 1º da Portaria/MMA nº 253/2006 c/c Instrução
Normativa nº 112/2006 do IBAMA), estando, inclusive, hospedado no site da
autarquia.
Contudo, para o STJ, isso não é
suficiente, por si só, para atrair a competência da Justiça Federal para o
julgamento do delito de falsificação de Documento de Origem Florestal. Nesse
sentido: STJ. 3ª Seção. CC 168.575/MS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca,
julgado em 9/10/2019.
No caso, não foi indicado nenhum
prejuízo concreto ao ente federal ou demonstrada a ofensa a interesse direto e
específico da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas com a
suposta apresentação de informação falsa no sistema DOF (Documento de Origem
Florestal), motivo pelo qual o feito deve ser processado e julgado pela Justiça
comum estadual.
No mesmo sentido:
Embora a emissão e o controle o DOF (Documento de Origem
Florestal) recaiam sobre o IBAMA, isso não pode significar, tout court*,
que qualquer prática delitiva que envolva a inserção de dados no sistema dessa
autarquia (em qualquer de suas unidades) que armazena os registros, contenha,
em si, elemento suficiente para caracterizar o interesse da União ou da própria
autarquia. Isso porque a proteção ao meio ambiente é de competência comum e, em
alguns casos, embora o registro seja feito no Ibama, o interesse envolvido é
nitidamente estadual. Vale dizer, irregularidades no registro, oriundas de
prática criminosa, por si, não têm o condão de atrair a competência federal. Raciocínio
diverso ensejaria a competência federal para todo e qualquer caso, haja vista
que a proteção, a fiscalização e a conservação ambiental são propósitos ínsitos
à própria existência (criação) do Ibama.
STJ. 3ª Seção. CC 141.822/PR, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz,
julgado em 9/9/2015.
Em suma:
STJ. 3ª Seção. AgRg no CC 193.250-GO, Rel. Min. Antonio Saldanha
Palheiro, julgado em 24/5/2023 (Info 780).
* Tout court é uma expressão
francesa que significa “pura e simplesmente”. Ela é usada para enfatizar que
algo é assim, sem nenhuma outra qualificação.