Dizer o Direito

segunda-feira, 21 de agosto de 2023

A conduta de inserção de dados falsos de madeira no sistema DOF, instituído e implantado pelo IBAMA, é crime de competência da justiça Federal?

Imagine a seguinte situação hipotética:

No dia 18/03/2018, policiais rodoviários federais, em patrulhamento, abordaram um caminhão conduzido por João, que transportava madeira.

Indagado sobre a origem da madeira transportada, João apresentou um Documento de Origem Florestal – DOF, emitido pela empresa Alfa Ltda e que tinha como destinatária a empresa Beta Ltda.

Ao conferir o carregamento de madeira, os policiais constataram que o DOF era irregular e/ou inválido, pois as espécies de madeira transportadas não correspondiam àquelas mencionadas no documento.

Instaurou-se inquérito policial para apuração da responsabilidade criminal decorrente desse fato e na investigação ficou constatado que:

• houve a inserção de dados falsos de madeira no sistema DOF;

• não havia indícios de que João (motorista do caminho) teria agido com dolo ao apresentar o DOF, tendo ficado demonstrado que ele não sabia que o documento era falso. Logo, ficou afastado o crime de uso de documento falso (art. 304 do Código Penal);

• eventual prática do delito tipificado pelo art. 46 da Lei nº 9.605/98, estava fulminada pela prescrição:

Art. 46. Receber ou adquirir, para fins comerciais ou industriais, madeira, lenha, carvão e outros produtos de origem vegetal, sem exigir a exibição de licença do vendedor, outorgada pela autoridade competente, e sem munir-se da via que deverá acompanhar o produto até final beneficiamento:

Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa.

Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas quem vende, expõe à venda, tem em depósito, transporta ou guarda madeira, lenha, carvão e outros produtos de origem vegetal, sem licença válida para todo o tempo da viagem ou do armazenamento, outorgada pela autoridade competente.

 

• remanescia apenas o delito tipificado pelo art. 299 do Código Penal, correspondente à adulteração do documento do sistema DOF:

Art. 299 - Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante:

Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa, de quinhentos mil réis a cinco contos de réis, se o documento é particular.

Parágrafo único - Se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, ou se a falsificação ou alteração é de assentamento de registro civil, aumenta-se a pena de sexta parte.

 

De quem é a competência para apurar esse fato: Justiça Federal ou Justiça Estadual?

Justiça Estadual.

O Sistema DOF foi instituído e implantado pelo IBAMA (art. 1º da Portaria/MMA nº 253/2006 c/c Instrução Normativa nº 112/2006 do IBAMA), estando, inclusive, hospedado no site da autarquia.

Contudo, para o STJ, isso não é suficiente, por si só, para atrair a competência da Justiça Federal para o julgamento do delito de falsificação de Documento de Origem Florestal. Nesse sentido: STJ. 3ª Seção. CC 168.575/MS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 9/10/2019.

No caso, não foi indicado nenhum prejuízo concreto ao ente federal ou demonstrada a ofensa a interesse direto e específico da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas com a suposta apresentação de informação falsa no sistema DOF (Documento de Origem Florestal), motivo pelo qual o feito deve ser processado e julgado pela Justiça comum estadual.

No mesmo sentido:

Embora a emissão e o controle o DOF (Documento de Origem Florestal) recaiam sobre o IBAMA, isso não pode significar, tout court*, que qualquer prática delitiva que envolva a inserção de dados no sistema dessa autarquia (em qualquer de suas unidades) que armazena os registros, contenha, em si, elemento suficiente para caracterizar o interesse da União ou da própria autarquia. Isso porque a proteção ao meio ambiente é de competência comum e, em alguns casos, embora o registro seja feito no Ibama, o interesse envolvido é nitidamente estadual. Vale dizer, irregularidades no registro, oriundas de prática criminosa, por si, não têm o condão de atrair a competência federal. Raciocínio diverso ensejaria a competência federal para todo e qualquer caso, haja vista que a proteção, a fiscalização e a conservação ambiental são propósitos ínsitos à própria existência (criação) do Ibama.

STJ. 3ª Seção. CC 141.822/PR, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 9/9/2015.

 

Em suma:

 

* Tout court é uma expressão francesa que significa “pura e simplesmente”. Ela é usada para enfatizar que algo é assim, sem nenhuma outra qualificação.


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