sexta-feira, 11 de agosto de 2023
A alegação de que houve prévia confissão informal do réu - desacompanhada de qualquer registro em vídeo, áudio ou por escrito – não justifica a busca domiciliar desprovida de mandado judicial
Imagine a seguinte situação adaptada:
Policiais civis receberam
denúncia anônima de que estaria ocorrendo tráfico de drogas na residência de Adriano.
Ao chegarem ao local, encontraram
Adriano na frente de sua casa e, após alguns questionamentos, os policiais
relataram que o suspeito confessou que havia drogas dentro do imóvel.
Diante dessa suposta confissão,
os policiais entraram no imóvel e ali encontraram 7kg de skunk e duas balanças
de precisão.
Skunk, também
chamada de “skank” ou “supermaconha”, é uma substância que integra a categoria
dos canabinóides. No entanto, seus efeitos são mais potentes e prejudiciais ao
cérebro se comparados à maconha comum. O skunk é gerado a partir de uma
combinação genética e do cultivo em água (hidropônico) da planta Cannabis
sativa, a mesma que é a fonte da maconha tradicional.
Adriano foi denunciado pela
prática de tráfico de drogas.
O acusado, em audiência de instrução
e julgamento, afirmou que não autorizou a entrada dos policiais em sua
residência.
Informou ainda que os policiais
bateram diversas vezes na porta e que, quando o acusado abriu, já o colocaram
para fora, e adentraram o imóvel. Narrou que não houve em momento algum pedido
de autorização de entrada.
O réu foi condenado em 1ª
instância, sentença mantida pelo TJ.
Ainda inconformado, a defesa
interpôs recurso especial insistindo na tese de que as provas obtidas a partir
da invasão de domicílio são nulas e, portanto, ilícitas para embasar a
condenação do réu.
O STJ concordou com as
alegações da defesa?
SIM.
O Supremo Tribunal Federal
definiu, em repercussão geral (Tema 280), a tese de que:
A entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita,
mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente
justificadas “a posteriori”, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de
flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do
agente ou da autoridade, e de nulidade dos atos praticados.
STF. Plenário. RE 603616/RO, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em
4 e 5/11/2015 (repercussão geral – Tema 280) (Info 806).
O STJ, seguindo esse entendimento,
vem decidindo no sentido de que o ingresso em domicílio depende, para sua
validade e regularidade, da existência de fundadas razões, dando conta de
contexto fático anterior, com lastro em circunstâncias objetivas, que indiquem
a possibilidade de mitigação do direito fundamental em questão.
A confissão informal de autoria
do tráfico de drogas, supostamente colhida por policiais durante a abordagem do
réu, se desacompanhada de outros elementos preliminares indicativos de crime,
não legitima o ingresso de policiais no domicílio.
A despeito de nos crimes
permanentes o estado de flagrância se protrair no tempo, tal circunstância não
é suficiente, por si só, para justificar busca domiciliar desprovida de mandado
judicial, exigindo-se a demonstração de indícios mínimos e seguros de que,
naquele momento, dentro da residência, encontra-se uma situação de flagrância.
Para o STJ, carecem de
verossimilhança (ou seja, não parecem realistas / não são plausíveis) as
alegações dos policiais no sentido de que o réu, após ser abordado, confessa de
maneira informal a prática do crime de tráfico. Nesse mesmo sentido: STJ. 6ª
Turma. AgRg no AgRg no AREsp 1.973.713/AM, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, DJe
de 27/6/2022.
A acusação é quem tem o ônus de
provar que a permissão para entrar na casa foi dada de forma livre e voluntária
pelo morador. Para o STJ, essa prova da autorização deve ser registrada em áudio
e vídeo e, sempre que possível, por escrito. A ausência dessas formalidades
torna a prática ilegal, bem como todas as provas derivadas dela.
Em suma:
A confissão do réu, por si só, não autoriza a entrada
dos policiais em seu domicílio, sendo necessário que a permissão conferida de
forma livre e voluntária pelo morador seja registrada pela autoridade policial
por escrito ou em áudio e vídeo.
STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 2.223.319-MS, Rel. Min. Messod Azulay Neto,
julgado em 9/5/2023 (Info 778).