Imagine a seguinte situação adaptada:
A empresa Alfa Ltda prestou,
durante 6 meses, serviços de construção civil para o Município X.
Os serviços foram combinados e
executados pela empresa a partir de solicitação do Secretário de Obras do
Município.
A empresa arcou com todos os custos
desse serviço.
O Secretário combinou com o dono
da empresa que o Município pagaria pelos serviços ao final dos trabalhos, mas
isso não foi cumprido e nada foi pago.
Diante desse cenário, a empresa ajuizou
ação de cobrança contra o Município de Bento Gonçalves pedindo o recebimento de
R$ 85.068,70.
O Município contestou alegando
que nenhum pagamento seria devido porque não houve prévia licitação e não
existiu sequer contrato escrito entre o poder público e a empresa. Logo, eventual
contratação era nula de pleno direito.
Além disso, a Fazenda Pública
argumentou que a empresa subcontratou parte do serviço – sem anuência do
Município – o que é vedado já que a subcontratação apenas pode se dar com a
autorização expressa da Administração Pública.
O juiz concordou com os argumentos da municipalidade e julgou
o pedido improcedente com base no art. 60, parágrafo único, da Lei nº 8.666/93
(art. 95, § 2º, da Lei nº 14.133/2021), que diz o seguinte:
Lei 8.666/93 |
Lei 14.133/2021 |
Art. 60 (...) Parágrafo único. É nulo e de nenhum efeito o contrato
verbal com a Administração, salvo o de pequenas compras de pronto
pagamento, assim entendidas aquelas de valor não superior a 5% (cinco por
cento) do limite estabelecido no art. 23, inciso II, alínea “a” desta Lei,
feitas em regime de adiantamento. |
Art. 95 (...) § 2º É nulo e de nenhum efeito o contrato verbal com a
Administração, salvo o de pequenas compras ou o de prestação de
serviços de pronto pagamento, assim entendidos aqueles de valor não superior
a R$ 10.000,00 (dez mil reais). |
A sentença foi confirmada pelo
Tribunal de Justiça.
A empresa interpôs recurso especial invocando o art. 59,
parágrafo único, da Lei nº 8.666/93 (art. 149 da Lei nº 14.133/2021):
Lei 8.666/93 |
Lei 14.133/2021 |
Art. 59. A declaração de
nulidade do contrato administrativo opera retroativamente impedindo os
efeitos jurídicos que ele, ordinariamente, deveria produzir, além de
desconstituir os já produzidos. Parágrafo único. A nulidade não
exonera a Administração do dever de indenizar o contratado pelo que este
houver executado até a data em que ela for declarada e por outros prejuízos
regularmente comprovados, contanto que não lhe seja imputável, promovendo-se
a responsabilidade de quem lhe deu causa. |
Art. 149. A nulidade não exonerará
a Administração do dever de indenizar o contratado pelo que houver executado
até a data em que for declarada ou tornada eficaz, bem como por outros
prejuízos regularmente comprovados, desde que não lhe seja imputável, e será
promovida a responsabilização de quem lhe tenha dado causa. |
O STJ deu provimento ao
recurso especial da empresa?
SIM.
A jurisprudência do STJ é no
sentido de que, mesmo que seja nulo o contrato realizado com a Administração
Pública, por ausência de prévia licitação, é devido o pagamento pelos serviços
prestados, desde que comprovados, nos termos do art. 59, parágrafo único, da
Lei nº 8.666/93 (art. 149 da Lei nº 14.133/2021), sob pena de enriquecimento
ilícito da Administração. Nesse sentido:
Na ausência de contrato formal entre as partes - e, portanto, de
ato jurídico perfeito que preservaria a aplicação da lei à celebração do
instrumento -, deve prevalecer o princípio do não enriquecimento ilícito. Se o
acórdão recorrido confirma a execução do contrato e a realização da obra pelo
recorrido, entende-se que deve ser realizado o pagamento devido pelo Município
recorrente.
STJ. 2ª Turma. REsp 836.495/RS, Rel. Min. Mauro Campbell
Marques, julgado em 26/11/2013.
E se houve o contratado não
estava de boa-fé, ainda assim ele será ressarcido?
SIM. O STJ reconhece que, ainda
que ausente a boa-fé do contratado e que tenha ele concorrido para nulidade, é
devida a indenização pelo custo básico do serviço, sem margem alguma de lucro.
E a questão da
subcontratação?
A inexistência de autorização da
Administração para subcontratação é insuficiente para afastar o dever de
indenização, no caso concreto, porque a própria contratação foi irregular, haja
vista que não houve licitação e o contrato foi verbal. Assim, desde que provada
a existência de subcontratação e a efetiva prestação de serviços, ainda que por
terceiros, e que tais serviços se reverteram em benefício da Administração,
será devida a indenização dos respectivos valores.
Em suma:
No caso de contrato verbal e sem licitação, o ente
público tem o dever de indenizar, desde que provada a existência de
subcontratação, a efetiva prestação de serviços, ainda que por terceiros, e que
tais serviços se reverteram em benefício da Administração.
STJ. 2ª
Turma. REsp 2.045.450-RS, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 20/6/2023 (Info
780).