Olá, amigas e amigos do Dizer o Direito,
Já está disponível a Revisão para o concurso de Juiz de Direito do TJRJ.
Bons estudos.
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Organização Internacional
do Trabalho (OIT)
A Organização Internacional do
Trabalho (OIT) é uma agência das Nações Unidas, criada em 1919, pelo Tratado de
Versalhes, da qual o Brasil foi signatário.
“A missão da OIT é promover
oportunidades para que homens e mulheres possam ter acesso a um trabalho
decente e produtivo, em condições de liberdade, equidade, segurança e
dignidade.” (https://www.ilo.org/brasilia/conheca-a-oit/lang--pt/index.htm)
A OIT formula normas
internacionais do trabalho, que assumem a forma de convenções e recomendações.
As convenções, quando ratificadas
por um país membro, são vinculantes (obrigatórias).
As recomendações, por sua vez,
servem apenas como diretrizes, não sendo vinculantes (softlaw).
Essas normas tratando sobre uma
ampla gama de tópicos relacionados ao trabalho, incluindo condições de
trabalho, segurança no trabalho, direito à organização, negociação coletiva,
erradicação do trabalho forçado e infantil, entre outros.
A Convenção da OIT é
considerada um tratado internacional?
SIM.
“As convenções da OIT são
tratados multilaterais que não se diferenciam de qualquer outro tratado
internacional, consistindo em acordos que adotam a forma escrita e que vinculam
juridicamente os Estados que deles façam parte. Encontram-se abertas à ratificação
de qualquer Estado membro da Organização.” (PORTELA Paulo Henrique Gonçalves. Direito
internacional público e privado. Salvador: Juspodivm, 2021, p. 572)
Convenção 158 OIT
A Convenção nº 158 da OIT trata
sobre o término da relação de trabalho por iniciativa do empregador,
estabelecendo parâmetros de proteção ao trabalhador contra a despedida
arbitrária ou sem justa causa. O documento foi aprovado na 68ª reunião da
Conferência Internacional do Trabalho, em 2 de junho de 1982, em Genebra,
entrando em vigor no plano internacional em 23 de novembro de 1985 e vindo a
ser ratificada por 36 países, entre eles o Brasil.
Denúncia de um tratado
“A denúncia é o ato unilateral
pelo qual uma parte em um tratado anuncia sua intenção de se desvincular de um
compromisso internacional de que faça parte, desobrigando-se de cumprir as
obrigações estabelecidas em seu bojo sem que isso enseje a possibilidade de
responsabilização internacional.
Logicamente, a denúncia extingue
o tratado bilateral. Nos atos multilaterais, a denúncia implica apenas a
retirada da parte do acordo, cujos efeitos cessam para o denunciante, mas
permanecem para os demais signatários. Cabe destacar que autores como Ricardo
Seitenfus chamam a denúncia de compromissos multilaterais de ‘retirada’.
A denúncia isenta o Estado
signatário de cumprir as normas dos tratados. Entretanto, é ato que produz
efeitos ex nunc, não excluindo as obrigações estatais relativas a atos ou
omissões ocorridas antes da data em que venha a produzir efeitos.” (PORTELA
Paulo Henrique Gonçalves. Direito internacional público e privado.
Salvador: Juspodivm, 2021, p. 128)
Denúncia da Convenção 158 da OIT
Em 1996, o Presidente da
República editou o Decreto nº 2.100/96, por meio do qual fez a denúncia da
Convenção nº 158, da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Veja o que disse o Decreto:
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, torna
público que deixará de vigorar para o Brasil, a partir de 20 de novembro de
1997, a Convenção da OIT nº 158, relativa ao Término da Relação de Trabalho por
Iniciativa do Empregador, adotada em Genebra, em 22 de junho de 1982, visto
haver sido denunciada por Nota do Governo brasileiro à Organização
Internacional do Trabalho, tendo sido a denúncia registrada, por esta última, a
20 de novembro de 1996.
ADC
Surgiram questionamentos a
respeito da validade desse Decreto. Entidades de proteção ao trabalhador
argumentaram que ele seria inconstitucional, porque para a denúncia de um
tratado, seria necessária não apenas a iniciativa do Presidente da República,
mas também a aprovação do Congresso Nacional. Como não houve, no caso concreto,
a aprovação, essa denúncia teria descumprido o texto constitucional.
Diante desse cenário de controvérsia
judicial relevante, a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e
Turismo (CNC) e a Confederação Nacional do Transporte (CNT) propuseram ADC em
face do Decreto nº 2.100/1996.
Argumentaram que o Decreto nº
2.100/96 seria constitucional porque o Presidente da República possui a
prerrogativa de denunciar tratados, convenções e atos internacionais,
prescindindo, para tanto, de anuência do Congresso Nacional.
Para que haja a denúncia de
um tratado internacional é necessária a aprovação do Congresso Nacional?
SIM.
A aprovação e a internalização de tratados internacionais
estão disciplinadas expressamente na Constituição Federal:
Art. 84. Compete privativamente ao
Presidente da República:
(...)
VIII - celebrar tratados, convenções e
atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional;
Art. 49. É da competência exclusiva do
Congresso Nacional:
I - resolver definitivamente sobre
tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos
gravosos ao patrimônio nacional;
(...)
Por outro lado, a denúncia e a respectiva
exclusão dos tratados internacionais não foram tratadas de forma expressa no
texto constitucional.
Mesmo diante desse silêncio do
legislador constituinte, o STF concluiu que a exclusão dos tratados
internacionais incorporadas ao ordenamento jurídico interno não pode ocorrer
por vontade exclusiva do Presidente da República, sob pena de vulnerar o
princípio democrático, a separação de Poderes, o sistema de freios e
contrapesos e a própria soberania popular. Assim, uma vez ingressado no
ordenamento jurídico pátrio mediante referendo do Congresso Nacional, a
supressão do tratado internacional pressupõe também a chancela popular por meio
de seus representantes eleitos.
Os tratados promulgados se
transformam em legislação nacional e, assim sendo, sua revogação deve se dar
por norma equivalente e posterior.
É dizer, por paralelismo, a
revogação de normas que foram regularmente aprovadas pelos representantes do
povo só pode observar o mesmo procedimento, pois, do contrário, o ato careceria
de legitimidade e se traduziria em antidemocrático. Aliás, é intrínseco ao
Estado Democrático de Direito que não apenas os cidadãos, mas também os
titulares do Poder se submetam às leis, as quais não podem ser alteradas ou
simplesmente revogadas unilateralmente, sem observância do devido processo
legislativo.
Destarte, se é exigível a
anuência do Parlamento para que um compromisso internacional assumido pelo
chefe do Poder Executivo seja vinculante perante a ordem jurídica interna, o
ato de desobrigar-se dessa
avença, de forma a alterar
novamente o direito vigente, requer, necessariamente, a chancela congressual.
Também é essa a conclusão de
Valerio de Oliveira Mazzuoli , que vislumbra a questão sob a óptica do “comando
constitucional (art. 1º, parágrafo único) segundo o qual todo o poder emana do
povo, incluindo-se nessa categoria também o poder de denunciar tratados ”
(MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público . Rio de
Janeiro: Editora Forense, 14. ed., 2021, p. 267).
A importância da participação do
Poder Legislativo na denúncia de tratados torna-se ainda mais evidente quanto
se tem em perspectiva normas de proteção aos direitos humanos, como é o caso da
Convenção nº 158 da OIT, cujo intuito é a proteção dos trabalhadores contra a
dispensa arbitrária, o que figura na Constituição Federal como um direito
social (art. 7º, inciso I).
O STF fixou a seguinte tese a
respeito do tema:
STF.
Plenário. ADC 39/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 19/6/2023 (Info 1099).
Isso significa que a
denúncia da Convenção 158 da OIT precisava ter sido aprovada pelo Congresso
Nacional?
SIM.
Isso significa então que, com a decisão do STF, a Convenção 158 da OIT
voltou a produzir efeitos no Brasil?
NÃO.
O STF decidiu modular os efeitos
da decisão e, desse modo, o entendimento acima explicado deve ser aplicado
somente a partir da publicação da ata do presente julgamento, mantendo-se a
eficácia das denúncias realizadas até esse marco temporal.
Assim, em homenagem ao princípio
da segurança jurídica, o STF decidiu que deveria ser mantida a validade do
Decreto 2.100/1996, por meio do qual o Presidente da República tornou pública a
denúncia da Convenção 158 da OIT.
Embora, à luz do ordenamento
constitucional, a denúncia de tratados internacionais dependa de anuência do
Congresso Nacional para surtir efeitos internamente, a prática institucional
resultou em uma aceitação tácita da denúncia unilateral por reiteradas vezes e
em períodos variados da história nacional, de modo que se consubstanciou em
costume consolidado pelo tempo e que vinha sendo adotado de boa-fé e com justa
expectativa de legitimidade, eis que, até então, não foi formalmente
invalidado.
Em
decorrência do próprio Estado Democrático de Direito e de seu corolário, o
princípio da legalidade, é necessária a manifestação de vontade do Congresso
Nacional para que a denúncia de um tratado internacional produza efeitos no
direito doméstico, razão pela qual é inconstitucional a denúncia unilateral
pelo Presidente da República. Contudo, esse entendimento deve ser aplicado
somente a partir da publicação da ata do presente julgamento, mantendo-se a
eficácia das denúncias realizadas até esse marco temporal.
STF.
Plenário. ADC 39/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 19/6/2023 (Info 1099).
Com base nesses entendimentos, o
Plenário, por maioria, julgou procedente a ação para manter a validade do
Decreto nº 2.100/1996 e formular apelo ao legislador “para que elabore
disciplina acerca da denúncia dos tratados internacionais, a qual preveja a
chancela do Congresso Nacional como condição para a produção de efeitos na
ordem jurídica interna, por se tratar de um imperativo democrático e de uma
exigência do princípio da legalidade”.
Olá, amigas e amigos do Dizer o Direito,
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Confira abaixo o índice. Bons estudos.
ÍNDICE DO INFORMATIVO 1099 DO STF
Direito Constitucional
DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
§ Lei estadual
pode obrigar as empresas do setor têxtil a colocarem etiquetas em braile ou outro
meio acessível nas peças de vestuário para atender a pessoas com deficiência
visual.
§ É
inconstitucional norma estadual que restringe o conceito de pessoas com
deficiência (PcD) e como contraria as regras gerais sobre o tema previstas no
Estatuto da Pessoa com Deficiência.
DIREITO NOTARIAL
E REGISTRAL
REGIME JURÍDICO
§ Apenas os
delegatários do serviço notarial e de registro podem concorrer em processo de
remoção para serventias extrajudiciais; assim, o titular do Ofício do
Distribuidor não pode participar dessa remoção.
DIREITO PROCESSUAL
CIVIL
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
§ É
inconstitucional o emprego de verbas do FUNDEF/FUNDEB para pagamento de
honorários advocatícios contratuais; é possível utilização dos juros de mora
inseridos na condenação relativa a repasses de verba do FUNDEF para pagamento
dos honorários contratuais.
DIREITO FINANCEIRO
FUNDO DE PARTICIPAÇÃO
§ É
inconstitucional norma de lei complementar que distribui os recursos do FPE
entre os entes da Federação sem a devida promoção do respectivo equilíbrio
socioeconômico.
DIREITO INTERNACIONAL
TRATADOS INTERNACIONAIS
§ A denúncia
pelo Presidente da República de tratados internacionais aprovados pelo
Congresso Nacional, para que produza efeitos no ordenamento jurídico interno,
não prescinde da sua aprovação pelo Congresso
O caso concreto foi o seguinte:
No Piauí, foi editada a Lei nº
7.465/2021, que obriga as empresas do setor têxtil a colocarem etiquetas em
braile nas peças de vestuário com o objetivo de atender as pessoas com
deficiência visual
Confira a redação da Lei, no que importa:
Art. 1º Ficam as empresas do setor
têxtil obrigadas a identificarem as peças de vestuário pelas mesmas produzidas
com etiquetas em braile ou outro meio acessível que atenda as pessoas com
deficiência visual.
§ 1º As etiquetas de que trata o caput
deste artigo deverão conter, no mínimo, informações quanto a cor e tamanho da
peça.
§ 2º Fica vedada a cobrança de valores
adicionais de qualquer natureza pelas empresas do setor têxtil para o
cumprimento do disposto nesta Lei.
Art. 2º O descumprimento ao que dispõe
a presente Lei acarretará na aplicação de multa no valor de 2.000 (dois mil)
UFIR's-PI (Unidade Fiscal de Referência do Estado do Piauí) (...)
ADI
A Confederação Nacional da
Indústria (CNI) ajuizou ADI contra essa lei.
Defendeu que a norma geraria
insegurança jurídica considerando que fala em “empresas do setor têxtil”, sem
definir claramente quem está abrangido pela expressão.
Sob o prisma formal, a autora
alegou que a lei afrontou a competência privativa da União para legislar sobre
o comércio interestadual e exterior, já que, dependendo da interpretação da
norma, limitou a participação competitiva das indústrias têxteis do Estado do
Piauí no mercado nacional de vestuários ou impôs alteração do processo
produtivo às indústrias sediadas em outros Estados da Federação e em outros
países que queiram comercializar seus produtos no Estado do Piauí.
Argumentou, ainda, que a previsão
violou os princípios da livre concorrência e da livre iniciativa.
O STF concordou com os argumentos
da autora? Essa Lei é inconstitucional?
NÃO.
Os princípios da livre
concorrência e da livre iniciativa possuem natureza instrumental. Isso
significa que são meios para a consecução de outros objetivos.
A lei editada está em harmonia
com:
• os objetivos fundamentais da
República (art. 3º, I, III e IV, CF/88);
• a garantia da existência digna
de todos, conforme os ditames da justiça social (art. 170, caput, CF/88); e
• a promoção da dignidade da
pessoa humana (art. 1º, III, CF/88), especialmente das pessoas com deficiência.
Confira os dispositivos constitucionais:
Art. 3º Constituem objetivos
fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre,
justa e solidária;
(...)
III - erradicar a pobreza e a
marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação.
Art. 170. A ordem econômica, fundada na
valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a
todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os
seguintes princípios:
(...)
Art. 1º A República Federativa do
Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito
Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
(...)
III - a dignidade da pessoa humana;
Logo, a lei é materialmente
constitucional.
Também não há
inconstitucionalidade sob o ponto de vista formal.
A competência para legislar sobre
comércio interestadual e exterior possui natureza genérica, o que permite que
os entes federados, dentro das respectivas esferas, legislem de forma
específica e conforme o contexto local.
Na espécie, a norma estadual impugnada está relacionada com
a competência concorrente para legislar sobre produção e consumo (art. 24, V,
CF/88) e sobre proteção e integração social das pessoas com deficiência (art.
24, XIV, CF/88):
Art. 24. Compete à União, aos Estados e
ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
(...)
V - produção e consumo;
(...)
XIV - proteção e integração social das
pessoas portadoras de deficiência;
Em suma:
Essa lei não viola os princípios da livre iniciativa
(arts. 1º, IV; e 170, “caput”), da livre concorrência (art. 170, IV), da
propriedade privada (art. 170, II) e da isonomia (arts. 5º, “caput”; e 19,
III).
A norma também não invade a competência privativa da
União para legislar sobre comércio interestadual (art. 22, VIII).
STF.
Plenário. ADI 6.989/PI, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 19/6/2023 (Info 1099).
Vale ressaltar, no entanto, que
os efeitos da referida norma devem se exaurir nos limites territoriais do
Estado do Piauí, sob pena de afetar, de forma inconstitucional, o mercado
interestadual.
Com base nesse entendimento, o
Plenário, por maioria, julgou parcialmente procedente a ação para declarar a
nulidade parcial sem redução de texto da Lei nº 7.465/2021 do Estado do Piauí,
a fim de excluir do seu âmbito de aplicabilidade a indústria têxtil não sediada
no referido ente federado.
Imagine a seguinte situação
hipotética:
No ano de 2010, Regina ajuizou
ação contra o INSS pedindo a concessão de aposentadoria por invalidez.
Em 24/01/2011, o juiz deferiu tutela
antecipada determinando que, enquanto o processo não terminasse, Regina deveria
ficar recebendo auxílio-doença.
Ocorre que, posteriormente, em
22/12/2015, o magistrado proferiu sentença julgando o pedido improcedente e,
consequentemente, revogou a tutela provisória anteriormente deferida. Essa decisão
transitou em julgado.
Desde a cessação do referido
benefício previdenciário, Regina não teve mais condições de trabalhar, tendo havido
uma piora em seu estado de saúde, o que foi comprovado por laudo pericial.
Em 2016, Regina ajuizou nova ação
na qual pleiteou novamente a concessão da aposentadoria por invalidez ou,
subsidiariamente, o auxílio-doença, argumentando o agravamento do seu estado de
saúde.
O juiz julgou o pedido
parcialmente procedente para conceder apenas o auxílio-doença.
O INSS recorreu sustentando a
ausência da qualidade de segurada, uma vez que a última contribuição ocorreu em
2010. Depois dessa data, ela não mais trabalhou e, portanto, não pagou
contribuições previdenciárias. A autarquia alegou que a primeira ação foi
julgada improcedente. Assim, o auxílio-doença que Regina recebeu de 2011 a 2015
não poderia ser computada para manter a sua qualidade de segurada.
O Tribunal Regional Federal da 3ª
Região negou provimento ao recurso do INSS, reconhecendo que, mesmo Regina não
tendo trabalhado depois de 2010, ela continuou com a qualidade de segurada já
que esteve gozando auxílio-doença entre 02/02/2011 e 22/12/2015, concedido por
força de tutela antecipada no feito anteriormente ajuizado, mais tarde julgado
improcedente.
Assim, para o TRF, deveria ser aplicado o art. 15, I, da Lei
nº 8.213/91:
Art. 15. Mantém a qualidade de
segurado, independentemente de contribuições:
(...)
I - sem limite de prazo, quem
está em gozo de benefício, exceto do auxílio-acidente;
Inconformado, o INSS interpôs
recurso especial reiterando, em síntese, os argumentos da apelação.
A decisão do TRF foi
mantida pelo STJ?
SIM.
A tutela antecipada ou de
urgência é um provimento judicial provisório e reversível (art. 273, § 2º, do
CPC/1973 e arts. 296 e 300, § 3º, do CPC/2015). Por essa razão, em regra, a
revogação da decisão que concede o mandamento provisório produz efeitos
imediatos e retroativos, impondo o retorno à situação anterior ao deferimento
da medida, cujo ônus deve ser suportado pelo beneficiário da tutela.
Como o cumprimento provisório
ocorre por iniciativa e responsabilidade da parte autora, cabe a esta, em
regra, suportar o ônus decorrente da reversão da decisão precária, na medida em
que, a rigor, pode, de antemão, prever os resultados de eventual cassação da
medida, escolher sujeitar-se a tais consequências e até mesmo trabalhar
previamente para evitar ou mitigar os impactos negativos no caso de reversão.
Essa regra (de total
reversibilidade/restituição ao estado anterior), porém, não pode ser aplicada
em relação ao segurado em gozo de benefício previdenciário por incapacidade
laborativa, concedido por meio de tutela de urgência posteriormente revogada,
na medida em que, nesses casos, o ônus (de perder a condição de segurado) não é
completamente previsível, evitável ou mitigável.
Portanto, não é de todo previsível
porque o art. 15, I, da Lei nº 8.213/91 assegura que, independentemente de
contribuições, quem está em gozo de benefício (qualquer que seja a natureza da
concessão, porque o dispositivo não diferenciou), mantém a qualidade de
segurado, sem limite de prazo, isto é, não seria razoável exigir do segurado de
boa-fé considerar que tal previsão expressa fosse afastada automaticamente na
ocasião da revogação da medida de caráter precário.
Ademais, o ônus (de perder a
qualidade de segurado) não é mitigável ou evitável, pois enquanto o segurado
está em gozo de benefício previdenciário por incapacidade laborativa, concedido
por meio de tutela de urgência, não pode recolher contribuições
previdenciárias, uma vez que, em tal condição, não se insere na previsão dos arts.
11 ou 13 da Lei nº 8.213/91.
Em suma:
STJ. 1ª Turma. AREsp 2.023.456-SP, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em
20/6/2023 (Info 780).
Como funciona a apelação
contra a decisão do Tribunal do Júri?
O Júri é uma instituição voltada
a assegurar a participação cidadã na Justiça Criminal. Como forma de valorizar
essa participação, a Constituição consagrou o princípio da soberania dos
veredictos (art. 5º, XXXVIII, “c”, CF/88).
Em decorrência desse princípio, o
recurso contra a decisão de mérito dos jurados é a apelação prevista no art.
593, III, “d”, do CPP (decisão manifestamente contrária à prova dos autos).
Se essa apelação for provida pelo
TJ (ou TRF), o réu será submetido – uma única vez – a novo julgamento pelos jurados.
Assim, o Tribunal de 2ª instância
(togado) só poderá dar provimento à apelação com base neste fundamento uma
única vez.
Explicando melhor: imagine que o
réu foi condenado pelo júri. A defesa interpôs apelação. O TJ determinou que
seja feito um novo júri. Se os jurados (que serão outros sorteados) decidirem
novamente que o réu deverá ser condenado, ainda que a defesa recorra, o
Tribunal não mais poderá dar provimento à apelação sob o fundamento de que a
decisão do júri foi manifestamente contrária à prova dos autos.
Dito de outro modo, o argumento
do Tribunal de que a decisão dos jurados foi manifestamente contrária à prova
dos autos só pode ser utilizado uma única vez.
Nesse sentido, veja o que diz o § 3º do art. 593:
Art. 593. Caberá apelação no prazo
de 5 (cinco) dias:
(...)
III - das decisões do Tribunal do
Júri, quando:
(...)
d) for a decisão dos jurados
manifestamente contrária à prova dos autos.
(...)
§ 3º Se a apelação se fundar no
nº III, d, deste artigo, e o tribunal ad quem se convencer de que a decisão dos
jurados é manifestamente contrária à prova dos autos, dar-lhe-á provimento para
sujeitar o réu a novo julgamento; não se admite, porém, pelo mesmo motivo,
segunda apelação.
Imagine agora a seguinte situação
adaptada:
João e Antônio tiveram um
desentendimento dentro de uma casa noturna.
João já saía do estabelecimento
quando foi chamado por Antônio para uma briga, em via pública.
João retornou e efetuou um
disparo de arma de fogo para o alto, no intuito de intimidar Antônio, que ia em
sua direção.
Antônio, contudo, prosseguiu em
direção ao seu rival.
João disparou duas vezes contra Antônio,
atingindo-lhe a perna e o abdômen, o que o fez cair no chão, ainda com vida.
Ato contínuo, mesmo depois de Antônio
estar caído no chão, João efetuou outros dois disparos, os quais atingiram o
crânio da vítima, causando-lhe a morte.
Após a regular instrução do
feito, o réu foi pronunciado para ser julgado pelo Tribunal do Júri, como
incurso nas sanções do art. 121, §2º, incisos II, III e IV, do Código Penal (homicídio
qualificado).
O advogado suscitou em plenário
as teses da legítima defesa e do eventual excesso culposo.
Após os debates, foram formulados
os seguintes quesitos aos jurados:
Quesito: no dia xxx, às yyy, a
vítima Antônio foi atingida com disparos de arma de fogo, sofrendo as lesões
descritas no auto de necropsia, que causaram sua morte? O júri respondeu SIM
com mais de três votos.
Quesito: o réu João efetuou os
disparos de arma de fogo que atingiram a vítima? O júri respondeu SIM com mais
de três votos.
Quesito: o réu João, ao assim
agir, quis matar a vítima? O júri respondeu SIM com mais de três votos.
Quesito: o jurado absolve o réu
João? O júri respondeu NÃO com mais de três votos.
Quesito: o réu João, ao repelir
injusta agressão, usou moderadamente dos meios necessários para tanto? O júri
respondeu SIM com mais de três votos. (obs: isso significa que os jurados
reconheceram a legítima defesa)
Quesito: o réu João, ao se
exceder, agiu dolosamente? O júri respondeu NÃO com mais de três votos.
Ao fim do julgamento pelo Tribunal do Júri, os jurados responderam
que o réu agiu em legítima defesa, mas reconheceram que houve excesso (art. 23,
parágrafo único, do CP):
Art. 23. Não há crime quando o
agente pratica o fato:
I - em estado de necessidade;
II - em legítima defesa;
III - em estrito cumprimento de
dever legal ou no exercício regular de direito.
Excesso punível
Parágrafo único. O agente, em
qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo.
Conforme se vê pela redação do
parágrafo único, o excesso pode ser doloso ou culposo.
No caso concreto, os jurados
responderam que o excesso foi culposo.
Apelação
O Ministério Público não
concordou com o resultado e interpôs apelação, alegando que os jurados
reconheceram o excesso culposo em legítima defesa sem qualquer respaldo nos
autos, eis que o primeiro disparo contra a vítima já teria sido suficiente para
deixá-la estirada ao solo, cessando a agressão. Logo, para o Parquet, os demais
disparos foram proferidos com intenção de matar, tendo havido, portanto, excesso
doloso.
O Tribunal de Justiça negou
provimento ao apelo, argumentando que os “jurados julgam por íntima convicção,
sem a necessidade de fundamentar suas decisões. Deste modo, podem utilizar,
para seus convencimentos, quaisquer provas contidas nos autos, ainda que não
sejam as mais verossímeis”.
Recurso especial
O Ministério Público interpôs recurso
especial alegando que o Tribunal de Justiça não apontou qualquer prova
produzida nos autos que eventualmente amparasse o que foi decidido pelo
Conselho de Sentença.
A fundamentação utilizada
pelo Tribunal de Justiça foi adequada e suficiente para negar provimento ao
recurso do Ministério Público?
NÃO.
Não há dúvida de que os jurados
atuantes no Tribunal do júri julgam por íntima convicção, pois não precisam
justificar as razões pelas quais responderam de um modo ou de outro os quesitos
formulados.
Todavia, essa premissa não impede
que o Tribunal de Justiça exerça controle sobre a decisão dos jurados, sob pena
de tornar letra morta o contido no art. 593, III, “d”, do CPP, que
expressamente estipula cabimento de apelação contra decisão de jurados
manifestamente contrária à prova dos autos.
Nesse sentido, é indispensável
que o Tribunal de Justiça, ao julgar a apelação interposta, avalie a prova dos
autos, com fim de perquirir se há algum elemento que ampare o decidido pelos
jurados.
Trata-se de providência objetiva
de cotejo do veredicto com a prova dos autos, sendo prescindível qualquer
ingresso na mente dos jurados.
Vale ressaltar que, havendo duas
versões jurídicas sobre os fatos, ambas amparadas no acervo probatório, deve
ser preservada a decisão dos jurados, em atenção à soberania dos veredictos. No
entanto, se não houver nenhuma prova que ampare a decisão dos jurados, o júri
deve ser anulado.
No
caso concreto, o apelo da acusação fez referência expressa a elementos do
acervo probatório dos autos para concluir que houve excesso doloso, razão pela
qual a decisão dos jurados seria manifestamente contrária à prova dos autos.
Não é o caso de absolvição por clemência. Os jurados não absolveram o
interessado, pois responderam negativamente ao quesito genérico. Houve, sim,
reconhecimento de legítima defesa e o reconhecimento de seu excesso. O que se
discute é se esse excesso foi culposo ou doloso.
Segundo o MP, os jurados
reconheceram o excesso culposo em legítima defesa sem nenhum respaldo nos
autos. Considerou-se que o primeiro disparo contra a vítima já teria sido
suficiente para deixá-la estirada ao solo na posição decúbito ventral, cessando
a agressão. Quanto aos demais disparos, foram justificados pelo animus necandi.
Os depoimentos de testemunhas presenciais, bem como fotografias e laudo
pericial afastaram cabalmente a tese do réu apresentada aos jurados, segundo a
qual apenas efetuou outros disparos porque a vítima caiu segurando suas pernas.
Apesar disso, o Tribunal de Justiça,
ao julgar a apelação, não citou nenhuma prova para afastar a alegação do MP de
que a decisão dos jurados é manifestamente contrária à prova dos autos. Em
outras palavras, o TJ precisava ter demonstrado que o veredicto dos jurados
possui algum mínimo embasamento na prova dos autos. Não é suficiente que o TJ
diga que os jurados julgam por íntima convicção já que a absolvição não foi por
clemência.
Por
essa razão, o STJ determinou que o TJ julgue novamente o recurso e, com amparo nas
provas produzida nos autos, diga se o a decisão dos jurados é, ou não, manifestamente
contrária à prova dos autos.
Em suma:
STJ. 3ª Seção.
Rcl 42.274-RS, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 24/5/2023 (Info 780).
Imagine a seguinte situação adaptada:
Policiais realizavam
patrulhamento de rotina em local conhecido como ponto de venda de drogas,
quando avistaram João em atitude suspeita, pois ele se agachou e se escondeu
atrás de um veículo estacionado, após notar a presença da viatura policial.
Próximo ao local da abordagem, os
policiais encontraram uma sacola plástica que continha entorpecentes destinados
à venda.
O suspeito foi conduzido à
delegacia e permaneceu em silêncio diante da autoridade policial.
João foi denunciado pelo crime de tráfico de drogas.
Em depoimento, os policiais responsáveis pela prisão não se lembravam com
detalhes do que aconteceu, onde a sacola foi encontrada, qual era a droga nem a
quantidade apreendida. Relataram que avistaram o acusado descartando as drogas e
que ao ser preso, admitiu que, por estar em dificuldades financeiras,
resolveu traficar.
Interrogado em juízo, o réu negou
o tráfico de drogas, dizendo que se dirigiu ao local para comprar entorpecente
para seu uso e, ante a aproximação da viatura policial, se abaixou para não ser
visto, enquanto o traficante correu para dentro de uma casa e o entorpecente
foi localizado junto ao portão daquela casa.
A magistrada entendeu que os
fatos provados no curso do processo eram compatíveis com a hipótese fática
trazida pela defesa, de que o réu não traficava, senão que teria acabado de
comprar droga para consumo próprio. Ela sinalizou que os testemunhos dos
policiais deixaram lacunas que impuseram a absolvição do réu.
O Ministério Público interpôs apelação, pugnando pela condenação
do réu nos termos da denúncia.
O Tribunal de Justiça, ao dar provimento ao recurso do MP e
estabelecer a condenação do réu, entendeu suficientemente demonstrada a
veracidade dos fatos narrados na denúncia e concluiu que a negativa judicial
prestada em depoimento era frágil, em razão do silencio do réu perante a
autoridade policial.
O trecho do acórdão foi o seguinte:
“Fosse
verdadeira a frágil negativa judicial, certamente o réu a teria apresentado
perante a autoridade policial, quando, entretanto, valeu-se do direito
constitucional ao silêncio, comportamento que, se por um lado não pode
prejudicá-lo, por outro permite afirmar que a simplória negativa é mera
tentativa de se livrar da condenação”.
A defesa interpôs recurso
especial alegando, em síntese, que houve “violação da garantia legal ao
silêncio, prevista no 186 do Código de Processo Penal, pois se consignou no
acórdão condenatório que o silêncio do réu na fase policial faz prova contra
ele e leva a ausência de credibilidade de sua negativa de autoria em juízo”.
O STJ concordou com os argumentos da defesa?
SIM.
O direito ao silêncio, enumerado
na Constituição Federal como direito de permanecer calado, é sucedâneo lógico
do princípio nemo tenetur se detegere. Nesse sentido, é equivocado
qualquer entendimento de que se conclua que seu exercício possa acarretar alguma
punição ao acusado. A pessoa não pode ser punida por realizar um comportamento
a que tem direito.
O art. 5º, inc. LXIII, da CF/88, não deixa dúvidas quanto à
não recepção do art. 198 do CPP, quando diz que o silêncio do acusado, ainda
que não importe em confissão, poderá se constituir elemento para a formação do
convencimento do juiz:
Art. 5º (...)
LXIII - o preso será informado de
seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a
assistência da família e de advogado;
CPP
Art. 198. O silêncio do acusado não importará
confissão, mas poderá constituir elemento para a formação do convencimento do
juiz. (não recepcionado pela CF/88)
Esse reprovável subterfúgio
processual foi enfrentado pelo STJ no julgamento do HC 330.559/SC. Consta, na
ementa daquela decisão que:
Na verdade, qualquer pessoa ao confrontar-se com o Estado em sua
atividade persecutória, deve ter a proteção jurídica contra eventual tentativa
de induzir-lhe à produção de prova favorável ao interesse punitivo estatal,
especialmente se do silêncio puder decorrer responsabilização penal do próprio
depoente.
STJ. 6ª Turma. HC
330559/SC, Rel. Min. Rogerio Schietti, DJe 9/10/2018.
No caso, a absolvição em primeira
instância foi revista pelo Tribunal que, acolhendo a apelação interposta pela
acusação, condenou o réu pela prática do delito incurso no art. 33, caput, da
Lei nº 11.343/2006.
Na linha argumentativa
desenvolvida a negativa do réu em juízo quanto à comissão do delito seria
estratégia para evitar a condenação. As exatas palavras utilizadas no acórdão
recorrido foram que: “Fosse verdadeira a frágil negativa judicial, certamente o
réu a teria apresentado perante a autoridade policial, quando entretanto,
valeu-se do direito constitucional ao silêncio, comportamento que, se por um
lado não pode prejudicá-lo, por outro permite afirmar que a simplória negativa
é mera tentativa de se livrar da condenação”. Houve, portanto, violação direta
ao art. 186 do CPP.
O raciocínio enviesado que
concedeu inequívoco valor de verdade à palavra dos policiais e que interpretou
a negativa do acusado em juízo como mentira, teve o silêncio do réu em sede
policial como ponto de partida. A instância de segundo grau erroneamente
preencheu o silêncio do réu com palavras que ele pode nunca ter pronunciado, já
que, do ponto de vista processual-probatório, tem-se apenas o que os policiais
afirmaram haver escutado, em modo informal, ainda no local do fato.
Decidiu o Tribunal estadual,
então, que, se de um lado havia razões para crer que o réu mentia em juízo, de
outro, estavam os desembargadores julgadores autorizados a acreditar que os
policiais é que traziam relatos correspondentes à realidade, ao afirmarem:
1) que avistaram o acusado
descartando as drogas que foram encontradas no chão;
2) que a balança de precisão que
estava no interior de um carro abandonado seria do acusado e, adicionalmente;
3) que ainda na cena do crime, o
recorrente haveria confessado informalmente que, sim, traficava.
Essa narrativa toma como verídica
uma situação em que o investigado ofereceu àqueles policiais,
desembaraçadamente, a verdade dos fatos, em retribuição à empatia com que fora
tratado por eles; como se houvesse confidenciado um segredo a novos amigos, e
não confessado a prática de um delito a agentes da lei. Se é que de fato o
acusado confirmou para os policiais que traficava por passar por dificuldades
financeiras, é ingenuidade supor que o tenha feito em cenário totalmente livre
da mais mínima injusta pressão.
O Tribunal incorreu em injustiças
epistêmicas de diversos tipos, seja por excesso de credibilidade conferido ao
testemunho dos policiais, seja a injustiça epistêmica cometida contra o réu, ao
lhe conferir credibilidade justamente quando menos teve oportunidade de atuar
como sujeito de direitos.
Nesse contexto, é preciso
reconhecer que, se se pretende aproveitar a palavra do policial, impõe-se a
exigência de respaldo probatório que vá além do silêncio do investigado ou réu.
O silêncio não descredibiliza o imputado e não autoriza que magistrados
concedam automática presunção de veracidade às versões sustentadas por
policiais.
Por fim, ante a manifesta
escassez probatória que - em violação ao art. 186 do CPP - se extraiu do
silêncio do acusado inferências que a lei não autoriza extrair, impõe-se
reconhecer que o standard probatório próprio do processo penal, para a
condenação, não foi superado.
Em suma:
STJ. 6ª
Turma. REsp 2.037.491-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 6/6/2023 (Info
780).
DOD Plus – fique atenta (o) para essas expressões
mencionadas no acórdão do STJ:
1) Injustiça epistêmica
testemunhal
Conforme nos ensinam os seus estudiosos, sociedades marcadas
por preconceitos identitários — como, aliás, é o caso da sociedade brasileira —
acabam por apresentar trocas comunicativas injustas. Por vezes, a pessoa deixa
de ser considerada enquanto sujeito capaz de conhecer o mundo adequadamente
pelo simples fato de ser quem é. Sobre essas situações, Miranda Fricker explica
que se comete uma injustiça epistêmica testemunhal quando um ouvinte reduz a
credibilidade do relato oferecido por um falante por ter, contra ele, ainda que
não de forma consciente e deliberada, algum(s) preconceito(s) identitário(s)
(FRICKER, Miranda. Epistemic
Injustice: Power and the ethics of knowing. Oxford: Oxford University Press,
2007). Negros em sociedades racistas, mulheres e pessoas LGBTQIA+ em
sociedades machistas, pessoas com deficiência em sociedades capacitistas são
alguns exemplos de vítimas sistemáticas de injustiça epistêmica testemunhal. Indivíduos
provenientes de grupos sociais vulnerabilizados têm de enfrentar o peso dessa
realidade opressora nos mais diversos contextos, inclusive no contexto da
justiça criminal.
2) Injustiça epistêmica
agencial (múltiplas injustiças epistêmicas contra um mesmo sujeito)
Ademais, analisando o fenômeno das falsas confissões, autores como
Jennifer Lackey sinalizam que o sistema de justiça acaba praticando múltiplas injustiças
epistêmicas contra um mesmo sujeito: ao confessar (ainda que sob
tortura, maus tratos, ameaça, pressão psicológica etc.), o investigado/acusado
tem rapidamente reconhecida a sua credibilidade; quando, ao contrário, busca se
retratar, já não é considerado merecedor do mais mínimo grau de credibilidade.
Trata-se de um paradoxo: acreditam que o relato do sujeito corresponde a uma
correta reconstrução dos fatos precisamente quando ele tem menos preservada a
sua autonomia cognitiva; de outro lado, quando mais pode trazer declarações
confiáveis, porquanto emitidas sem injustas pressões externas, aí é que não se
observa mínima disposição para acreditar em suas palavras. Essa falaciosa
economia de credibilidades que o sistema de justiça oferece a um único e mesmo
sujeito em distintos momentos constitui claro exemplo do que Lackey nomeou de injustiça epistêmica
agencial (LACKEY, Jennifer. False confessions and testimonial injustice. In Journal of Criminal Law
& Criminology, v. 110, p. 43-68, p. 60, 2020).
Veja o que a doutrina fala sobre (palavras-chave:
injustiça epistêmica agencial, confissão, valoração da prova):
“Expandindo os trabalhos originais de
Fricker, Jennifer Lackey propôs recentemente a ideia de injustiça epistêmica agencial (agential epistemic injustice) –
ou injustiça testemunhal agencial – para se
referir à categoria de injustos caracterizados pelo excesso de credibilidade
atribuído à fala de um sujeito nas situações em que sua capacidade de
autodeterminação (agência) é diminuída ou suprimida, aliado ao déficit de
credibilidade que o mesmo sujeito recebe quando, em um cenário de maior
agência, retrata-se da narrativa primeva. O principal fenômeno processual penal
que interessa à injustiça epistêmica agencial é a confissão extrajudicial e sua
retratação em juízo – especificamente na maior confiabilidade atribuída por
Tribunais, promotores e policiais à primeira confissão prestada pelo
investigado, ainda no inquérito, quando confrontada com a retratação judicial.
Constatou Lackey que, não raro, o único momento em que o réu recebe alguma
credibilidade no processo penal é quando confirma o teor da acusação, independentemente
do grau de voluntariedade de suas palavras (isto é, do seu nível de agência
epistêmica quando da extração da confissão). Se, posteriormente, retrata-se da
confissão e passa a afirmar sua inocência, é improvável que essa nova postura
encontre a mesma receptividade entre os agentes encarregados da persecução
penal.” (DANTAS, Marcelo; MOTTA, Thiago. Injustiça epistêmica agencial no
processo penal e o problema das confissões extrajudiciais retratadas. DOI: https://doi.org/10.22197/rbdpp.v9i1.791).
3) Racismo estrutural
Nessa perspectiva, e ante a circunstância de que o
recorrente é pardo, cabe a lembrança do pensamento de Sueli Carneiro, acerca do
racismo estrutural que permeia a sociedade brasileira: "No caso do negro,
a cor opera como metáfora de um crime de origem da qual a cor é uma espécie de
prova, marca ou sinal que justifica a presunção de culpa. Para Foucault,
'ninguém é suspeito impunemente', ou seja, a culpa presumida pelo a priori
cromático desdobra-se em punição a priori, preventiva e educativa. A suspeição
transforma a cena social para os negros em uma espécie de panóptico virtual, 'a
vigilância sobre os indivíduos se exerce ao nível não do que se faz, mas do que
se é, não do que se faz, mas do que se pode fazer'. Assim, a própria cena
social é onde se realiza a vigilância e a punição como tecnologias de controle
social". (CARNEIRO, Sueli. Dispositivo de racialidade: a construção do
outro como não ser como fundamento do ser. Rio de Janeiro: Zahar, 2023, p. 125)
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Confira abaixo o índice. Bons estudos.
ÍNDICE DO INFORMATIVO 780 DO STJ
DIREITO ADMINISTRATIVO
LICITAÇÕES
§ A
administração pública deverá pagar às empresas pelos serviços executados, bem
como pelos subcontratados, mesmo que essas contratações tenham sido feitas de
forma verbal, sem licitação e sem observância da lei?
DIREITO CIVIL
CONTRATO DE PARCERIA AGRÍCOLA
§ O penhor
sobre os frutos outorgado em benefício de terceiro prevalece sobre o direito da
parceira outorgante.
DIREITO EMPRESARIAL
FALÊNCIA
§ A
responsabilidade solidária e a extensão dos efeitos da falência ao sócio
diretor da sociedade somente são admitidas se ficar reconhecido, em processo
autônomo, que ele praticou atos que tenham resultado na falência.
RECUPERAÇÃO JUDICIAL
§ Se o juízo
trabalhista não é informado da cláusula negocial de exoneração dos coobrigados,
aplica-se a regra geral de preservação do direito dos credores contra os
coobrigados.
§ O depósito da
indenização (seguro garantia judicial), pela seguradora, no curso de execução
trabalhista, somente pode ser exigido na hipótese de o sinistro ter ocorrido em
momento anterior ao pedido de recuperação judicial da empresa executada.
DIREITO PROCESSUAL
CIVIL
TUTELA PROVISÓRIA
§ Não atendido
o prazo legal de 30 dias para formulação do pedido principal em tutela cautelar
requerida em caráter antecedente, a medida concedida perderá a sua eficácia e o
procedimento de tutela antecedente será extinto sem exame do mérito.
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO
§ Os embargos
de declaração interrompem o prazo apenas para a interposição de recurso, não
sendo possível conferir interpretação extensiva ao art. 1.026 do CPC a fim de
estender o significado de recurso a quaisquer defesas apresentadas.
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA
§ É possível a
oposição de embargos de divergência fundado em acórdão paradigma do mesmo órgão
julgador que proferiu a decisão embargada?
CUMPRIMENTO DE SENTENÇA
§ É necessária
a intimação da parte executada na fase de cumprimento de sentença, mesmo que
ela tenha sido citada na fase de conhecimento e não tenha constituído
procurador, verificando-se a revelia.
EXECUÇÃO
§ É possível,
no bojo de cumprimento de sentença, a penhora de valores na conta corrente da
esposa do devedor, casada em regime da comunhão universal de bens,
observando-se a respectiva meação.
DIREITO PROCESSUAL
PENAL
ANPP
§ O § 14 do
art. 28-A do CPP garante a possibilidade de o investigado requerer a remessa
dos autos a órgão superior do MP nas hipóteses em que a acusação tenha se
recusado a oferecer o ANPP; essa remessa não suspende a tramitação da ação
penal.
COMPETÊNCIA
§ A inserção de
dados falsos em sistema de dados federais não fixa, por si só, a competência da
Justiça Federal, a qual somente é atraída quando houver ofensa direta a bens,
serviços ou interesses da União ou órgão federal.
PROVAS
§ O exercício
do direito ao silêncio não pode servir de fundamento para descredibilizar o
acusado nem para presumir a veracidade das versões sustentadas por policiais,
sendo imprescindível a superação do standard probatório próprio do processo
penal a respaldá-las.
PRISÃO DOMICILIAR
§ O afastamento
da prisão domiciliar para mulher gestante ou mãe de filho menor de 12 anos
exige fundamentação idônea e casuística.
TRIBUNAL DO JÚRI
§ Diante de
recurso de apelação com base no art. 593, III, d, do CPP, é imprescindível que
o Tribunal avalie a prova dos autos a fim perquirir se há algum elemento que ampare
o decidido pelos jurados.
DIREITO PREVIDENCIÁRIO
BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE
§ A previsão
legal de manutenção da qualidade de segurado, contida no art. 15, I, da Lei
8.213/91, inclui os benefícios deferidos por decisão de caráter provisório,
ainda que seja futuramente revogada.