A situação concreta, com
adaptações, foi a seguinte:
Alguns Ministros de Estado participavam dos conselhos de
administração de empresas estatais (ex: Itaipú) e, por isso, estavam recebendo
“jetons”, o que fazia com que a remuneração auferida no mês ficasse acima do
teto constitucional.
Jetom (em
francês: jeton) é o pagamento que, no Brasil, recebem servidores públicos
federais em razão da participação como representantes da União em Conselhos de
Administração e Fiscal — ou em órgãos equivalentes — de pessoas jurídicas
controladas direta ou indiretamente pela União. (https://pt.wikipedia.org/wiki/Jetom)
A autorização legal para essa acumulação está prevista no
parágrafo único do art. 119 da Lei nº 8.112/90:
Art. 119. O servidor não poderá
exercer mais de um cargo em comissão, exceto no caso previsto no parágrafo único
do art. 9º, nem ser remunerado pela participação em órgão de deliberação
coletiva.
Parágrafo único. O disposto neste
artigo não se aplica à remuneração devida pela participação em conselhos de
administração e fiscal das empresas públicas e sociedades de economia mista,
suas subsidiárias e controladas, bem como quaisquer empresas ou entidades em
que a União, direta ou indiretamente, detenha participação no capital social,
observado o que, a respeito, dispuser legislação específica. (Redação dada pela
Medida Provisória nº 2.225-45, de 4.9.2001)
João ajuizou ação popular contra
a União, contra quatorze empresas públicas e sociedades de economia mista e
contra as pessoas físicas que ocupavam os cargos de Ministros de Estado.
Alegou que o fato de os Ministros
de Estado estarem recebendo acima do teto remuneratório representava violação à
Constituição Federal.
Primeira pergunta: é
possível essa acumulação?
SIM. O STF decidiu que:
A autorização para que servidores públicos participem de
conselhos de administração e fiscal das empresas públicas e sociedades de
economia mista, suas subsidiárias e controladas, bem como entidades sob
controle direto ou indireto da União não contraria a vedação à acumulação
remunerada de cargos, empregos e funções públicas trazida nos incisos XVI e
XVII do art. 37 da Constituição, uma vez que essa atuação como conselheiro não
representa exercício de cargo ou função pública em sentido estrito.
Embora usualmente designados “cargo de conselheiro” ou “função
de conselheiro”, a atuação como conselheiro pelo servidor público não significa
exercício de novo cargo, emprego ou função público em sentido estrito, que é
aquele considerado pelos incisos XVI e XVII da Carta Política.
STF. Plenário. ADI 1485, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em
21/02/2020.
Segunda pergunta: o valor
recebido por Ministros de Estado pela participação em conselhos de empresas
públicas e sociedades de economia mista, e suas subsidiárias, submete-se ao
teto remuneratório constitucional?
Em regra: NÃO.
Em regra, o valor recebido por
Ministros de Estado pela participação em conselhos de empresas públicas e
sociedades de economia mista, e suas subsidiárias, não se submete ao teto
remuneratório constitucional.
Exceção: deve ser respeitado o teto
se a empresa pública ou sociedade de econômica mista receber recursos da União,
dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios para pagamento de despesas
de pessoal ou de custeio em geral.
Teto remuneratório
A CF/88 prevê, em seu art. 37, XI, o
chamado “teto remuneratório”, ou seja, o valor máximo que os agentes públicos
podem receber no país. O objetivo do constituinte foi o de evitar que alguns
agentes públicos recebessem os chamados “supersalários”, que são incompatíveis
com o serviço público.
Além de um teto geral (nacional), o
dispositivo constitucional prevê limites específicos para o âmbito dos Estados
e Municípios (chamados de subtetos).
O teto geral do serviço público no
Brasil é o subsídio dos Ministros do STF.
Veja o que diz a Lei nº 14.520/2023:
Art. 1º O subsídio mensal de
Ministro do Supremo Tribunal Federal, referido no inciso XV do caput do art. 48
da Constituição Federal, observado o disposto no art. 3º desta Lei, será de R$ 46.366,19
(quarenta e seis mil trezentos e sessenta e seis reais e dezenove centavos),
implementado em parcelas sucessivas, não cumulativas, da seguinte forma:
I - R$ 41.650,92 (quarenta e um
mil seiscentos e cinquenta reais e noventa e dois centavos), a partir de 1º de
abril de 2023;
II - R$ 44.008,52 (quarenta e
quatro mil e oito reais e cinquenta e dois centavos), a partir de 1º de
fevereiro de 2024;
III - R$ 46.366,19 (quarenta e
seis mil trezentos e sessenta e seis reais e dezenove centavos), a partir de 1º
de fevereiro de 2025.
A quem se aplica o teto?
Aplica-se aos agentes públicos,
independentemente do tipo de vínculo: estatutário, celetista, temporário,
comissionado, político.
O teto se aplica à Administração direta
e indireta?
• Agentes públicos da administração direta: SEMPRE
• Agentes públicos das autarquias e fundações: SEMPRE
• Empregados públicos das empresas públicas e sociedades de
economia mista: o teto somente se aplica se a empresa pública ou a sociedade de
economia mista receber recursos da União, dos Estados, do DF ou dos Municípios
para pagamento de despesas de pessoal ou de custeio em geral. É o que prevê o
art. 37, § 9º, da CF/88:
Art. 37 (...)
§ 9º O disposto no inciso XI aplica-se às empresas públicas e às
sociedades de economia mista, e suas subsidiárias, que
receberem recursos da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios
para pagamento de despesas de pessoal ou de custeio em geral.
Desse modo, consoante o disposto
no § 9º do art. 37 da Constituição Federal, a regra do teto remuneratório
aplica-se às empresas estatais que recebam recursos da Fazenda Pública para
pagamento de despesas de pessoal e de custeio em geral.
Logo, as empresas públicas e
sociedades de economia mista que não receberem recursos da Fazenda Pública para
despesas de pessoal e para custeio em geral não estão submetidas ao teto.
Essa exceção existe porque as
empresas públicas e sociedades de economia mista que não recebem recursos da
Administração Pública são aquelas que disputam o mercado, desenvolvendo
atividades econômicas. Assim, é necessário que os salários pagos sejam
compatíveis com a remuneração praticada no mercado, o que leva muitas vezes a
remunerações mais altas que o teto. Exemplo em nível federal: Petrobrás.
O teto refere-se à
remuneração de Ministro; a atuação no conselho é um serviço extra
Quando a norma Constitucional
estabelece que o valor recebido por Ministros de Estado não poderá exceder o
subsídio mensal dos Ministros do STF, está a se referir à parcela
especificamente vinculada ao cargo de Ministro de Estado, não englobando o
valor relativo à atividade sui generis e autônoma de membro de Conselho.
Tal função inegavelmente gera carga de trabalho extra, cuja retribuição
pecuniária passou a ser devida com a promulgação da Lei n. 9.292/1996, e não
está abarcada pelo teto do inciso XI do art. 37 da Constituição Federal, que se
refere inegavelmente às variadas espécies remuneratórias relativas ao cargo de
Ministro de Estado e não, repita-se, de outra função, como a de conselheiro,
cuja remuneração não possui origem diretamente pública.
Noutras palavras, um Ministro de
Estado recebe, como contraprestação do exercício de seu cargo, subsídio
limitado ao teto. Se, ademais, também estiver ocupando a função, em sentido
amplo (portanto não a função em sentido estrito constante do inciso IX do art. 37
da Constituição Federal), de Conselheiro, receberá outro valor, que não tem
origem nos cofres públicos, como contrapartida pelas atividades realizadas
perante o Conselho.
Frise-se, também, que as empresas
estatais têm natureza jurídica privada, sendo também privada, portanto, a verba
repassada aos conselheiros.
Não é demais repisar que a
própria Constituição, em seu art. 37, § 9º, estabelece que o teto remuneratório
“aplica-se às empresas públicas e às sociedades de economia mista, e suas
subsidiárias, que receberem recursos da União, dos Estados, do Distrito Federal
ou dos Municípios para pagamento de despesas de pessoal ou de custeio em geral”.
A contrário sensu, não se aplica às estatais autossuficientes, que não recebem
verbas públicas para pagamento de despesas de pessoal ou de custeio em geral.
Por fim, concluir de forma
diversa levaria à injusta criação de duas classes diversas de conselheiros:
aqueles que não fossem oriundos da Administração Pública receberiam normalmente
o valor aqui em discussão, enquanto que os demais trabalhariam sem essa
contraprestação pecuniária.
Em suma:
O valor recebido por Ministros de Estado pela
participação em conselhos de empresas públicas e sociedades de economia mista,
e suas subsidiárias, não se submete ao teto remuneratório constitucional, salvo
no caso de as estatais receberem recursos da União, dos Estados, do Distrito
Federal ou dos Municípios para pagamento de despesas de pessoal ou de custeio
em geral.
STJ. 2ª Turma. AC 46-RS, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em
23/5/2023 (Info 776).
Julgado
correlato
O teto constitucional remuneratório não incide sobre os salários
pagos por empresas públicas e sociedades de economia mista, e suas
subsidiárias, que não recebam recursos da Fazenda Pública.
STF. Plenário. ADI 6584/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em
21/5/2021 (Info 1018).