domingo, 30 de julho de 2023
Em ação reivindicatória, constatada a existência de dois títulos de propriedade para o mesmo bem imóvel, prevalecerá o primeiro título aquisitivo registrado
Imagine a seguinte situação
hipotética:
João, proprietário de um terreno,
alienou o imóvel para Pedro em 07/12/2007, conforme escritura pública arquivada
no 1º Ofício de Registro de Imóveis.
Após o registro imobiliário,
Pedro foi até o local para se imitir na posse, mas foi impedido por Ricardo,
que disse ser o legítimo proprietário.
Constatou-se que Ricardo teria se
tornado proprietário desse lote por meio de ação de usucapião, que foi julgada
procedente e transcrita no 3º Ofício de Registro de Imóveis, mediante mandado,
em 05/02/2006.
Assim, quando Pedro comprou o
imóvel, em 2007, Ricardo já tinha se tornado proprietário, em 2006, em razão da
sentença de usucapião.
Inconformado, Pedro ajuizou ação
reivindicatória contra Ricardo.
Durante a instrução, ficou
demonstrado que realmente houve duplicidade de registro.
Diante disso, o juízo de primeira
instância julgou improcedente o pedido de Pedro sob o argumento de que a
propriedade do réu é válida e sua posse não é injusta, já que, assim como o
autor, também tem um título de propriedade hígido.
Logo, constatada a existência de
dois títulos de propriedade para o mesmo bem imóvel, deve prevalecer o primeiro
título aquisitivo registrado, qual seja, o de Ricardo.
O STJ concordou com a
solução jurídica dada pelo magistrado?
SIM.
A reivindicatória é uma demanda petitória, ou seja, busca,
nos termos do art. 1.228 do Código Civil, reaver a coisa de quem injustamente a
possua:
Art. 1.228. O proprietário tem a
faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de
quem quer que injustamente a possua ou detenha.
Diante disso, é preciso averiguar
não só se o autor da ação tem a propriedade (título registrado em cartório),
mas também se a posse do réu é injusta.
O juízo de primeira instância
julgou improcedente o pedido reivindicatório porque a posse do réu não é
injusta, já que, assim como o autor, também tem um título de propriedade
hígido.
Para o magistrado, o autor não
conseguiu provar que o título do réu é írrito (nulo, inválido). Essa linha de
argumentação da sentença está rigorosamente de acordo com o art. 1.228 do
Código Civil.
A posse injusta a que alude o
dispositivo não é somente aquela referida no art. 1.200 do CC (violenta,
clandestina e precária), mas também “aquela sem causa jurídica a justificá-la,
sem um título, uma razão que permita ao possuidor manter consigo a posse de
coisa alheia. Em outras palavras, pode a posse não padecer dos vícios da
violência, clandestinidade e precariedade e, ainda assim, ser injusta para
efeito reivindicatório. Basta que o possuidor não tenha um título para sua
posse (Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência/Claudio Luiz Bueno de
Godoy...et al; coordenação Cezar Peluso. - 15ª ed. - Barueri - SP: Manole,
2021, p. 1.124-1.125).
Ao se falar de posse, não se está
trazendo para demanda petitória o ius possessionis, dado que, como
visto, não se trata do direito de posse, mas do direito à posse, como
decorrência lógica da relação de propriedade preexistente (ius possidendi);
é a prevalência do direito de propriedade do réu sobre o do autor.
Não altera esse entendimento o
fato de a cadeia dominial do autor remontar ao ano de 1900, anterior à data do
registro do réu (1974), pois estando esta fundamentada em usucapião, depurou
qualquer propriedade de outro sujeito de direito, pois o “direito do
usucapiente não se funda sobre o direito do titular precedente, não
constituindo este direito o pressuposto daquele, muitos menos lhe determinando
a existência, as qualidades e a extensão” (Código Civil comentado: doutrina e
jurisprudência/Claudio Luiz Bueno de Godoy...et al; coordenação Cezar Peluso. -
15ª ed. - Barueri - SP: Manole, 2021, p. 1.139).
Assim, tendo o registro do réu prioridade
sobre o do autor, foi observado o princípio da prioridade.
Em suma:
Qual propriedade deve prevalecer caso existam dois
títulos de propriedade, ambos tidos como legítimos e ostentados, com registros
distintos em cartórios diferentes na mesma cidade?
O primeiro registrado. Se ambos os registros foram
considerados hígidos, prevalece o antecedente sobre o posterior.
Em ação reivindicatória, constatada a existência de
dois títulos de propriedade para o mesmo bem imóvel, prevalecerá o primeiro
título aquisitivo registrado.
STJ. 4ª
Turma. REsp 1.657.424-AM, Rel. Ministro Raul Araújo, julgado em 16/5/2023 (Info
777).