O caso concreto foi o seguinte:
No Ceará, foi editada a Lei nº 16.820/2019 proibindo a
pulverização aérea de agrotóxicos na agricultura:
Lei nº 16.820/2019
Art. 1º Fica criado o art. 28-B na Lei
Estadual nº 12.228, de 9 de dezembro de 1993, com a seguinte redação:
Art. 28-B. É
vedada a pulverização aérea de agrotóxicos na agricultura no Estado do Ceará.
§ 1º A infração
ao art. 1º sujeita o infrator ao pagamento de multa de 15 mil (quinze mil)
UFIRCEs.
§ 2º Fica
proibida a incorporação de mecanismos de controle vetorial por meio de
dispersão por aeronave em todo o Estado do Ceará, inclusive para os casos de
controle de doenças causadas por vírus.
O que o STF decidiu? Essa lei é
constitucional?
SIM.
A jurisprudência do STF é firme no sentido de que a proteção
do meio ambiente e a defesa da saúde são matérias de competência concorrente da
União, dos Estados e do Distrito Federal, nos termos do art. 23, II e VI e art.
24, VI e XII, CF/88:
Art. 23. É competência comum da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
(...)
II - cuidar da saúde e assistência
pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;
(...)
VI - proteger o meio ambiente e
combater a poluição em qualquer de suas formas;
Art. 24. Compete à União, aos Estados e
ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
(...)
VI - florestas, caça, pesca, fauna,
conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do
meio ambiente e controle da poluição;
(...)
XII - previdência social, proteção e
defesa da saúde;
Nesse contexto, o legislador
cearense, atuando dentro da competência concorrente, proibiu a utilização da
técnica de pulverização aérea em seu território sem contrariar a legislação
federal.
A única lei federal que trata sobre o tema é a Lei nº
7.802/89, a qual se limita, contudo, a traçar os parâmetros gerais sobre a
matéria e estabelecer atividades de coordenação e ações integradas. Veja:
Art. 9º No exercício de sua
competência, a União adotará as seguintes providências:
I - legislar sobre a produção,
registro, comércio interestadual, exportação, importação, transporte,
classificação e controle tecnológico e toxicológico;
II - controlar e fiscalizar os
estabelecimentos de produção, importação e exportação;
III - analisar os produtos agrotóxicos,
seus componentes e afins, nacionais e importados;
IV - controlar e fiscalizar a produção,
a exportação e a importação.
Além disso, a lei federal é expressa ao preservar a
competência legislativa dos Estados. Confira:
Art. 10. Compete aos Estados e ao Distrito
Federal, nos termos dos arts. 23 e 24 da Constituição Federal, legislar sobre o
uso, a produção, o consumo, o comércio e o armazenamento dos agrotóxicos, seus
componentes e afins, bem como fiscalizar o uso, o consumo, o comércio, o
armazenamento e o transporte interno.
Logo, a lei estadual não afrontou
nenhum dispositivo da lei federal.
A lei estadual foi baseada em
estudos técnicos que constataram os riscos envolvidos pela prática de
pulverização aérea de agrotóxicos. Além disso, as peculiaridades locais tornam
proporcional a vedação estabelecida em favor do direito à saúde e dos
princípios constitucionais da prevenção e da precaução.
Vale ressaltar que a livre
iniciativa não impede a regulamentação das atividades econômicas pelo Estado,
notadamente quando ela se mostrar indispensável ao resguardo de outros valores
constitucionais.
O STF tem privilegiado a
proibição do retrocesso socioambiental, ao ponderar o direito à livre
iniciativa com a defesa do meio ambiente e a proteção da saúde humana.
Importante destacar, por fim,
algo que é muito relevante tanto para a prática forense como para os concursos
públicos: “Não há óbice constitucional a que os Estados editem normas mais
protetivas à saúde e ao meio ambiente quanto à utilização de agrotóxicos.”
Em suma:
É constitucional norma estadual que veda a
pulverização aérea de agrotóxicos na agricultura local e sujeita o infrator ao
pagamento de multa.
Essa norma representa maior proteção à saúde e ao
meio ambiente se comparada com as diretrizes gerais fixadas na legislação
federal. Além disso, essa norma estabelece restrição razoável e proporcional às
técnicas de aplicação de pesticidas.
STF.
Plenário. ADI 6137/CE, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 29/05/2023 (Info
1096).
Com base nesses entendimentos, o
Plenário, por unanimidade, conheceu parcialmente da ação e, nesta extensão, a
julgou improcedente para reconhecer a constitucionalidade do § 1º e do caput do art. 28-B da Lei nº 12.228/93
do Estado do Ceará, incluídos pela Lei estadual nº 16.820/2019.