Imagine a seguinte situação
hipotética:
Pedro, 17 anos, foi sentenciado a
cumprir medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade.
Ele iniciou o cumprimento, no entanto,
uma semana depois, deixou de comparecer sem qualquer justificativa.
O magistrado foi informado e determinou
a expedição de mandado de busca e apreensão com o objetivo de fazer com que o
adolescente fosse conduzido ao juízo para uma audiência de apresentação e
justificativa.
Vale ressaltar que, nesta data, o
adolescente já havia completado 18 anos.
Os policiais foram cumprir o mandado
de busca e apreensão na casa indicada como sendo a residência de Pedro. Ao
chegarem no local, foram recebidos por ele.
Os policiais explicaram o objetivo do
mandado e ingressaram na casa.
A guarnição policial escutou o som de
um rádio comunicador que estava em cima de uma televisão.
Indagado a respeito, Pedro confessou
que possuía envolvimento com o tráfico de drogas exercendo a função de “olheiro”
das “bocas de fumo” do bairro, anunciando para os traficantes, via rádio,
quando policiais chegavam no local.
Realizadas buscas na residência, os
militares localizaram na gaveta do quarto um cigarro de maconha, uma base para
carregador de rádio comunicador e uma bateria reserva para o mesmo tipo de
rádio.
Pedro foi condenado por porte de drogas para consumo próprio
(art. 28 da Lei nº 11.343/2006) e pelo delito do art. 37 da Lei nº 11.343/2006:
Art. 37. Colaborar, como
informante, com grupo, organização ou associação destinados à prática de
qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º , e 34 desta Lei:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6
(seis) anos, e pagamento de 300 (trezentos) a 700 (setecentos) dias-multa.
O réu interpôs recurso de apelação
alegando a ilicitude das provas obtidas, em razão do ingresso dos policiais
militares na residência do réu sem o devido mandado de busca e apreensão.
O Tribunal de Justiça do Estado de
Minas Gerais negou provimento ao recurso da defesa.
Irresignada, a defesa interpôs recurso
especial alegando, em síntese, a nulidade da prova obtida mediante violação de
domicílio, considerando que o mandado de busca e apreensão tinha como
finalidade a apreensão e apresentação do adolescente na delegacia competente e
posteriormente ao magistrado e não autorização judicial para busca e apreensão
em sua residência.
O STJ concordou com os argumentos da
defesa?
SIM.
O Supremo Tribunal Federal, por
ocasião do julgamento do RE 603.616/RO, submetido à sistemática da repercussão
geral (Tema 280/STF), firmou o entendimento de que:
A entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita,
mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente
justificadas “a posteriori”, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de
flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente
ou da autoridade, e de nulidade dos atos praticados.
STF. Plenário. RE 603616/RO, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em
4 e 5/11/2015 (repercussão geral – Tema 280) (Info 806).
No caso, policiais militares, em
cumprimento a um mandado judicial expedido para busca e apreensão de menor, se
deslocaram juntamente com a Polícia Civil para o endereço informado no mandado.
Chegando ao imóvel, a equipe policial foi recebida pelo denunciado, que foi
informado do motivo da presença policial. Logo em seguida, quando os agentes
começaram a entrar na residência, a equipe policial escutou o som de um
dispositivo de comunicação que estava em cima de uma televisão, sendo
facilmente visualizado.
Para o STJ, não havia “fundadas
razões” que levassem à conclusão de que no interior da residência estava sendo
praticado algum crime. Em outras palavras, antes de os policiais entrarem na
casa, eles não sabiam nem tinham “fundadas razões” para achar que ali estava
sendo cometido algum crime. Logo, não poderiam ter ingressado no domicílio do
réu.
Vale ressaltar, ainda, que que a
expedição de mandado de busca e apreensão de menor não autoriza o ingresso no
domicílio. O art. 283, § 2º, do CPP determina, expressamente, que em
cumprimento de mandado de prisão – ou busca e apreensão de menor, como no caso
em tela –, “[a] prisão poderá ser efetuada em qualquer dia e a qualquer hora,
respeitadas as restrições relativas à inviolabilidade do domicílio”, o que
demonstra a ilegalidade da presente diligência porquanto os próprios agentes
policiais informaram que perceberam a presença do rádio comunicador quando já
estavam dentro da residência.
Ressalte-se, por fim, que o STJ
fixou as seguintes teses sobre o tema:
1) Na hipótese de suspeita de crime em flagrante, exige-se, em
termos de standard probatório para ingresso no domicílio do suspeito sem
mandado judicial, a existência de fundadas razões (justa causa), aferidas de
modo objetivo e devidamente justificadas, de maneira a indicar que dentro da
casa ocorre situação de flagrante delito.
2) O tráfico ilícito de entorpecentes, em que pese ser
classificado como crime de natureza permanente, nem sempre autoriza a entrada
sem mandado no domicílio onde supostamente se encontra a droga. Apenas será
permitido o ingresso em situações de urgência, quando se concluir que do atraso
decorrente da obtenção de mandado judicial se possa objetiva e concretamente
inferir que a prova do crime (ou a própria droga) será destruída ou ocultada.
3) O consentimento do morador, para validar o ingresso de
agentes estatais em sua casa e a busca e apreensão de objetos relacionados ao
crime, precisa ser voluntário e livre de qualquer tipo de constrangimento ou
coação.
4) A prova da legalidade e da voluntariedade do consentimento
para o ingresso na residência do suspeito incumbe, em caso de dúvida, ao
Estado, e deve ser feita com declaração assinada pela pessoa que autorizou o
ingresso domiciliar, indicando-se, sempre que possível, testemunhas do ato. Em
todo caso, a operação deve ser registrada em áudio-vídeo e preservada tal prova
enquanto durar o processo.
5) A violação a essas regras e condições legais e
constitucionais para o ingresso no domicílio alheio resulta na ilicitude das
provas obtidas em decorrência da medida, bem como das demais provas que dela
decorrerem em relação de causalidade, sem prejuízo de eventual
responsabilização penal do(s) agente(s) público(s) que tenha(m) realizado a
diligência.
STJ. 5ª Turma.
HC 616584/RS, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 30/03/2021.
STJ. 6ª Turma.
HC 598051/SP, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, julgado em 02/03/2021
(Info 687).
Em suma:
STJ. 6ª
Turma. AgRg no REsp 2.009.839-MG, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado
em 9/5/2023 (Info 776).