Dizer o Direito

sábado, 10 de junho de 2023

O recebimento de adicional de insalubridade, por si só, não é suficiente para comprovação do efetivo exercício de atividade especial

O que é aposentadoria especial?

Aposentadoria especial é aquela cujos requisitos e critérios exigidos do beneficiário são mais favoráveis que os estabelecidos normalmente para as demais pessoas.

 

Quem tem direito à aposentadoria especial no serviço público?

Antes da Reforma da Previdência (EC 103/2019), a Constituição Federal dizia o seguinte:

Art. 40 (...) § 4º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados, nos termos definidos em leis complementares, os casos de servidores:

I - portadores de deficiência;

II - que exerçam atividades de risco;

III - cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física.

 

O § 4º do art. 40 da CF exigia, portanto, que fossem editadas leis complementares definindo os critérios para a concessão da aposentadoria especial aos servidores públicos em cada uma das hipóteses dos incisos acima listados.

 

A lei complementar de que trata o inciso III já tinha sido editada?

NÃO.

 

O que acontecia, já que não existia a LC?

Como ainda não havia a referida lei complementar disciplinando a aposentadoria especial do servidor público, o STF reconheceu que o Presidente da República estava em “mora legislativa” por ainda não ter enviado ao Congresso Nacional o projeto de lei para regulamentar o antigo art. 40, § 4º, III da CF/88. Diante disso, o STF, ao julgar o Mandado de Injunção nº 721/DF (e vários outros que foram ajuizados depois), determinou que, enquanto não fosse editada a LC regulamentando o antigo art. 40, § 4º, III, da CF/88, deveriam ser aplicadas, aos servidores públicos, as regras de aposentadoria especial dos trabalhadores em geral (regras do Regime Geral de Previdência Social — RGPS), previstas no art. 57 da Lei nº 8.213/91.

Logo, os servidores públicos que exerciam atividades sob condições especiais que prejudiquem a sua saúde ou integridade física (antigo art. 40, § 4º, III da CF/88) teriam direito de se aposentar com menos tempo de contribuição que os demais agentes públicos.

O STF editou uma súmula espelhando o entendimento:

Súmula vinculante 33-STF: Aplicam-se ao servidor público, no que couber, as regras do Regime Geral de Previdência Social sobre aposentadoria especial de que trata o artigo 40, parágrafo 4º, inciso III, da Constituição Federal, até edição de lei complementar específica.

 

Vale ressaltar que a SV 33-STF somente trata sobre a aposentadoria especial do servidor público baseada no inciso III do § 4º do art. 40 da CF/88 (atividades sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física), não abrangendo as hipóteses dos incisos I (deficientes) e II (atividades de risco).

 

Regime posterior à EC 103/2019 (regime atual)

A Reforma da Previdência (EC 103/2019) alterou a redação do § 4º do art. 40:

CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Antes da EC 103/2019

Depois da EC 103/2019

Art. 40 (...)

§ 4º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados, nos termos definidos em leis complementares, os casos de servidores:

I - portadores de deficiência;

II - que exerçam atividades de risco;

III - cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física.

Art. 40 (...)

§ 4º É vedada a adoção de requisitos ou critérios diferenciados para concessão de benefícios em regime próprio de previdência social, ressalvado o disposto nos §§ 4º-A, 4º-B, 4º-C e 5º.

Não havia § 4º-C.

Art. 40 (...)

§ 4º-C. Poderão ser estabelecidos por lei complementar do respectivo ente federativo idade e tempo de contribuição diferenciados para aposentadoria de servidores cujas atividades sejam exercidas com efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, ou associação desses agentes, vedada a caracterização por categoria profissional ou ocupação.

 

A EC 103/2019 previu agora que ente federado poderá estabelecer, por lei complementar, idade e tempo de contribuição diferenciados para aposentadoria de servidores cujas atividades sejam exercidas com efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, ou associação desses agentes, vedada a caracterização por categoria profissional ou ocupação.

Desse modo, após EC 103/2019, não se pode mais afirmar que os servidores tenham direito à conversão com base na aplicação do regime geral. Para se ter direito à conversão, é necessário que o respectivo ente edite uma lei complementar prevendo.

 

Feitos esses esclarecimentos, imagine a seguinte situação hipotética ocorrida antes da EC 103/2019:

João trabalhou durante 20 anos no cargo de operador de tratamento de esgoto em uma autarquia municipal.

João recebeu adicional de insalubridade durante os anos em que exerceu essa função.

Em 2013, João requereu sua aposentadoria.

Ele pediu que os 20 anos em que trabalhou como operador de tratamento de esgoto fossem reconhecidos como tempo especial. O argumento invocado por João foi o de que nesse período ele recebeu adicional de insalubridade. Logo, teria ficado reconhecido o tempo especial.

 

O argumento invocado por João é acolhido pelo STJ? O simples fato de o trabalhador receber adicional por insalubridade significa que esse período tenha que ser reconhecido como especial para fins previdenciários?

NÃO.

O STJ possui jurisprudência consolidada no sentido de que:

A percepção de adicional de insalubridade pelo segurado, por si só, não lhe confere o direito de ter o respectivo período reconhecido como especial. Isso porque os requisitos para a percepção do direito trabalhista são distintos dos requisitos para o reconhecimento da especialidade do trabalho no âmbito da Previdência Social.

STJ. 2ª Turma. REsp 1.476.932/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 16/3/2015.

 

O recebimento de adicional de insalubridade, por si só, não é suficiente para comprovação do efetivo exercício de atividade especial.

STJ. 1ª Turma. AgInt no AREsp 219.422/PR, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe de 31/8/2016.

 

Em suma:

A percepção de adicional de insalubridade pelo segurado, por si só, não lhe confere o direito de ter o respectivo período reconhecido como especial, porquanto os requisitos para a percepção do direito trabalhista são distintos dos requisitos para o reconhecimento da especialidade do trabalho no âmbito da previdência social.

STJ. 2ª Turma. AgInt nos EDcl no AgInt no AREsp 1.865.832-SP, Rel. Min. Assusete Magalhães, julgado em 3/4/2023 (Info 773).

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