sexta-feira, 23 de junho de 2023
Em ação de cobrança de valores pretéritos ao ajuizamento de anterior mandado de segurança, os juros de mora devem ser contados a partir da citação da ação de cobrança ou a partir da notificação da autoridade coatora no writ?
Imagine a seguinte situação
hipotética:
Pedro, aposentado no cargo de
analista administrativo, recebe aposentadoria no valor de R$ 10 mil.
Em 10/02/2020, o Estado passou a
pagar uma gratificação a todos os analistas administrativos no valor de R$ 3
mil. Ocorre que essa gratificação é devida apenas aos servidores da ativa, não
sendo paga aos analistas aposentados. Assim, Pedro não recebia essa
gratificação.
Pedro não conformou com isso
considerando que se aposentou com integralidade e paridade. Logo, teria sim
direito ao valor devido aos servidores da ativa.
Diante disso, em 10/01/2021, ele
impetrou mandado de segurança contra o ato do Secretário de Estado (autoridade
coatora).
Em 10/02/2021, o Secretário de
Estado foi notificado do mandado de segurança.
O juízo negou a liminar, mas ao
final a decisão foi favorável.
Em 10/02/2022, a decisão
favorável ao impetrante transitou em julgado e a partir desta data a
aposentadoria do autor passou a ser de R$ 13 mil.
Examine novamente as datas:
•
Em 10/02/2020, iniciou-se o pagamento de uma gratificação de R$ 3 mil que
deveria também ter sido paga ao autor. Em outras palavras, a partir dessa data,
Pedro passou a ter um dano mensal de R$ 3 mil.
• Em 10/01/2021, Pedro impetrou
mandado de segurança.
• Em 10/02/2021, a autoridade
coatora foi notificada.
• Em 10/02/2022, os R$ 3 mil
passaram a ser pagos mensalmente ao autor.
Pedro precisará propor ação
judicial cobrando os valores atrasados que correspondem ao período entre o dia
da impetração do MS (10/01/2021) e a data da efetiva implementação da verba (10/02/2022)?
NÃO. É pacífico o entendimento de
que não é necessário ajuizar ação autônoma cobrando valores que venceram
durante processo do mandado de segurança. Neste caso, a própria decisão
concessiva do mandado de segurança poderá ser executada e o autor receberá a
quantia atrasada por meio de precatório ou RPV (caso esteja dentro do limite
considerado com de pequeno valor).
Pedro precisará propor ação
judicial cobrando os valores atrasados que correspondem ao período entre o
início do prejuízo (10/02/2020) e a data da propositura do mandado de segurança
(10/01/2021)?
SIM.
Os valores anteriores à
propositura (impetração) não podem ser exigidos no mandado de segurança.
Existem duas súmulas do STF que
espelham este entendimento:
Súmula 269-STF: O mandado de segurança não é substitutivo de
ação de cobrança.
Súmula 271-STF: Concessão de mandado de segurança não produz
efeitos patrimoniais, em relação a período pretérito, os quais devem ser
reclamados administrativamente ou pela via judicial própria.
Vale ressaltar que se trata também de texto expresso da Lei
nº 12.016/2009 (Lei do MS):
Art. 14 (...)
§ 4º O pagamento de vencimentos e
vantagens pecuniárias assegurados em sentença concessiva de mandado de
segurança a servidor público da administração direta ou autárquica federal,
estadual e municipal somente será efetuado relativamente às prestações que se vencerem a contar
da data do ajuizamento da inicial.
Assim, o pagamento de verbas
atrasadas, em sede de mandado de segurança, restringe-se às parcelas existentes
entre a data da impetração e a concessão da ordem.
Mas e os valores anteriores
à impetração, como a parte poderá obtê-los?
Cabe à parte impetrante, após o
trânsito em julgado da sentença mandamental concessiva, ajuizar nova demanda de
natureza condenatória para reivindicar os valores vencidos em data anterior à
impetração do mandado de segurança. Nesse sentido:
(...) 1. Cinge-se a controvérsia a definir o termo inicial
de produção de efeitos financeiros de sentença concessiva de Segurança.
(...)
4. O legislador fez clara opção por manter a sistemática
consolidada nas Súmulas 269/STF ("O mandado de segurança não é
substitutivo de ação de cobrança") e 271/STF ("Concessão de mandado
de segurança não produz efeitos patrimoniais em relação a período pretérito, os
quais devem ser reclamados administrativamente ou pela via judicial própria").
5. Em que pese a existência de corrente contrária, merece
prevalecer a jurisprudência amplamente dominante, em consonância com as Súmulas
269/STF e 271/STF, por se tratar da única forma de preservar a vigência do art.
14, § 4°, da Lei 12.016/2009. (...)
STJ. Corte Especial. EREsp 1087232/ES, Rel. Min. Herman
Benjamin, julgado em 07/12/2016.
Os efeitos financeiros, por ocasião da concessão da
segurança, devem retroagir à data de sua impetração, devendo os valores
pretéritos ser cobrados em ação própria.
STJ. 1ª Turma. AgInt no REsp 1481406/GO, Rel. Min. Sérgio
Kukina, julgado em 17/04/2018.
Voltando ao nosso exemplo
hipotético:
Em 10/02/2023, Pedro ajuizou ação
de cobrança exigindo os valores pretéritos ao ajuizamento do mandado de segurança, ou seja, exigindo os 11
meses atrasados (10/02/2020 a 10/01/2021).
Em 10/03/2023, o Estado-membro
foi citado para responder a essa ação de cobrança.
Indaga-se: Pedro terá
direito de receber os valores atrasados com juros de mora?
SIM, obviamente. Não há motivo
algum para se negar os juros de mora considerando que ele foi privado
indevidamente de valores que tinha direito.
Qual é o termo inicial dos
juros de mora? Em ação de cobrança de valores pretéritos ao ajuizamento de
anterior mandado de segurança, os juros de mora devem ser contados:
a) a partir da citação da ação
de cobrança (10/03/2023); ou
b) a partir da notificação
da autoridade coatora no processo de mandado de segurança (10/02/2021)?
Letra b: a partir da notificação
da autoridade coatora no processo de mandado de segurança (10/02/2021).
O termo inicial dos juros de mora, em ação de cobrança de
valores pretéritos ao ajuizamento de anterior mandado de segurança que
reconheceu o direito, é a data da notificação da autoridade coatora no mandado
de segurança. Isso porque nesse momento considera-se que o devedor foi
constituído em em mora, nos termos do art. 405 do Código Civil e do art. 240 do
CPC:
Art. 405. Contam-se os juros de
mora desde a citação inicial.
Art. 240. A citação válida, ainda
quando ordenada por juízo incompetente, induz litispendência, torna litigiosa a
coisa e constitui em mora o devedor, ressalvado o disposto nos arts. 397 e 398
da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil) .
A impetração de mandado de
segurança repercute na ação de cobrança sob os seguintes aspectos:
1) interrompe o prazo
prescricional para ajuizamento da ação de cobrança;
2) delimita o pedido formulado, a
partir do quinquênio que antecedeu à propositura do writ; e
3) constitui em mora o devedor.
A partir do regramento previsto
para a constituição em mora do devedor, nas obrigações ilíquidas (art. 405 do
Código Civil c/c art. 240 do CPC/2015), extrai-se que a notificação da
autoridade coatora em mandado de segurança cientifica formalmente o Poder
Público do não cumprimento da obrigação (mora ex persona). É, portanto,
irrelevante, para fins de constituição em mora, a via processual eleita, pelo
titular do direito, para pleitear a consecução da obrigação.
Desse modo, em se tratando de
ação mandamental, cujos efeitos patrimoniais pretéritos deverão ser reclamados
administrativamente, ou pela via judicial própria (Súmula 271/STF), a mora é
formalizada pelo ato de notificação da autoridade coatora, sem prejuízo da
posterior liquidação do quantum debeatur da prestação.
No ponto, cumpre esclarecer que a
aludida limitação sumular apenas tem por escopo obstar o manejo do writ of
mandamus como substitutivo da ação de cobrança (Súmula 269/STF), em nada
interferindo na aplicação da regra de direito material referente à constituição
em mora, a qual ocorre uma única vez, no âmbito da mesma relação obrigacional.
A citação válida da Fazenda
Pública, entre outros efeitos, tem o condão de constituí-la em atraso no
tocante ao direito que a parte autora entende titularizar (art. 405 do Código
Civil), sendo desimportantes as eventuais limitações impostas pelo meio processual
eleito para fazer valer, concretamente, o bem jurídico em discussão. Entender
de modo contrário implicaria admitir que o instrumento processual manejado (no
caso, ação de cobrança) é o parâmetro adequado para a fixação do termo inicial
dos respectivos juros de mora, em detrimento do arcabouço normativo previsto
pelo Código Civil, o qual, via de regra, considera a natureza da obrigação para
a constituição formal do devedor em mora.
Portanto, em relação às parcelas
pretéritas, cujo direito foi reconhecido, na via mandamental, o termo inicial
dos juros de mora, na ação de cobrança, deve ser fixado na data da notificação
da autoridade coatora, pois é o momento em que, nos termos do art. 405 do
Código Civil c/c art. 240 do CPC, houve a interrupção do prazo prescricional e
a constituição em mora do devedor.
Em suma:
O termo inicial dos juros de
mora, em ação de cobrança de valores pretéritos ao ajuizamento de anterior
mandado de segurança que reconheceu o direito, é a data da notificação da
autoridade coatora no mandado de segurança, quando o devedor é constituído em
mora (arts. 405 do Código Civil e 240 do CPC).
STJ. 1ª Seção.
REsp 1.925.235-SP, Rel. Min. Assusete Magalhães, julgado em 10/5/2023 (Recurso
Repetitivo – Tema 1133) (Info 774).