domingo, 11 de junho de 2023
É ilícita a conduta da operadora de plano de saúde que nega a inscrição de recém-nascido no plano de saúde de titularidade de avô, sendo a genitora dependente/beneficiária desse plano
Imagine a seguinte situação
hipotética:
Tiago, filho de Mariana (17 anos),
nasceu prematuro e com peso abaixo do indicado, e necessitou de cuidados de
urgência e emergência, razão pela qual foi internado na UTI Neonatal.
Mariana é beneficiária dependente
do plano de saúde XX, contratado por seu pai Mariano.
Recapitulando:
• Mariano: titular do plano de
saúde (pai de Mariana).
• Mariana: menor dependente do
pai no plano de saúde.
• Tiago: filho de Mariana e neto
de Mariano.
A operadora se recusou a incluir
Tiago, o recém-nascido, no plano de saúde, sob o argumento de que o titular do
plano era Mariano, avô de Tiago, e, por isso, o bebê não faria jus à
qualificação de dependente.
Agiu corretamente o plano
de saúde?
NÃO.
A operadora é obrigada a
inscrever o recém-nascido, filho de dependente e neto do titular, no plano de saúde,
na condição de dependente, quando houver requerimento administrativo.
É o que se depreende do art. 12, III, “b”, da Lei nº
9.656/98 c/c o art. 21, II e III, da RN-ANS nº 465/2021:
Art. 12. São facultadas a oferta, a contratação e a
vigência dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei,
nas segmentações previstas nos incisos I a IV deste artigo, respeitadas as
respectivas amplitudes de cobertura definidas no plano-referência de que trata
o art. 10, segundo as seguintes exigências mínimas:
(...)
III - quando incluir atendimento
obstétrico:
a) cobertura assistencial ao
recém-nascido, filho natural ou adotivo do consumidor, ou de seu dependente,
durante os primeiros trinta dias após o parto;
b) inscrição assegurada ao
recém-nascido, filho natural ou adotivo do consumidor, como dependente, isento
do cumprimento dos períodos de carência, desde que a inscrição ocorra no prazo
máximo de trinta dias do nascimento ou da adoção;
Art. 21. O Plano Hospitalar com
Obstetrícia compreende toda a cobertura definida no art. 19, acrescida dos
procedimentos relativos ao pré-natal, da assistência ao parto e puerpério,
devendo garantir cobertura para:
(...)
II - assistência ao
recém-nascido, filho natural ou adotivo do beneficiário titular, ou de seu dependente,
durante os primeiros trinta dias após o parto, isento do cumprimento dos
períodos de carência já cumpridos pelo titular; e
III - opção de inscrição do
recém-nascido, filho natural ou adotivo do beneficiário titular, ou de seu
dependente, isento do cumprimento dos períodos de carência já cumpridos pelo
titular, desde que a inscrição ocorra no prazo máximo de trinta dias do
nascimento ou adoção.
Parágrafo único. Para fins de
cobertura do pré-natal, parto normal e pós-parto listado nos Anexos, este
procedimento poderá ser realizado por enfermeiro obstétrico ou obstetriz
habilitados, conforme legislação vigente, de acordo com o art. 6º.
A opção de inscrição do
recém-nascido no plano de saúde é para filho do titular, bem como para filho de
seu dependente. A lei emprega o termo “consumidor”, possibilitando a inscrição
não só do neonato filho do titular, mas também de seu neto no plano de saúde,
na condição de dependente e não de agregado.
Independentemente de haver
inscrição do recém-nascido no plano de saúde do beneficiário-consumidor, da
segmentação hospitalar com obstetrícia, possui o neonato proteção assistencial
nos primeiros 30 (trinta) dias depois do parto, sendo considerado, nesse
período, um usuário por equiparação, ao lado, portanto, de seu genitor titular
ou genitor dependente (art. 12, III, “a”, da Lei nº 9.656/98).
Assim, conclui-se que:
É ilícita a conduta da operadora de plano de saúde
que nega a inscrição de recém-nascido no plano de saúde de titularidade de avô,
sendo a genitora dependente/beneficiária desse plano.
STJ. 3ª
Turma. REsp 2.049.636-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em
25/4/2023 (Info 773).
Vimos acima que Tiago tem
direito de se inscrever no plano de saúde. Vamos imaginar, contudo, que ele não
tivesse direito. Neste caso, o plano de saúde poderia interromper o tratamento
após esgotado o prazo de 30 dias, mesmo que Tiago ainda não tivesse recebido
alta?
NÃO.
Se a criança ainda não se
recuperou, o esgotamento do prazo de 30 (trinta) dias após o parto não pode
provocar a descontinuidade do tratamento médico-hospitalar, devendo haver a
extensão do trintídio legal até a alta médica do recém-nascido.
O recém-nascido sem inscrição no
plano de saúde não pode ficar ao desamparo enquanto perdurar sua terapia, sendo
sua situação análoga à do beneficiário sob tratamento médico, cujo plano
coletivo foi extinto. Em ambas as hipóteses deve haver o custeio temporário,
pela operadora, das despesas assistenciais até a alta médica, em observância
aos princípios da boa-fé, da função social do contrato, da segurança jurídica e
da dignidade da pessoa humana.
Nessas situações, exaurido o
prazo legal, o neonato não inscrito, a título de contraprestação, deve ser
considerado como se inscrito fosse, mesmo que provisoriamente, o que lhe
acarreta não o ressarcimento de despesas conforme os valores de tabela da
operadora, mas o recolhimento de quantias correspondentes a mensalidades de sua
categoria, a exemplo também do que acontece com os beneficiários sob tratamento
assistencial em planos extintos.
Desse modo:
É abusiva a atitude da operadora que tenta
descontinuar o custeio de internação do neonato que seja filho de dependente e
neto do titular ultrapassado o prazo de 30 (trinta) dias de seu nascimento.
STJ. 3ª
Turma. REsp 2.049.636-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em
25/4/2023 (Info 773).
DOD Plus –
relembre o julgado abaixo que corrobora o que foi explicado acima:
Imagine a seguinte situação
hipotética:
Regina é cliente de um plano de
saúde.
Vale ressaltar que seu contrato
oferece cobertura inclusive para tratamento obstétrico.
Regina ficou grávida e deu à luz
a Lucas.
Ocorre que o bebê apresentou
problema cardíaco ao nascer e necessitou de cirurgia.
Indaga-se: o plano de saúde
é obrigado a oferecer cobertura a esse recém-nascido?
SIM. O art. 12 da Lei nº 9.656/98
(Lei dos Planos de Saúde) prevê diversas modalidades de planos de saúde,
estabelecendo os serviços que são incluídos.
No caso de ter sido contratado o plano com atendimento
obstétrico, esse serviço abrange também a cobertura assistencial do
recém-nascido nos 30 primeiros dias após o parto. Veja:
Art. 12. São facultadas a oferta, a contratação e a
vigência dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei,
nas segmentações previstas nos incisos I a IV deste artigo, respeitadas as
respectivas amplitudes de cobertura definidas no plano-referência de que trata
o art. 10, segundo as seguintes exigências mínimas:
(...)
III - quando incluir atendimento obstétrico:
a) cobertura assistencial ao
recém-nascido, filho natural ou adotivo do consumidor, ou de seu dependente,
durante os primeiros trinta dias após o parto;
Importante explicar que para ter
direito ao atendimento, não é necessário que o recém-nascido esteja incluído ou
seja cadastrado no plano. Esse é um direito que decorre do simples fato de ser
filho do cliente do plano.
Em suma, o plano de saúde deve
autorizar o tratamento do recém-nascido sem impor dificuldades, considerando
que a Lei nº 9.656/98 garante este direito.
É importante alertar, no entanto, que, mesmo já recebendo o
tratamento, o filho recém-nascido deverá ser inscrito no plano de saúde no
prazo de 30 dias para ter direito de se tornar dependente do titular (pai ou
mãe), sem a exigência de carência:
Art. 12. (...)
III - quando incluir atendimento
obstétrico:
b) inscrição assegurada ao
recém-nascido, filho natural ou adotivo do consumidor, como dependente, isento
do cumprimento dos períodos de carência, desde que a inscrição ocorra no prazo máximo
de trinta dias do nascimento ou da adoção;
Voltando ao caso concreto:
No caso, logo após o parto, o
neonato foi submetido à cirurgia cardíaca. O plano custeou o procedimento.
Ocorre que Lucas necessitou de
internação hospitalar por período superior a 30 dias.
Diante daquele cenário de
desespero por conta da internação, os pais de Lucas nem o inscreveram como
dependente no plano de saúde da genitora.
Logo, após o 30º dia, o plano não
mais aceitou custear as despesas de internação de Lucas.
Agiu corretamente o plano?
NÃO. Vamos entender com calma.
O art. 12, III, “a”, da Lei nº
9.656/98 estabelece verdadeira garantia de cobertura assistencial ao
recém-nascido, filho natural ou adotivo do consumidor, ou de seu dependente,
durante os primeiros trinta dias após o parto.
Nesse mesmo prazo, é assegurada a
inscrição do recém-nascido, filho natural ou adotivo do consumidor, como
dependente no plano de saúde, isento do cumprimento dos períodos de carência
(art. 12, III, “b”, da Lei nº 9.656/98).
A conjugação dos citados
dispositivos legais permite inferir que:
• até o 30º dia após o parto, a
cobertura assistencial do recém-nascido decorre do vínculo contratual havido
entre a operadora e a parturiente, beneficiária de plano de saúde que inclui
atendimento de obstetrícia;
• a partir do 31º dia, a
cobertura assistencial do recém-nascido pressupõe a sua inscrição como
beneficiário no plano de saúde, momento em que se forma o vínculo contratual
entre este e a operadora e se torna exigível o pagamento da contribuição
correspondente.
À luz do contexto dos autos,
portanto, a interpretação puramente literal do art. 12, III, “’a” e “b”, da Lei
nº 9.656/98, autorizaria a operadora a negar a cobertura assistencial ao
recém-nascido a partir do seu 31º dia de vida, como, de fato, o fez. Ocorre que
a interpretação sistemática e teleológica conduz a uma outra conclusão.
Fundada na dignidade da pessoa
humana e em homenagem aos princípios da boa-fé objetiva, da função social do
contrato e da segurança jurídica, a jurisprudência do STJ firmou a orientação
de que, “não obstante seja possível a resilição unilateral e imotivada do
contrato de plano de saúde coletivo, deve ser resguardado o direito daqueles
beneficiários que estejam internados ou em pleno tratamento médico” (REsp 1.818.495/SP,
Terceira Turma, julgado em 08/10/2019, DJe 11/10/2019).
Logo, ainda que se admita a
extinção do vínculo contratual e, por conseguinte, a cessação da cobertura pela
operadora do plano de saúde, é sempre garantida a continuidade da assistência médica
em favor de quem se encontra internado ou em tratamento médico indispensável a
própria sobrevivência/incolumidade.
Então, se, de um lado, a lei
exime a operadora da obrigação de custear o tratamento médico prescrito para o
neonato, após o 30º dia do parto, se ele não foi inscrito como beneficiário do
plano de saúde, impede, de outro lado, que se interrompa o tratamento ainda em
curso, assegurando, pois, a cobertura assistencial até a sua alta hospitalar.
Nesse contexto, após o prazo de
30 (trinta) dias do nascimento, o neonato submetido a tratamento terapêutico e
não inscrito no plano de saúde deve ser considerado usuário por equiparação. Em outras palavras,
deve ser considerado como se inscrito fosse, ainda que provisoriamente, o que
lhe acarreta não o ressarcimento de despesas conforme os valores de tabela da
operadora, mas o recolhimento de quantias correspondentes a mensalidades de sua
categoria, a exemplo também do que acontece aos beneficiários sob tratamento
assistencial em planos extintos.
Em suma:
Após o prazo de 30 (trinta) dias do nascimento, o neonato
submetido a tratamento terapêutico e não inscrito no plano de saúde deve ser
considerado usuário por equiparação, o que acarreta o recolhimento de quantias
correspondentes a mensalidades de sua categoria.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.953.191-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi,
julgado em 15/02/2022 (Info 727).