Dizer o Direito

quarta-feira, 14 de junho de 2023

É cabível a redução do art. 115 do CP se, entre a sentença condenatória e o julgamento dos embargos, o réu atinge idade superior a 70 anos

Imagine a seguinte situação hipotética:

João foi denunciado pela prática de apropriação indébita previdenciária (art. 168-A, § 1º, I, do CP) e de sonegação de contribuição previdenciária (art. 337-A, III do CP).

A denúncia foi recebida em 20/02/2015.

Em 21/03/2020, foi publicada sentença condenando o réu a pena de 3 anos de reclusão para cada crime.

Desse modo, no total, o réu foi condenado a 6 anos de reclusão.

Em 22/03/2020, ou seja, um dia após a condenação, o réu completou 70 anos de idade.

O Ministério Público não recorreu, de forma que essa pena tornou-se definitiva para a acusação.

A defesa, por seu turno, em 23/03/2020, opôs embargos de declaração.

Em 24/04/2020, o juiz conheceu dos embargos de declaração, mas negou-lhes provimento.

No dia seguinte, a defesa peticionou nos autos pedindo o reconhecimento da prescrição.

 

O pedido da defesa deve ser acolhido? Houve prescrição?

SIM. Vejamos com calma.

 

Para calcular a prescrição, deve-se utilizar o total da pena imposta ao réu (6 anos) ou a pena de cada crime isoladamente (3 anos)?

A pena de cada crime isoladamente, conforme prevê o art. 119 do CP:

Art. 119. No caso de concurso de crimes, a extinção da punibilidade incidirá sobre a pena de cada um, isoladamente.

 

Desse modo, para calcular a prescrição, deve-se considerar a pena imposta para cada delito (3 anos) e não a soma dos dois.

 

Como a pena foi fixada em 3 anos, qual é o prazo prescricional nesse caso?

8 anos, conforme previsto no art. 109, IV c/c art. 110 do CP:

Art. 109.  A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1o do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se:

(...)

IV - em oito anos, se o máximo da pena é superior a dois anos e não excede a quatro;

 

O fato de o réu ser maior de 70 anos interfere na prescrição?

SIM. O Código Penal prevê que a prescrição deve ser contada com o prazo reduzido pela metade no caso de o condenado ter mais do que 70 anos. Veja:

Art. 115. São reduzidos de metade os prazos de prescrição quando o criminoso era, ao tempo do crime, menor de 21 (vinte e um) anos, ou, na data da sentença, maior de 70 (setenta) anos.

 

Assim, em vez de considerarmos 8 anos, devemos reduzir esse prazo para 4 anos.

 

O recebimento da denúncia interrompeu a contagem da prescrição?

SIM. Interrupção do prazo significa que ele é zerado e recomeça a ser contado a partir daquela data.

O art. 117 do CP traz os momentos em que o prazo da prescrição é interrompido.

Uma dessas causas é justamente o recebimento da denúncia, conforme prevê o inciso I:

Art. 117. O curso da prescrição interrompe-se:

I - pelo recebimento da denúncia ou da queixa;

(...)

 

Tese da defesa

No caso concreto, a defesa alegava que, entre a data de recebimento da denúncia (em 20/02/2015) e a prolação da sentença condenatória (21/03/2020) já havia se passado 5 anos. Logo, estaria prescrita a pena imposta pelos crimes, considerando que o réu teria direito à redução do art. 115 do CP. Assim, 8 anos seria o prazo prescricional normal e 4 anos o prazo reduzido pelo art. 115.

 

Tese do MP:

O MP, por sua vez, argumentou que não havia prescrição. Segundo o Parquet, o réu não poderia se beneficiar da redução prevista no art. 115 do CP, considerando que ele completou 70 anos após a data da prolação da sentença condenatória.

Desse modo, “na data da sentença”, o condenado não era maior de 70 anos, conforme exige o CP.

 

A jurisprudência acolhe a tese da defesa ou do Ministério Público?

Da defesa.

É cabível a redução do prazo prescricional pela metade (art. 115 do CP) se, entre a sentença condenatória e o julgamento dos embargos de declaração, o réu atinge a idade superior a 70 anos, tendo em vista que a decisão que julga os embargos integra a própria sentença condenatória.

STJ. 6ª Turma. EDcl no AgRg no REsp 1.877.388-CE, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 2/5/2023 (Info 773).

 

Como foram opostos embargos de declaração contra a sentença condenatória e se entre a sentença condenatória e o julgamento dos embargos o réu atingir idade superior a 70 anos, é possível aplicar o art. 115 do Código Penal, tendo em vista que a decisão que julga os embargos integra a própria sentença condenatória.

 

DOD Plus – não confundir

Imagine a seguinte situação hipotética:

Pedro, com 69 anos, foi condenado em 1ª instância.

O condenado interpôs apelação.

O Tribunal manteve a condenação, mas reduziu a pena de 13 anos para 4 anos e 6 meses.

Nesta data, ele já tinha 73 anos.

O réu pediu o reconhecimento de que ele teria direito à redução do art. 115 do CP. Argumentou que o acórdão, ao confirmar a sentença, constituiu-se novo édito condenatório, sobretudo porque reformou parcialmente a sentença, circunstância que repercutiria na redução do prazo prescricional.

 

O réu terá direito ao art. 115 do CP?

Prevalece que não. Veja julgados nesse sentido:

Para que incida a redução do prazo prescricional prevista no art. 115 do CP, é necessário que, no momento da sentença, o condenado possua mais de 70 anos. Se ele só completou a idade após a sentença, não terá direito ao benefício, mesmo que isso tenha ocorrido antes do julgamento de apelação interposta contra a sentença.

Existe, no entanto, uma situação em que o condenado será beneficiado pela redução do art. 115 do CP mesmo tendo completado 70 anos após a "sentença" (sentença ou acórdão condenatório): isso ocorre quando o condenado opõe embargos de declaração contra a sentença/acórdão condenatórios e esses embargos são conhecidos. Nesse caso, o prazo prescricional será reduzido pela metade se o réu completar 70 anos até a data do julgamento dos embargos. Nesse sentido: STF. Plenário. AP 516 ED/DF, rel. orig. Min. Ayres Britto, red. p/ o acórdão Min. Luiz Fux, julgado em 5/12/2013 (Info 731).

STF. 2ª Turma. HC 129696/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 19/4/2016 (Info 822).

 

O termo “sentença” contido no art. 115 do Código Penal se refere à primeira decisão condenatória, seja a do juiz singular ou a proferida pelo Tribunal, não se operando a redução do prazo prescricional quando o édito repressivo é confirmado em sede de apelação ou de recurso de natureza extraordinária.

STJ. 6ª Turma. HC 503.356/SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 13/08/2019.

 

Por expressa previsão do art. 115 do CP, são reduzidos pela metade os prazos de prescrição quando o criminoso era, na data da sentença, maior de 70 anos. O termo sentença deve ser compreendido como a primeira decisão condenatória, seja sentença ou acórdão proferido em apelação.

A redução do prazo prescricional prevista no art. 115 do CP não se relaciona com as causas interruptivas da prescrição previstas no art. 117 do mesmo diploma legal, tratando-se de fenômenos distintos e que repercutem de maneira diversa.

STJ. 6ª Turma. HC 316.110-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 25/06/2019 (Info 652).

 

Situação 1

Situação 2

João, com 69 anos, foi condenado.

Opôs embargos de declaração.

No dia do julgamento dos embargos, já tinha mais que 70 anos.

O réu terá direito à redução do art. 115 do CP.

Pedro, com 69 anos, foi condenado.

Interpôs apelação.

No dia do julgamento da apelação, já tinha mais que 70 anos.

O réu não terá direito à redução do art. 115 do CP.

É cabível a redução do prazo prescricional pela metade (art. 115 do CP) se, entre a sentença condenatória e o julgamento dos embargos de declaração, o réu atinge a idade superior a 70 anos, tendo em vista que a decisão que julga os embargos integra a própria sentença condenatória.

Para que incida a redução do prazo prescricional prevista no art. 115 do CP, é necessário que, no momento da sentença, o condenado possua mais de 70 anos. Se ele só completou a idade após a sentença, não terá direito ao benefício, mesmo que isso tenha ocorrido antes do julgamento de apelação interposta contra a sentença.

STJ. 6ª Turma. EDcl no AgRg no REsp 1.877.388-CE, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 2/5/2023 (Info 773).

STJ. 6ª Turma. HC 316.110-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 25/06/2019 (Info 652).

 

 

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