Imagine a seguinte situação
hipotética:
A Polícia Federal instaurou inquérito
para investigar a conduta de um Agente de Polícia Federal que estaria
praticando crimes.
O Delegado de Polícia Federal que
presidia o inquérito representou pela decretação de quebras de sigilos bancário
e fiscal do investigado.
O Juiz Federal entendeu que não restou
comprovado que a possível conduta delituosa tivesse nexo de causalidade com o
exercício do cargo de Agente de Polícia Federal. Diante disso, declinou da
competência em favor da Justiça Estadual e determinou o prosseguimento da
investigação perante a Polícia Civil do Estado.
O magistrado destacou que o simples
fato de o investigado ser servidor público federal não é motivo, por si só, para
justificar a competência federal para o caso, principalmente se não existem
elementos outros aptos a demonstrar que a possível conduta praticada pelo
suspeito assim o foi no âmbito de seu exercício funcional.
Mesmo após a decisão declinatória do
Juízo Federal, com expressa determinação de encaminhamento do feito à Polícia
Civil, a investigação continuou a ser presidida pela Polícia Federal.
Diversas cautelares foram formuladas,
pela Polícia Federal, quando os autos já estavam em trâmite perante a Justiça
Estadual.
A defesa do investigado impetrou habeas
corpus no Tribunal de Justiça requerendo o trancamento do inquérito com a
remessa dos autos à Polícia Civil, para que pudesse promover as investigações
que entendesse pertinentes, declarando nulos todos os atos praticados pela
Polícia Federal.
O TJ denegou a
ordem por entender que não havia nulidade no fato de as investigações
continuarem sendo feitas pela Polícia Federal. Para a Corte estadual, é
possível o prosseguimento da investigação pela Polícia Federal, mesmo após o
declínio da competência para o processamento do feito perante a Justiça
estadual.
Ainda inconformada, a defesa impetrou habeas
corpus agora junto ao STJ.
O STJ concordou com os argumentos do
TJ? Mesmo após a declinação de competência, era possível que a Polícia Federal
continuasse a fazer as investigações dos fatos?
NÃO.
Inicialmente, é importante
esclarecer que, segundo a jurisprudência do STJ, não há nulidade quando a
investigação tem início perante uma autoridade policial e, posteriormente, há
redistribuição do feito a outro órgão jurisdicional em razão da incompetência. Assim,
o simples fato de a investigação ter começado com a Polícia Federal não gerou
qualquer nulidade mesmo se reconhecendo, posteriormente, que o caso era da
Justiça Estadual.
No entanto, no caso concreto, houve
um agravante. Isso porque mesmo após a redistribuição do feito para a Justiça
estadual, motivada pela declaração de incompetência do Juízo Federal, a
investigação continuou a ser presidida pela Polícia Federal, a despeito de
determinação expressa do magistrado para o encaminhamento do feito à Polícia
Civil.
Mesmo após os autos já estarem em
tramitação na Justiça Estadual, a Polícia Federal ainda formulou representações
pedindo a decretação de prisões temporárias e o deferimento de buscas e
apreensões.
Assim, identifica-se flagrante ilegalidade
na continuidade das investigações pela Polícia Federal, a despeito da decisão
que declinou da competência para a Justiça estadual e determinou expressamente
que o processamento do inquérito policial tivesse prosseguimento perante a
Polícia Civil.
Ante o exposto, é de se
reconhecer a ilegalidade, por falta de atribuições, das investigações
realizadas pela Polícia Federal a partir do declínio da competência da Justiça
Federal para a Justiça estadual.
Em suma:
STJ. 6ª
Turma. HC 772.142-PE, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 23/3/2023 (Info
773).
Isso significa que todos os
elementos informativos foram anulados?
NÃO. O STJ afirmou que, na
limitada via do habeas corpus, não há como aferir, com precisão, se a
ilegalidade declarada macula por completo o inquérito policial ou se há
elementos informativos autônomos que possam ensejar a continuidade das
investigações.
Assim, o STJ determinou que o Juízo
de primeiro grau, após descartar todos esses elementos viciados pela
ilegalidade, faça a averiguação se há outros obtidos por fonte totalmente
independente, ou cuja descoberta seria inevitável a permitir o prosseguimento
do feito.