Dizer o Direito

segunda-feira, 12 de junho de 2023

Antes do consumidor ser inscrito nos cadastros restritivos de crédito (exs: SPC/Serasa), ele precisa ser previamente notificado; essa notificação deve ser por carta, não podendo ser por e-mail ou SMS

Se o consumidor está inadimplente, o fornecedor poderá incluí-lo em cadastros de proteção ao crédito (exs.: SPC e SERASA)?

SIM.

 

Qual o cuidado prévio que deve ser tomado?

A abertura de qualquer cadastro, ficha, registro e dados pessoais ou de consumo referentes ao consumidor deverá ser comunicada por escrito a ele (§ 2º do art. 43 do CDC).

Logo, o órgão mantenedor do Cadastro de Proteção ao Crédito deverá notificar o devedor antes de proceder à inscrição:

Súmula 359-STJ: Cabe ao órgão mantenedor do cadastro de proteção ao crédito a notificação do devedor antes de proceder à inscrição.

 

ý (Promotor MP/GO 2019) A abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo deverá ser comunicada por escrito ao consumidor, quando não solicitado por ele. Logo, cabe ao órgão mantenedor do Cadastro de Proteção ao Crédito a notificação do devedor após proceder à inscrição. (ERRADO)

 

Assim, é ilegal e sempre deve ser cancelada a inscrição do nome do devedor em cadastros de proteção ao crédito realizada sem a prévia notificação exigida pelo art. 43, § 2º do CDC.

Em outras palavras, antes de “negativar” o nome do consumidor, o SPC ou a SERASA deverão notificá-lo por escrito, informando acerca dessa possibilidade, a fim de que o consumidor, se quiser, possa pagar o débito ou questioná-lo judicialmente.

 

O que acontece se não houver essa notificação prévia?

A ausência de prévia comunicação ao consumidor da inscrição do seu nome em órgão de proteção ao crédito enseja indenização por danos morais, a ser paga pelos órgãos mantenedores de cadastros restritivos (exs.: SERASA, SPC).

 

Como é comprovada essa notificação prévia? Exige-se prova de que o consumidor tenha efetivamente recebido a notificação?

NÃO. Basta que seja provado que foi enviada uma correspondência ao endereço do consumidor notificando-o quanto à inscrição de seu nome no respectivo cadastro, sendo desnecessário aviso de recebimento (AR):

Súmula 404-STJ: É dispensável o Aviso de Recebimento (AR) na carta de comunicação ao consumidor sobre a negativação de seu nome em bancos de dados e cadastros.

 

ý (Promotor MP/GO 2019) É indispensável o Aviso de Recebimento (AR) na carta de comunicação ao consumidor sobre a negativação de seu nome em bancos de dados e cadastros. (ERRADO)

 

É possível que essa prévia notificação seja feita por e-mail ou SMS?

NÃO.

A vulnerabilidade do consumidor, presumida pelo CDC, não decorre apenas de fatores econômicos, desdobrando-se em diversas espécies. Assim, pode-se falar em:

a) vulnerabilidade informacional;

b) vulnerabilidade técnica;

c) vulnerabilidade jurídica ou científica; e

d) vulnerabilidade fática ou socioeconômica.

 

Admitir a notificação, exclusivamente, via e-mail ou por simples mensagem de texto de celular representaria diminuição da proteção do consumidor, caminhando em sentido contrário ao escopo da norma, causando lesão ao bem ou interesse juridicamente protegido.

A regra é que os consumidores possam atuar no mercado de consumo sem mácula alguma em seu nome; a exceção é a inscrição do nome do consumidor em cadastros de inadimplentes, desde que autorizada pela lei. Está em mira a própria dignidade do consumidor (art. 4º, caput, do CDC).

De acordo com a doutrina:

“Os arquivos de consumo, em todo o mundo, são vistos com desconfiança. Esse receio não é destituído de fundamento, remontando a quatro traços básicos inerentes a esses organismos e que se chocam com máximas da vida democrática contemporânea, do Welfare State: a unilateralidade (só arquivam dados de um dos sujeitos da relação obrigacional), a invasividade (disseminam informações que, normalmente, integram o repositório da vida privada do cidadão), a parcialidade (enfatizam os aspectos negativos da vida financeira do consumidor) e o descaso pelo due process (negam ao 'negativado' direitos fundamentais garantidos pela ordem constitucional). Por isso mesmo, submetem-se eles a rígido controle legal” (BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e. In GRINOVER, Ada Pellegrini... [et.al.]. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do Anteprojeto. 8. ed. rev. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 426).

 

Desse modo, não há como se admitir que a notificação do consumidor seja realizada, tão somente, por simples e-mail ou mensagem de texto de celular, por se tratar de exegese ampliativa que, na espécie, não deve ser admitida.

Além disso, examinando os precedentes que deram origem à Súmula 404 do STJ, constata-se que, muito embora afastem a necessidade do aviso de recebimento (AR), não deixam de exigir que a notificação do § 2º do art. 43 do CDC seja realizada mediante envio de correspondência ao endereço do devedor.

Não se pode olvidar que a referida súmula, ao dispensar o aviso de recebimento (AR), já operou relevante flexibilização nas formalidades da notificação ora examinada, não se revelando razoável nova flexibilização em prejuízo da parte vulnerável da relação de consumo sem que exista justificativa alguma para tal medida.

Nesse sentido, em âmbito doutrinário, é comum a afirmação de que, para o cumprimento da exigência prevista no § 2º do art. 43 do CDC, embora não seja necessário o aviso de recebimento (AR), “basta a comprovação de sua postagem para o endereço informado pelo devedor ao credor” (THEDORO JR., Humberto. Direitos do Consumidor. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021).

No mesmo sentido, Flávio Tartuce e Daniel Amorim Assumpção Neves afirmam que “basta ao órgão que mantém o cadastro comprovar que enviou a comunicação por carta ao endereço do devedor fornecido, não havendo necessidade de ser evidenciado que o último foi efetivamente comunicado” (TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito do consumidor: direito material e processual. Rio de Janeiro: Forense, 2022).

Na sociedade brasileira contemporânea, fruto de um desenvolvimento permeado, historicamente, por profundas desigualdades econômicas e sociais, não se pode ignorar que o consumidor, parte vulnerável da relação, em muitas hipóteses, não possui endereço eletrônico (e-mail) ou, quando o possui, não tem acesso facilitado a computadores, celulares ou outros dispositivos que permitam acessá-lo constantemente e sem maiores dificuldades, ressaltando-se a sua vulnerabilidade técnica, informacional e socioeconômica.

Não se pode negar, é verdade, que a utilização de e-mail e mensagens de texto via celular (SMS) representa, na atual sociedade da informação, importante avanço tecnológico. Tais recursos podem contribuir para aprimorar o relacionamento entre as partes no âmbito das relações de consumo. Não se revela lícita, no entanto, a sua utilização exclusiva como mecanismo único de notificação do consumidor acerca da abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo.

Trata-se de interpretação que se amolda não apenas à realidade social, mas também à própria principiologia que alicerça o microssistema consumerista, representando exegese protetiva e, portanto, mais favorável aos consumidores.

Desse modo, partindo-se da interpretação teleológica e restritiva do §2º, do art. 43, do CDC, e tendo em vista o imperativo de proteção do consumidor como parte vulnerável, conclui-se que a notificação do consumidor acerca da inscrição de seu nome em cadastro restritivo de crédito exige o envio de correspondência ao seu endereço, sendo vedada a notificação exclusiva através de e-mail ou mensagem de texto de celular (SMS).

 

Em suma:

 

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