Imagine a seguinte situação hipotética:
João era proprietário de um
apartamento que foi alugado para Regina.
Após a morte de João, seu filho
Pedro herdou o apartamento e pediu para Regina desocupá-lo porque não tinha
mais interesse na locação e pretendia tomar posse direta do imóvel.
Regina não aceitou.
Diante desse cenário, Pedro ajuizou
ação de reintegração de posse contra Regina, requerendo a sua retirada do
imóvel.
Regina contestou a demanda
argumentando que a via escolhida por Pedro (ação de reintegração de posse)
seria inadequada, uma vez que havia um vínculo locatício entre as partes, de
forma que o instrumento processual adequado para a retomada do imóvel alugado
seria a ação de despejo.
Agiu corretamente João ao
propor ação de reintegração de posse neste caso?
NÃO.
STJ. 4ª
Turma. REsp 1.812.987-RJ, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em
27/4/2023 (Info 774).
Confira a redação do art. 5º da Lei nº 8.245/91:
Art. 5º Seja qual for o fundamento
do término da locação, a ação do locador para reaver o imóvel é a de despejo.
Ok. O instrumento adequado
era a ação de despejo. Mas neste caso, seria possível aplicar o princípio da
fungibilidade e conhecer da ação de reintegração de posse como se fosse uma
ação de despejo?
NÃO.
O art. 554 do CPC/2015 prevê a fungibilidade entre as ações possessórias -
reintegração de posse (que decorre de esbulho), manutenção de posse (decorrente
de turbação) e interdito proibitório (em razão de ameaça à posse de alguém). Isso
porque todas as três têm como aspecto relevante unicamente a posse, enquanto
fato, sem referência a prévio direito obrigacional ou contratual:
Art. 554. A propositura de uma
ação possessória em vez de outra não obstará a que o juiz conheça do pedido e
outorgue a proteção legal correspondente àquela cujos pressupostos estejam
provados.
Por outro lado, na ação de
despejo há uma relação contratual locatícia subjacente, de onde derivam
diversos direitos e deveres do locador e do locatário, podendo daí resultar em
uma situação de posse indevida.
Embora o pedido da reintegração
de posse e da ação de despejo seja a posse legítima do bem imóvel, deve-se
reconhecer que são pretensões judiciais com natureza e fundamento jurídico
distintos.
• a ação de reintegração de posse
baseia-se na situação fática possessória da coisa;
• a ação de despejo se fundamenta
em prévia relação contratual locatícia, regida por norma especial, o que
consequentemente impossibilita sua fungibilidade.
Ao se permitir o ajuizamento de
ação possessória em substituição da ação de despejo, nega-se vigência ao
conjunto de regras especiais da Lei de Locação, tais como prazos, penalidades e
garantias processuais.
A jurisprudência do STJ firmou-se
no sentido de que, havendo comprovada relação locatícia, a pretensão de
retomada do bem imóvel deve ocorrer por rito próprio, pelo ajuizamento da ação
de despejo.