quinta-feira, 1 de junho de 2023
A receptação, em sua forma qualificada, demanda especial qualidade do sujeito ativo, que deve ser comerciante ou industrial
Imagine a seguinte situação
hipotética:
A Polícia Civil encontrou, em um
sítio, três veículos furtados desmontados com diversas peças espalhadas.
Foram presas quatro pessoas no
local: Alessandro, Lucas, Túlio e Vinícius.
Ficou comprovado que os
investigados se associaram de forma organizada:
• Alessandro, Lucas e Vinícius faziam
o trabalho manual de desmanche das peças.
• Túlio, por sua vez, ficava
incumbido de transportar as peças desmanchadas em um caminhão até o comércio de
sua propriedade, denominado Império das Peças, onde os objetos eram
comercializados.
Vale ressaltar que os veículos
não eram furtados pelos quatros indivíduos presos.
Os réus foram denunciados e condenados pela prática do crime
tipificado pelo art. 180, §1º (receptação qualificada) e pelo art. 288
(associação criminosa), do Código Penal:
Art. 180. Adquirir, receber,
transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe
ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira,
receba ou oculte:
Pena - reclusão, de um a quatro
anos, e multa.
Receptação qualificada
§ 1º Adquirir, receber,
transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar,
vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou
alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, coisa que deve saber
ser produto de crime:
Pena - reclusão, de três a oito
anos, e multa.
(...)
Art. 288. Associarem-se 3 (três)
ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 3
(três) anos.
Alessandro, Lucas e Vinícius recorreram
alegando que eles não têm nem nunca tiveram qualquer envolvimento com o
comércio de peças ou de veículos.
Argumentaram que as peças
retiradas dos carros furtados seriam comercializadas no estabelecimento
comercial pertencente exclusivamente a Túlio. Por essa razão, em relação aos
demais corréus, o crime deveria ser desclassificado para a modalidade simples
de receptação (caput do art. 180 do CP).
O Ministério Público contra
argumentou alegando que todos os réus aderiram à prática criminosa, cientes de
que as peças seriam vendidas e o lucro seria repartido.
O STJ concordou com os
argumentos da defesa ou do Ministério Público?
Da defesa.
Para que se configure a
modalidade qualificada da receptação, a lei exige que a prática de um dos
verbos previstos no § 1º do art. 180 ocorra no exercício de atividade comercial ou industrial.
A expressão “no exercício de
atividade comercial ou industrial” pressupõe, segundo a doutrina, habitualidade
no exercício do comércio ou da indústria, “pois é sabido que a atividade
comercial (em sentido amplo) não se aperfeiçoa com um único ato, sem
continuidade no tempo.” (MASSON, Cleber. Código Penal Comentado. 6ª ed.,
São Paulo: Método, 2018).
No presente caso, ficou
demonstrado que as peças retiradas dos carros furtados/roubados iriam ser
vendidas no estabelecimento comercial do acusado Túlio. Porém, com relação aos
outros réus, não se comprovou o exercício da atividade comercial prestado de
forma habitual. Nesse contexto, porque não restou patente que essa atividade
era exercida de forma habitual pelos demais réus, deve-se fazer a desclassificação
da conduta para a modalidade simples.
Em suma:
STJ. 5ª
Turma. AgRg no AREsp 2.259.297-MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em
18/4/2023 (Info 771).
No mesmo sentido:
(...) 4. Da leitura do art. 180, § 1º, do CP, extrai-se que a
elementar consiste na prática de uma das ações do núcleo do tipo (adquirir,
receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar,
remontar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar), em proveito
próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, coisa que
deve saber ser produto de crime.
Para que se configure a modalidade qualificada há a exigência
legal de que a prática de um dos verbos nucleares ocorra no exercício de
atividade comercial ou industrial.
5. A expressão "no exercício de atividade comercial ou
industrial" pressupõe, segundo abalizada doutrina, habitualidade no
exercício do comércio ou da indústria, "pois é sabido que a atividade
comercial (em sentido amplo) não se aperfeiçoa com um único ato, sem
continuidade no tempo." (MASSON, Cleber. Código Penal Comentado, 6ª ed.
rev., atual. e ampl., São Paulo: Método, 2018. (...)
STJ. 5ª Turma. HC 441.393/MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado
em 18/8/2020.