Dizer o Direito

sábado, 3 de junho de 2023

A OAB não se sujeita à prestação de contas perante o Tribunal de Contas nem a qualquer outra entidade externa

Conselhos de Fiscalização Profissional

Os Conselhos de Fiscalização Profissional (exs: CREA, CRM, COREN, CRO, CRC etc.) são classificados juridicamente como “autarquias federais”.

Por serem autarquias federais, os Conselhos Profissionais têm o dever de prestar contas ao Tribunal de Contas da União (art. 71, II, CF/88).

 

A OAB também é considerada uma autarquia federal?

NÃO. Em 2006, ao julgar a ADI 3026/DF, proposta contra o Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.904/94), o STF afirmou expressamente que a OAB:

• Não é uma entidade da Administração indireta da União;

• Não é uma autarquia federal;

• Não pode ser tida como congênere dos demais órgãos de fiscalização profissional, ou seja, não pode ser considerada como um mero conselho profissional. Isso porque a OAB, além das finalidades corporativas (relacionadas com os advogados), possui também finalidades institucionais (ex: defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos etc.).

Assim, o STF, naquele julgado, decidiu que a OAB seria um “serviço público independente”, categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro. Veja os principais trechos da ementa do acórdão:

(...) 2. Não procede a alegação de que a OAB sujeita-se aos ditames impostos à Administração Pública Direta e Indireta.

3. A OAB não é uma entidade da Administração Indireta da União. A Ordem é um serviço público independente, categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro.

4. A OAB não está incluída na categoria na qual se inserem essas que se tem referido como "autarquias especiais" para pretender-se afirmar equivocada independência das hoje chamadas "agências".

5. Por não consubstanciar uma entidade da Administração Indireta, a OAB não está sujeita a controle da Administração, nem a qualquer das suas partes está vinculada. Essa não-vinculação é formal e materialmente necessária.

6. A OAB ocupa-se de atividades atinentes aos advogados, que exercem função constitucionalmente privilegiada, na medida em que são indispensáveis à administração da Justiça [artigo 133 da CB/88]. É entidade cuja finalidade é afeita a atribuições, interesses e seleção de advogados. Não há ordem de relação ou dependência entre a OAB e qualquer órgão público.

7. A Ordem dos Advogados do Brasil, cujas características são autonomia e independência, não pode ser tida como congênere dos demais órgãos de fiscalização profissional. A OAB não está voltada exclusivamente a finalidades corporativas. Possui finalidade institucional. (...)

STF. Plenário. ADI 3026, Rel. Min. Eros Grau, julgado em 08/06/2006.

 

Isso já foi reafirmado pelo STF:

(...) A OAB não é uma entidade da Administração Indireta, tal como as autarquias, porquanto não se sujeita a controle hierárquico ou ministerial da Administração Pública, nem a qualquer das suas partes está vinculada. ADI 3.026, de relatoria do Ministro Eros Grau, DJ 29.09.2006. (...)

STF. Plenário. RE 405267, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 06/09/2018.

 

Em razão disso, sempre prevaleceu o entendimento de que as contas da OAB não estavam sujeitas à prestação de contas ao TCU.

 

Argumentos da OAB

A OAB invoca três argumentos para evitar a submissão de suas contas ao TCU:

1) existiriam duas decisões judiciais transitadas em julgado nas quais teria sido reconhecido que a OAB não teria que se submeter ao TCU:

• RMS 797, do antigo Tribunal Federal de Recursos (TFR);

• ADI 3.026/DF, do STF.

 

2) a OAB não é autarquia típica, não integra a administração pública, não se submete ao controle da administração, nem a qualquer de suas partes está vinculada, sendo serviço essencial à justiça, o qual necessita de autonomia e independência.

 

3) os recursos geridos pela OAB não têm natureza tributária.

                                                                     

ACP proposta pelo MPF

O Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública contra o Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil na Bahia, pleiteando que a referida Seccional ficasse sujeita à prestação de contas perante o Tribunal de Contas.

O pedido foi julgado improcedente pelo juiz em 1ª instância.

O MPF interpôs apelação, mas o Tribunal Regional Federal da 1ª Região desproveu o recurso reafirmando que a OAB não se sujeita à prestação de contas perante o Tribunal de Contas da União.

Inconformado, o Ministério Público Federal interpôs recurso extraordinário.

 

O que ficou decidido ao final? A OAB se sujeita à prestação de contas perante o TCU?

NÃO.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) não se sujeita à prestação de contas perante o Tribunal de Contas da União (TCU) e a ausência dessa obrigatoriedade não representa ofensa ao art. 70, parágrafo único, da Constituição Federal, já que inexiste previsão expressa em sentido diverso.

STF. Plenário. RE 1.182.189/BA, Rel. Min. Marco Aurélio, redator do acórdão Min. Edson Fachin, julgado em 25/4/2023 (Repercussão Geral – Tema 1054) (Info 1091).

 

Conforme explicado acima, o STF já afastou a sujeição da OAB aos ditames impostos à Administração Pública direta e indireta, dada a sua categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas, na medida em que é uma instituição com natureza jurídica própria e dotada de autonomia e independência, não se voltando somente às finalidades corporativas.

Para cumprir suas finalidades institucionais, a OAB não pode estar jungida ao Estado. O respeito ao mandamento do art. 133 da CF, que dispõe ser o advogado indispensável à administração da justiça, bem como demais tarefas incumbidas pela Constituição aos advogados, dentre as quais se incluem o ajuizamento de ações do controle de constitucionalidade das leis, a participação da composição dos tribunais, do Conselho Nacional de Justiça, do Conselho Nacional do Ministério Público, das bancas de concurso para ingresso à magistratura e do Ministério Público, envolve sempre a possibilidade de conflito com o Poder Público.

Nesse contexto, considerada a sua função institucional, a OAB exerce serviço público independente, que não se confunde com serviço estatal, e cujo controle pode ser realizado por vias diversas da do TCU.

Assim, é necessário conferir o mais alto grau de liberdade para que a OAB tenha condições de cumprir suas funções constitucionalmente privilegiadas, tendo em vista que os advogados são indispensáveis à administração da Justiça (art. 133, CF/88).

Ademais, a Ordem gere recursos privados arrecadados de seus associados, distinguindo-se dos demais conselhos de fiscalização profissional, os quais recolhem contribuição de natureza tributária, que advém da movimentação financeira do Estado.

Por essa razão, como já mencionado, a OAB se caracteriza como entidade ímpar no ordenamento jurídico, figura sui generis, e, portanto, suas finanças não se submetem ao controle estatal, tampouco se enquadram no conceito jurídico de Fazenda Pública, cujo controle se sujeita às regras da Lei nº 4.320/64.

O caráter que determina a prestação de contas ao Tribunal de Contas não é a natureza do órgão, nem a natureza do serviço que ele presta. Deduz-se a necessidade de prestar contas do fato de a entidade, seja ela pública ou privada, utilizar, arrecadar, guardar, gerenciar ou administrar dinheiros, bens ou valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome dela, assuma obrigação de natureza pecuniária, nos termos do art. 70, parágrafo único, CF/88:

Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.

Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária.

 

No entanto, esta não é a situação jurídica em que se enquadra a OAB, instituição não estatal investida de competências públicas. Além disso, os valores que administra não são públicos e não cobra tributos de seus associados.

Seria impróprio, portanto, concluir pela submissão da OAB ao controle do TCU.

 

Veja a tese fixada pelo STF:

O Conselho Federal e os Conselhos Seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil não estão obrigados a prestar contas ao Tribunal de Contas da União nem a qualquer outra entidade externa.

STF. Plenário. RE 1.182.189/BA, Rel. Min. Marco Aurélio, redator do acórdão Min. Edson Fachin, julgado em 25/4/2023 (Repercussão Geral – Tema 1054) (Info 1091).


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