quinta-feira, 18 de maio de 2023
Votos de candidato com registro negado após eleição devem ser computados para o partido
Márcio André Lopes Cavalcante
Juiz Federal. Juiz Eleitoral do pleno do TRE/AM (2020-2022). Membro da ABRADEP
Robério Moreira Borges
Analista Judiciário do TRE/AM
Registro de candidatura
Para compreender esse julgado, vamos
inicialmente ver como funciona a fase de habilitação dos candidatos para
participar do processo eleitoral.
A fase de habilitação de candidatos,
no processo eleitoral brasileiro, denomina-se registro de candidatura.
Todos os partidos políticos, após a
indicação de seus candidatos em convenção partidária, devem apresentar à
Justiça Eleitoral o pedido de registro, para que sejam analisados os requisitos
da candidatura. Trata-se, assim, de um processo por meio do qual a Justiça
Eleitoral verifica se incide sobre o cidadão alguma causa que o impeça de se
candidatar a cargo eletivo.
Esse requerimento deve ser apresentado
para a justiça eleitoral até as 19h do dia 15 de agosto do ano da eleição (art.
19, da Res. TSE 23.609/2019).
Esse requerimento é feito por meio
eletrônico através de um sistema denominado CAND, que a justiça eleitoral
utiliza tanto para recepcionar os pedidos (módulo externo) como também para
acompanhá-los (módulo interno) e assim gerar as informações que serão
posteriormente carregadas nas urnas eletrônicas.
Essas informações também são
espelhadas para o PJe, onde tramita o processo propriamente dito, que será, ao
final, julgado pelo juiz eleitoral ou tribunal, a depender do cargo em disputa.
O processamento do requerimento de
registro é composto por uma série de atos sucessivos, como a publicação de
edital, fase de impugnação, análise pelo cartório ou secretaria judiciária da
documentação apresentada, prazos de diligências, manifestação do Ministério
Público, julgamento e eventuais recursos.
Todos esses atos devem ser concluídos
até vinte dias antes da data das eleições. Em outras palavras, a lei exige que
todos os requerimentos de registro, impugnados ou não, bem como os respectivos
recursos, sejam definitivamente julgados em até vinte dias antes da diplomação.
É o que dispõe o art. 16, §1º, da Lei 9.504/97:
Art. 16. Até vinte dias antes da data das eleições, os
Tribunais Regionais Eleitorais enviarão ao Tribunal Superior Eleitoral, para
fins de centralização e divulgação de dados, a relação dos candidatos às
eleições majoritárias e proporcionais, da qual constará obrigatoriamente a
referência ao sexo e ao cargo a que concorrem.
§ 1º Até a data prevista no caput,
todos os pedidos de registro de candidatos, inclusive os impugnados e os
respectivos recursos, devem estar julgados pelas instâncias ordinárias, e
publicadas as decisões a eles relativas.
(...)
Nem sempre é possível julgar todos os
registros de candidatura antes do fim do prazo
Esse prazo existe para que a Justiça
Eleitoral possa ter tempo hábil para elaborar as listas, gerar mídias e carregar
as urnas eletrônicas com as informações dos candidatos, além de dar publicidade
aos eleitores a respeito de quais candidatos estão aptos a receber votos.
Acontece, no entanto, que o prazo
entre a apresentação do registro (até 15/08) e a data-limite para julgamento
(vinte dias antes da eleição) é muito curto, pois são mais de 500.000 registros
de candidatura em eleições municipais e cerca de 30.000 registros nas eleições
gerais.
Nas eleições de 2022, por exemplo,
esse prazo foi de apenas 28 dias.
Além disso, recai uma sobrecarga de
trabalho sobre a justiça eleitoral nesse período, pois, paralelamente ao
registro, há outras atividades urgentes, como a tramitação de ações eleitorais,
treinamento de mesários, preparação de urnas, vistoria de locais de votação,
fiscalização da propaganda eleitoral, entre outras.
Por todas essas razões, é muito comum
que, ao final do prazo estipulado, ainda haja recursos pendentes de apreciação
e até mesmo pedidos ainda não decididos.
Já prevendo essa possibilidade, a legislação eleitoral
assegura ao candidato cujo registro não esteja definitivamente julgado (sub
judice) a realização de todos os atos de campanha, bem como a inclusão de
seu nome na urna eletrônica, enquanto estiver nessa condição. Vejamos:
Lei nº 9.504/97
Art. 16-A. O candidato cujo registro esteja sub judice
poderá efetuar todos os atos relativos à campanha eleitoral, inclusive utilizar
o horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão e ter seu nome mantido na
urna eletrônica enquanto estiver sob essa condição, ficando a validade dos
votos a ele atribuídos condicionada ao deferimento de seu registro por
instância superior.
(...)
Art. 16-B. O disposto no art. 16-A quanto ao direito de
participar da campanha eleitoral, inclusive utilizar o horário eleitoral
gratuito, aplica-se igualmente ao candidato cujo pedido de registro tenha sido
protocolado no prazo legal e ainda não tenha sido apreciado pela Justiça
Eleitoral.
Quando cessa essa condição de sub
judice?
De acordo com o Tribunal Superior
Eleitoral, essa condição de candidatura sub judice cessa quando ocorrer:
1) o trânsito em julgado da decisão;
ou
2) a partir da decisão colegiada
proferida pelo TSE, independente do julgamento de eventuais embargos de
declaração, salvo se obtida decisão concessiva de efeito suspensivo ou que
suspende a causa de inelegibilidade ou o ato/decisão do qual derivou a causa de
inelegibilidade.
Confira:
Resolução TSE 23.609/2019
Art. 51. A candidata ou o candidato
cujo registro esteja sub judice pode efetuar todos os atos relativos à campanha
eleitoral, inclusive utilizar o horário eleitoral gratuito no rádio e na
televisão e ter seu nome mantido na urna eletrônica enquanto estiver sob essa
condição.
§ 1º Cessa a situação sub judice:
I - com o trânsito em julgado; ou
II - independentemente do julgamento de
eventuais embargos de declaração, a partir da decisão colegiada do Tribunal
Superior Eleitoral, salvo se obtida decisão que:
a) afaste ou suspenda a inelegibilidade
(LC nº 64/1990, arts. 26-A e 26-C) ;
b) anule ou suspenda o ato ou decisão
do qual derivou a causa de inelegibilidade;
c) conceda efeito suspensivo ao recurso
interposto no processo de registro de candidatura.
Assim, ao menos em relação à esfera
individual do candidato, a solução é simples: o candidato pode participar
normalmente das eleições e, caso ele venha a ter seu registro futuramente
indeferido, os votos obtidos serão anulados.
O problema acontece quando há
participação de candidato nessas circunstâncias no pleito proporcional, pois
os votos obtidos por esses candidatos sub judice são computados para cálculo
do quociente partidário e consequente definição das cadeiras obtidas pelo
partido.
Para ilustrar essa situação, vamos a
um exemplo hipotético bem simples de uma eleição para vereador em um pequeno
município.
Na data do fechamento do CAND (20 dias antes da eleição), a
situação dos candidatos do partido Alfa era a seguinte:
CANDIDATO(A) |
SITUAÇÃO |
JOÃO |
Registro deferido, com
trânsito em julgado. |
MARIA |
Registro deferido, aguardando
julgamento de recurso do MP. |
JOSÉ |
Registro deferido, aguardando
julgamento de recurso do MP. |
JOANA |
Registro indeferido,
aguardando julgamento de recurso da candidata. |
REGINA |
Aguardando julgamento. |
Nesse cenário, como já mencionado
anteriormente, os candidatos com registro ainda pendente de julgamento definitivo
estão amparados pela regra do art. 16-A, caput, da Lei nº 9.504/97,
podendo fazer campanha e ter seus nomes incluídos na urna.
A campanha então prosseguiu e a
eleição foi realizada.
Após o pleito, foram contabilizados 9.000
votos válidos para o cargo de vereador, sendo nove o número de
cadeiras a preencher.
O partido Alfa obteve a seguinte votação:
CANDIDATO(A) |
VOTOS |
JOÃO |
400
votos |
MARIA |
260
votos |
JOSÉ |
240
votos |
JOANA |
150
votos |
REGINA |
100
votos |
TOTAL DE
VOTOS DO PARTIDO: 1.150 votos |
Agora vamos calcular o desempenho do
partido.
Inicialmente, devemos calcular o quociente eleitoral.
Esse cálculo é feito na forma do art. 106, do Código Eleitoral:
Art. 106. Determina-se o quociente
eleitoral dividindo-se o número de votos válidos apurados pelo de lugares a
preencher em cada circunscrição eleitoral, desprezada a fração se igual ou
inferior a meio, equivalente a um, se superior.
O quociente eleitoral será obtido a
partir da divisão entre o número de votos válidos (9 mil) pelo número
de cadeiras (9 cadeiras). No nosso
exemplo, portanto, o quociente eleitoral seria 1.000.
Dizendo de uma forma bem simples,
pode-se afirmar que, nesse exemplo, cada cadeira em disputa corresponderia a
1.000 votos. Esse é o quociente eleitoral.
Em seguida, passamos para o cálculo do quociente
partidário, ou seja, a quantidade de cadeiras obtidas pelo partido. O
cálculo é feito na forma do art. 107, do Código Eleitoral:
Art. 107. Determina-se para cada
partido o quociente partidário dividindo-se pelo quociente eleitoral o número
de votos válidos dados sob a mesma legenda, desprezada a fração. (Redação dada pela Lei nº14.211, de 2021)
No nosso exemplo, vamos pegar a
votação total obtida pelo partido (inclusive dos candidatos sub judice),
que, no nosso caso, foi 1.150 votos, e dividi-lo pelo quociente eleitoral, que
corresponde ao número de votos de cada cadeira (1.000), desprezada a fração.
O quociente partidário, portanto,
seria 1 (1150 dividido por 1.000 daria 1,15). Assim, pelo quociente partidário,
o Partido Alfa conquistou uma cadeira e ainda teria direito de disputar
as cadeiras remanescentes no cálculo das sobras (art. 109, do Código
Eleitoral).
Logo, estaria eleito pelo quociente
partidário o candidato mais votado do partido (JOÃO, com 400 votos).
No entanto, no nosso exemplo, poucos
dias após a eleição os recursos foram julgados e todas as candidaturas sub
judice foram indeferidas e, em consequência, a votação individual de MARIA,
JOSÉ, JOANA e REGINA foram anuladas.
E agora? Como ficam as cadeiras
conquistadas pelo partido? Haverá repercussão sobre o número de cadeiras
conquistadas pelo partido?
Vamos com calma.
Até 2009, o indeferimento do registro do
candidato após a eleição não anulava a votação atribuída ao partido. É o que
dispõe os §§3º e 4º, do art. 175, do Código Eleitoral:
Art. 175. (...)
§ 3º Serão nulos, para todos os
efeitos, os votos dados a candidatos inelegíveis ou não registrados.
§ 4º O disposto no parágrafo anterior
não se aplica quando a decisão de inelegibilidade ou de cancelamento de
registro for proferida após a realização da eleição a que concorreu o
candidato alcançado pela sentença, caso em que os votos serão contados para
o partido pelo qual tiver sido feito o seu registro.
Assim, o indeferimento do registro de
candidato após o pleito não impactava na votação atribuída ao partido para
cálculo do quociente partidário.
Desse modo, no nosso exemplo, o
partido permaneceria com a cadeira conquistada.
Em 2009, a minirreforma eleitoral promovida
pela Lei nº 12.034/2009 inseriu um novo dispositivo na Lei nº 9.504/97, que
prevê que o cômputo para o partido de votação atribuída a candidato sub judice
ficaria condicionado ao deferimento do registro. Vejamos:
Art. 16-A. (...)
Parágrafo único. O cômputo, para o
respectivo partido ou coligação, dos votos atribuídos ao candidato cujo
registro esteja sub judice no dia da eleição fica condicionado ao deferimento
do registro do candidato.
O Tribunal Superior Eleitoral, à época, passou a aplicar a
nova regra para todas as hipóteses de candidaturas sub judice, tanto que, na
Resolução TSE 23.218/2010, que regulamentava a totalização dos votos para o
Pleito 2010, inseriu o seguinte dispositivo:
Art. 147. Serão nulos, para todos os efeitos, inclusive
para a legenda, os votos dados a candidatos inelegíveis ou não registrados
(Código Eleitoral, art. 175, § 3º, e Lei nº 9.504/97, art. 16-A)
Parágrafo único. A validade dos votos dados a candidato cujo
registro esteja pendente de decisão, assim como o seu cômputo para o respectivo
partido ou coligação, ficará condicionada ao deferimento do registro (Lei nº
9.504/97, art. 16-A).
Há, inclusive, julgados daquela época
reafirmando a validade desse novo regramento, nos quais prevaleceu entendimento
(por maioria) de que a regra anterior do Código Eleitoral havia sido superada
pelo novo dispositivo legal. Vejamos:
ELEIÇÕES 2010. AGRAVO REGIMENTAL. MANDADO DE SEGURANÇA.
CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. REGISTRO INDEFERIDO APÓS A ELEIÇÃO. CONTAGEM PARA
A LEGENDA. IMPOSSIBILIDADE.
1. Na dicção do art. 16-A da Lei nº 9.504/97, a validade dos
votos atribuídos a candidato com registro indeferido fica condicionada, em
qualquer hipótese, ao deferimento do registro.
2. O § 4º do art. 175 do Código Eleitoral, que estabelece a
contagem para a legenda dos votos obtidos por candidatos cujos registros tenham
sido indeferidos após a eleição, foi superado pelo parágrafo único do art. 16-A
da Lei nº 9.504/97, introduzido pela Lei nº 12.034/2009, que condiciona a
validade dos votos ao deferimento do registro, inclusive para fins do
aproveitamento para o partido ou coligação.
3. Agravo regimental desprovido.
(TSE - MS - Agravo Regimental em Mandado de Segurança nº 403463
- MACAPÁ – AP - Acórdão de 15/12/2010 - Relator(a) Min. Hamilton Carvalhido -
Relator(a) designado(a) Min. Marcelo Ribeiro - Publicação: RJTSE - Revista de
jurisprudência do TSE, Volume 23, Tomo 1, Data 15/12/2010, Página 97 - PSESS -
Publicado em Sessão, Data 16/12/2010)
Essa nova regra alterou
substancialmente o cenário até então vigente, pois o indeferimento do registro
de candidato após as eleições passou a impactar na votação atribuída ao partido
e, em consequência, no cálculo do quociente partidário.
Logo, a partir das eleições de 2010, o
indeferimento superveniente de candidatura ensejaria uma nova totalização dos
votos, com novo recálculo do quociente partidário, desconsiderando-se os votos
anulados.
Assim, voltando ao nosso exemplo, a aplicação dessa regra
implicaria na seguinte situação:
CANDIDATO(A) |
VOTOS |
JOÃO |
400
votos |
|
|
|
|
|
|
|
|
TOTAL DE
VOTOS DO PARTIDO: 400 votos |
Como se pode observar, a exclusão dos
votos atribuídos aos candidatos PEDRO, JOSÉ JOANA e REGINA reduziu a quantidade
de votos obtida pelo partido para apenas 400 votos.
Como consequência, o partido perderia
a cadeira conquistada pelo quociente partidário e sequer teria direito a
participar da distribuição das cadeiras remanescentes (sobras), pois a votação
obtida seria inferior a 80% do quociente eleitoral (art. 109, §2º, do Código
Eleitoral).
A mudança, como se percebe, foi
substancial e prejudicou sobremaneira o desempenho de partidos com candidatos sub
judice.
Por essa razão, algumas agremiações
partidárias discordaram da interpretação dada, à época, pelo Tribunal Superior
Eleitoral.
Na visão desses partidos, se o
candidato possui registro deferido na data do pleito, recai uma presunção de
legalidade e de validade de sua participação no pleito. Há uma confiança do
eleitor e do próprio partido de que os votos atribuídos àquele candidato serão
computados, de modo que eventual alteração dessa situação fática deve se
restringir à esfera pessoal do candidato, sob pena de desvirtuamento do próprio
sistema proporcional.
Por essa razão, foram propostas as
ADIs 4513 e 4542, a fim de que o Supremo Tribunal Federal afastasse a
interpretação dada pelo Tribunal Superior Eleitoral ao parágrafo único do art.
16-A, restringindo seu âmbito de incidência apenas aos candidatos com “registro
indeferido” na data da eleição.
O Supremo Tribunal concordou com esse
pedido?
SIM.
Inicialmente, o relator Ministro Luís
Roberto Barroso apontou o que seria uma disfunção do processo eleitoral: o
atual regramento permite que as eleições ocorram sem que tenha havido definição
sobre quais candidatos são, de fato, elegíveis, ou seja, os eleitores não
sabem, antes do momento do pleito, quem pode ou não ser candidato e, após o
pleito, se fizeram uma escolha de voto válida nas urnas.
Essa disfunção, como já dito, decorre
do exíguo prazo para apreciação dos requerimentos de registro de candidatura.
Com isso, lança-se um quadro de
insegurança sobre a situação jurídica dos candidatos, com efeitos negativos
sobre a soberania popular e o princípio democrático, pois os eleitores são
forçados a decidir em quem votar, quando não sabem quais candidatos podem
efetivamente concorrer.
Desse cenário advém, ainda, efeitos
adversos quanto a noção de economicidade que orienta o emprego de recursos
públicos, pois autoriza a realização de propaganda eleitoral financiada com recursos do Fundo Partidário e do Fundo
Especial de Financiamento de Campanha, por candidatos que sequer sabem se estão
validamente habilitados a concorrer no pleito ou até mesmo de candidatos que
tiveram seus registros indeferidos, mas que permanecem na disputa aguardando o
julgamento de recurso.
Assim, enquanto não sanada essa disfunção, os dispositivos
eleitorais correlatos devem ser interpretados sob a ótica dos princípios
democrático e da soberania popular, dos quais decorre o postulado máximo do
aproveitamento dos votos, que funciona como vetor que recomenda, em sua
maior extensão possível, a preservação da vontade manifestada nas urnas.
Nesse contexto, as candidaturas sub
judice poderiam ser classificadas em três situações distintas:
1) registro de candidatura indeferido
com recurso pendente;
2) registro de candidatura deferido
com recurso pendente; e
3) registro de candidatura ainda não
apreciado.
Embora genérica, a redação do art.
16-A, da Lei nº 9.504/97, ao garantir ao candidato sub judice a
possibilidade de realizar atos de campanha e de manter seu nome na urna, tem
incidência restrita à primeira hipótese (candidatura indeferida
com recurso pendente), pois não faria sentido garantir esse direito para
candidatos com candidatura deferida ou ainda não apreciada.
Trata-se, portanto, de uma regra
voltada a retirar os incentivos para que os partidos lancem ou mantenham na
disputa candidatos manifestamente inelegíveis. Afinal, o candidato com
candidatura indeferida (com recurso pendente) deve concorrer por sua conta e
risco, com a ciência de que, caso mantido o indeferimento, não será possível o
aproveitamento dos votos nem pelo candidato, nem pelo partido.
Desse modo, as hipóteses restantes
(candidatura deferida com recurso e de registro não apreciado) permaneceriam
regidas pelo art. 175, §4º, do Código Eleitoral, que dispõe que os votos
obtidos pelos candidatos que tiveram o registro indeferido por decisão
superveniente deveriam ser computados e considerados na definição do quociente
partidário.
Interpretação diversa não encontraria
respaldo constitucional, pois retiraria todo efeito útil ao voto dado pelo
eleitor em uma situação em que este não tinha razões para questionar a validade
da candidatura.
Ademais, no âmbito do sistema
proporcional, o eleitor deposita sua confiança tanto no candidato como também
no partido, de modo que que os votos dados, se não podem ser
aproveitados pelo primeiro (candidato), devem beneficiar ao menos o partido
pelo qual ele concorreu. Impedir o aproveitamento desses votos criaria uma
situação em que a vontade do eleitor é totalmente desprezada, além de esvaziar
o papel garantido aos partidos pela Constituição Federal.
Em suma:
Em regra, nas eleições
proporcionais, devem ser computados como válidos para os partidos políticos os
votos dados aos candidatos “sub judice” cujos registros de candidatura estejam
deferidos ou sem análise pela Justiça eleitoral na data da realização do
sufrágio e que, após a votação, sejam indeferidos por decisão judicial.
STF.
Plenário. ADI 4.513/DF, ADI 4.542/DF e ADPF 223/DF, Rel. Min. Roberto Barroso,
julgados em 13/4/2023 (Info 1090).
Inaplicabilidade do entendimento para
as hipóteses de prática de ilícitos eleitorais graves e outras burlas ao
processo eleitoral
Por fim, o julgado ponderou que o
entendimento firmado não se aplicaria à hipótese de candidatura que venha a ser
posteriormente cassada por ilícitos eleitorais graves, a exemplo de falsidade,
fraude, coação, captação ilícita de sufrágio, abuso de poder econômico,
político ou uso indevido de meios de comunicação. Nessas situações, os votos são
inválidos e anulados para todos os efeitos, inclusive para o partido político,
como preceituam os arts. 222 e 237, do Código Eleitoral.
Em tais casos, não se justifica a
preocupação em resguardar a vontade popular, já que os votos foram obtidos com
o emprego de meios ilícitos, em desrespeito à normalidade e à higidez do pleito.
Incide, portanto, a regra do art. 222 do Código Eleitoral, que
explicita justamente que é anulável a votação quando viciada por ilícitos
eleitorais graves:
Art. 222. É também anulável a votação,
quando viciada de falsidade, fraude, coação, uso de meios de que trata o Art.
237, ou emprego de processo de propaganda ou captação de sufrágios vedado por
lei.
Assim, em conclusão, o julgado pode ser sintetizado da
seguinte forma:
HIPÓTESES |
CONSEQUÊNCIAS |
DISPOSITIVO
APLICÁVEL |
Registro indeferido, com recurso |
A validade dos votos fica condicionada
ao provimento do recurso. Se mantido o indeferimento, os votos não
são aproveitados pelo partido. |
Art. 16-A, parágrafo único, da Lei nº 9.504/97 |
Registro deferido, com recurso |
Independentemente do resultado do
recurso, os votos são aproveitados pelo partido. |
Art. 175, §4º, do Código Eleitoral |
Registro pendente de julgamento |
||
Registro cassado por ilícito eleitoral
grave |
Os votos não são aproveitados
pelo partido. |
Arts. 222 e 237, do Código Eleitoral |
Assim, voltando ao nosso exemplo,
apenas os votos de JOANA, que estava com registro indeferido no dia do pleito,
não poderiam ser contabilizados para cálculo do quociente partidário. Desse
modo, mesmo excluídos os votos de JOANA, o partido ainda permaneceria com 1.000
votos, quantidade que lhe asseguraria uma cadeira pelo quociente partidário.
E como fica a partir de agora a
jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral?
Na prática não haverá mudança, pois,
durante a tramitação dessas ações constitucionais, a jurisprudência do Tribunal
Superior Eleitoral evoluiu na mesma direção do julgado em análise.
Há, inclusive, previsão expressa na Res. TSE 23.611/2019,
que atualmente regulamenta os atos gerais da eleição:
Art. 196. No momento da totalização,
serão computados como válidos os votos dados a candidato cujo registro se
encontre em uma das seguintes situações:
I - deferido por decisão transitada em
julgado;
II - deferido por decisão ainda objeto
de recurso;
III - não apreciado pela Justiça
Eleitoral, inclusive em decorrência de substituição de candidato ou anulação de
convenção.
§ 1º O cômputo como válido do voto dado
ao candidato pressupõe o deferimento ou a pendência de apreciação do DRAP.
§ 2º No caso dos incisos II e III,
vindo o candidato a ter seu registro indeferido ou cancelado após a realização
da eleição, os votos serão contados para a legenda pela qual concorreu.
Com base nesses e em outros
entendimentos, o Plenário, por unanimidade, não conheceu da ADPF 223/DF,
conheceu parcialmente da ADI 4.542/DF e, integralmente da ADI 4.513/DF. Na
extensão em que conhecidas as ações, o Plenário, também por unanimidade, as
julgou procedentes para atribuir interpretação conforme a Constituição ao art.
16-A, parágrafo único, da Lei nº 9.504/97.