O caso concreto, com adaptações,
foi o seguinte:
Em 2014, durante uma operação da
Polícia Militar na Comunidade da Quitanda, em Costa Barros, na capital do Rio
de Janeiro, uma criança de três anos morreu dentro de casa enquanto dormia, ao
ser atingida na cabeça por uma bala perdida.
Os parentes da vítima ajuizaram
ação de indenização por danos morais contra o Estado do Rio de Janeiro.
O juízo de 1ª instância e o TJ/RJ
julgaram o pedido improcedente, afastando a responsabilidade civil do Estado pela
morte sob o argumento de que não ficou provado que o projétil teria partido das
armas dos policiais.
Os autores interpuseram recurso extraordinário.
O que decidiu o STF? O
Estado do Rio de Janeiro foi condenado a pagar a indenização?
SIM.
A responsabilidade civil do
Estado depende, para a configuração da ocorrência, do preenchidos dos seguintes
pressupostos:
a) a conduta (ação ou omissão);
b o dano sofrido; e
c) o nexo de causalidade entre o
evento danoso e a ação ou omissão do agente público.
No contexto de incursões
policiais, o Estado deverá ser condenado a indenizar se ficar comprovado:
a) o confronto armado entre
agentes estatais e criminosos (isso é a “ação”);
b) a lesão ou morte de cidadão
(dano);
c) e que esse dano foi causado
por disparo de arma de fogo (nexo de causalidade).
Preenchidos os pressupostos
acima, é dever do Poder Público indenizar, salvo se o Estado comprovar a
ocorrência de hipóteses excludentes da relação de causalidade.
A ação de agentes estatais —
munidos de armamento letal, em área urbana densamente povoada, deflagrando ou
reagindo a confronto com criminosos — impõe ao ente estatal a demonstração da
conformidade da intervenção das forças de segurança pública, visto que possui
condições de elucidar as causas e circunstâncias do evento danoso.
A atribuição desse ônus
probatório é decorrência lógica do monopólio estatal do uso da força e dos
meios de investigação. O Estado possui os meios para tanto — como câmeras
corporais e peritos oficiais —, cabendo-lhe averiguar as externalidades negativas
de sua ação armada, coligindo evidências e elaborando os laudos que permitam a
identificação das reais circunstâncias da morte de civis desarmados dentro de
sua própria residência.
Na espécie, a perícia foi
inconclusiva sobre a origem do disparo. A vítima foi alvejada por projétil de
arma de fogo dentro de sua própria casa, enquanto deitado na cama com sua mãe,
quando ocorria incursão de agentes estatais armados, com disparos de armas de
fogo.
Assim, ausente a comprovação pelo
Estado de caso fortuito, força maior, culpa exclusiva da vítima, fato de
terceiro ou outra circunstância interruptiva do nexo causal, mostra-se
inafastável o dever de indenizar.
Em suma:
No caso
de vítima atingida por projétil de arma de fogo durante uma operação policial,
é dever do Estado, em decorrência de sua responsabilidade civil objetiva,
provar a exclusão do nexo causal entre o ato e o dano, pois ele é presumido.
STF. 2ª Turma. ARE 1.382.159 AgR/RJ, Rel. Min. Nunes Marques, redator do
acórdão Min. Gilmar Mendes, julgado em 28/03/2023 (Info 1089).
Com base nesse entendimento, a
Segunda Turma, por maioria, deu provimento ao agravo interno e ao recurso
extraordinário com agravo para julgar procedentes, em parte, os pedidos e
condenar o Estado do Rio de Janeiro ao pagamento de compensação por danos
morais a parentes da vítima.