terça-feira, 9 de maio de 2023
Se um contrato possui cláusula de arbitragem, mas é líquido, certo e exigível, pode ser executado no juízo estatal; a executada não pode, em embargos à execução, discutir questões relacionadas com as disposições do contrato, sendo essa matéria do juízo arbitral
ARBITRAGEM, CONVENÇÃO
DE ARBITRAGEM E CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA
Em que consiste a arbitragem:
Arbitragem representa uma técnica
de solução de conflitos por meio da qual os conflitantes aceitam que a solução
de seu litígio seja decidida por uma terceira pessoa, de sua confiança.
Vale ressaltar que a arbitragem é
uma forma de heterocomposição, isto é, instrumento por meio do qual o conflito
é resolvido por um terceiro.
Regulamentação
A arbitragem, no Brasil, é
regulada pela Lei n.°
9.307/96, havendo também alguns dispositivos no CPC versando sobre o tema.
Convenção de arbitragem
As partes interessadas podem
submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção de
arbitragem (art. 3º).
Convenção de arbitragem é o
gênero, que engloba duas espécies:
• a cláusula compromissória e
• o compromisso arbitral.
Em que consiste a cláusula
compromissória:
A cláusula compromissória, também
chamada de cláusula arbitral, é...
- uma cláusula prevista no
contrato,
- de forma prévia e abstrata,
- por meio da qual as partes
estipulam que
- qualquer conflito futuro
relacionado àquele contrato
- será resolvido por arbitragem
(e não pela via jurisdicional estatal).
A cláusula compromissória está prevista no art. 4º da Lei nº 9.307/96:
Art. 4º A cláusula compromissória é a convenção através da qual as
partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que
possam vir a surgir, relativamente a tal contrato.
CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA PRESENTE EM CONTRATO QUE JÁ E TÍTULO
EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL
Feitos os devidos
esclarecimentos, imagine a seguinte situação hipotética:
A empresa Alfa fez um contrato
com a empresa Beta, sendo assinado por duas testemunhas.
Uma das cláusulas do contrato
previa que a empresa Beta reconhecia uma dívida de R$ 500 mil que ela tinha com
a Alfa e se comprometia a pagá-la no prazo de 360 dias.
Ao final do contrato, havia uma
cláusula compromissória dizendo que:
“Fica ajustado pelas Partes que
qualquer controvérsia ou reivindicação decorrente ou relativa a este Contrato
será dirimida por arbitragem de acordo com as regras do Centro de Arbitragem e
mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá.”
Este contrato era garantido por
uma seguradora, que se comprometeu a honrar com os compromissos da empresa Beta
caso ela não cumprisse suas obrigações contratuais.
Como a empresa Beta não pagou a
dívida no prazo, a seguradora ressarciu a empresa Alfa (segurada).
Como a seguradora pagou a indenização à Alfa, ela se
sub-rogou e pode exigir o valor que pagou da autora do dano (Beta). É o que
prevê o art. 786 do Código Civil:
Art. 786. Paga a indenização, o
segurador sub-roga-se, nos limites do valor respectivo, nos direitos e ações
que competirem ao segurado contra o autor do dano.
Desse modo, como a seguradora
pagou a dívida da Beta, ela se sub-rogou nos direitos e ações que a segurada (Alfa)
tinha contra a autora do prejuízo (Beta).
Ação de execução
A seguradora ajuizou ação de execução de título
extrajudicial cobrando os R$ 500 mil de Beta, na forma do art. 784, III, do CPC/2015:
Art. 784. São títulos executivos extrajudiciais:
(...)
III - o documento particular assinado
pelo devedor e por 2 (duas) testemunhas;
Primeira controvérsia: neste
contrato, como vimos, havia uma cláusula compromissória. Diante disso,
indaga-se: seria possível ajuizar diretamente a execução judicial ou seria
necessário que a seguradora instaurasse a arbitragem?
A seguradora agiu corretamente ao
ajuizar diretamente a execução judicial.
Ainda que possua cláusula
compromissória, o contrato assinado pelo devedor e por duas testemunhas pode
ser levado a execução judicial relativamente à cláusula de confissão de dívida
líquida, certa e exigível.
A cláusula compromissória, como é
uma convenção de arbitragem, a princípio, afasta a jurisdição estatal, tendo em
vista que cabe ao árbitro decidir as questões sobre a validade da própria
convenção e do contrato que contenha cláusula compromissória, segundo o
disposto no art. 8º, parágrafo único, da Lei nº 9.307/96. Por conseguinte, se a
parte que celebrou a cláusula compromissória optar por ingressar com ação
judicial em vez de instaurar o procedimento arbitral, a solução correta a ser
adotada pelo juiz é realmente a extinção do processo judicial sem resolução de
mérito, com base no art. 485, VII, do CPC/2015.
Todavia, caso se trate de um
contrato que possua cláusula compromissória, mas ao mesmo tempo tenha uma
confissão de dívida, nesta hipótese será possível desde logo a execução na via
judicial da confissão de dívida, que se constitui em título executivo extrajudicial
(líquido, certo e exigível). Isso porque o juízo arbitral não possui poderes coercitivos (executivos).
Ele não pode penhorar bens do executado, por exemplo nem levá-los à hasta
pública. Em outras palavras, o árbitro até decide a causa, mas se a parte
perdedora não cumprir voluntariamente o que lhe foi imposto, a parte vencedora
terá que executar esse título no Poder Judiciário. Logo, não há sentido
instaurar a arbitragem para exigir o valor que já está líquido, certo e
exigível por força uma confissão de dívida. Nesse sentido:
Mesmo em contrato que preveja a arbitragem, é possível a
execução judicial de confissão de dívida certa, líquida e exigível que
constitua título executivo, haja vista que o juízo arbitral é desprovido de
poderes coercitivos. Precedente do STJ.
A existência de título executivo extrajudicial prescinde de
sentença arbitral condenatória para fins de formação de um outro título sobre a
mesma dívida.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.373.710-MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas
Cueva, julgado em 7/4/2015 (Info 560).
Resumindo a primeira
controvérsia:
Desse modo, mostra-se correta a iniciativa de credora
sub-rogada que ajuizou a execução do título perante o Poder Judiciário, pois
outro modo não haveria de receber seu crédito na hipótese de renitência no
cumprimento voluntário das obrigações contratuais.
STJ. 3ª
Turma. REsp 2.032.426-DF, Rel. Min. Moura Ribeiro, Rel. para acórdão Min.
Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 11/4/2023 (Info 770).
Agora vem a segunda
controvérsia: a executada Beta apresentou embargos à execução afirmando que as
cláusulas do contrato não permitiam a sub-rogação, sendo esta, portanto,
inválida. Além disso, questionava cláusulas do contrato. Essa discussão pode
ser travada no Poder Judiciário?
NÃO.
Salvo situações excepcionais de manifesta
ilegalidade (cláusula patológica), é da jurisdição arbitral a atribuição para
apreciar as controvérsias em torno da validade e dos efeitos da cláusula
inserida pelas partes nos negócios jurídicos que formalizam.
Sendo assim, a execução de título
executivo que contenha cláusula compromissória por credor sub-rogado deve ser
processada na jurisdição estatal, que, contudo, não tem competência para analisar as questões
alusivas às disposições do contrato em si invocadas em embargos à execução.
Logo, a executada, que pretendia questionar
a própria exequibilidade do título, deveria dar início ao procedimento arbitral
respectivo, nos termos do art. 8º, parágrafo único, da Lei nº 9.307/96.
Não pode haver discussão, no
processo executivo e em seus respectivos embargos, acerca da sub-rogação ou não
da cláusula de arbitragem, pois as questões ligadas à sua validade e aos seus
efeitos perante a exequente devem ser discutidas na jurisdição adequada, que
seria a arbitral.
Caso julgue necessário, a
embargante pode pleitear, perante o juízo, e desde que atendidos os requisitos
legais (como, por exemplo, o oferecimento de garantia - art. 919, § 1º, do
CPC/2015), a suspensão da execução até que as questões relativas à avença sejam
definidas na jurisdição competente.
Resumindo a segunda controvérsia:
STJ. 3ª
Turma. REsp 2.032.426-DF, Rel. Min. Moura Ribeiro, Rel. para acórdão Min.
Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 11/4/2023 (Info 770).