Dizer o Direito

segunda-feira, 8 de maio de 2023

Se, após elaborar a lista sêxtupla para o quinto constitucional, a OAB perceber que um dos indicados não preencheu os requisitos, ela não poderá pedir a desconsideração da lista já enviada

 

Tribunal Regional Federal (TRF) e Tribunal de Justiça (TJ)

Os Tribunais Regionais Federais e os Tribunais de Justiça são compostos por Desembargadores* (federais, no caso do TRF; e estaduais, no caso do TJ).

Esses Desembargadores são:

• juízes que foram promovidos (por antiguidade ou merecimento); ou

• ex-advogados ou ex-membros do MP nomeados Desembargadores pelo chamado sistema do “quinto constitucional”.

 

* Obs: a CF não utiliza a nomenclatura “desembargadores” para os membros do TRF. O art. 107 da Constituição fala em juízes dos Tribunais Regionais Federais. A despeito disso, os regimentos internos dos Tribunais Regionais Federais preveem a nomenclatura de Desembargador Federal, que é utilizada na prática forense.

 

Regra do quinto constitucional

A CF/88 determina que 1/5, ou seja, 20% das vagas de Desembargadores no TJ e no TRF deverão ser preenchidas não por magistrados de carreira, mas sim por advogados e membros do MP.

A isso chamamos de regra do “quinto constitucional”.

Vejamos os detalhes disso:

Aplicado na composição dos TRF’s e TJ´s

1/5 dos lugares dos TRF´s e dos TJ´s deve ser composto, alternadamente, por:

membros do MP com mais de 10 anos de carreira; e

advogados de notório saber jurídico e ilibada reputação com mais de 10 anos de efetiva atividade profissional.

 

Os candidatos serão indicados em lista sêxtupla pelos órgãos representativos da respectiva classe (MP ou OAB), e o tribunal, recebida a lista, elaborará lista tríplice, enviando-a ao Poder Executivo que, então, nos 20 dias subsequentes, escolherá um dos integrantes para a nomeação.

 

Ex: João, Desembargador do TJSP, oriundo da advocacia, aposentou-se; surge, então, uma vaga nesse TJ para ser preenchida pelo sistema do quinto constitucional dentre advogados. A OAB-SP deverá elaborar uma lista com 6 nomes de advogados que tenham notório saber jurídico, reputação ilibada e mais de 10 aos de efetiva advocacia. Essa lista será encaminhada ao TJSP. Desses 6 nomes, o TJ escolherá 3, ou seja, fará uma lista tríplice e a remeterá ao Governador do Estado. O Governador do Estado escolherá um desses 3 nomes para nomear como Desembargador.

 

Obs: no TRF o procedimento é semelhante, com a diferença de que, em vez do Governador do Estado, quem escolhe um nome da lista tríplice é o Presidente da República.

 

Onde está prevista a regra do quinto constitucional?

No art. 94 da CF/88:

Art. 94. Um quinto dos lugares dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais dos Estados, e do Distrito Federal e Territórios será composto de membros, do Ministério Público, com mais de dez anos de carreira, e de advogados de notório saber jurídico e de reputação ilibada, com mais de dez anos de efetiva atividade profissional, indicados em lista sêxtupla pelos órgãos de representação das respectivas classes.

Parágrafo único. Recebidas as indicações, o tribunal formará lista tríplice, enviando-a ao Poder Executivo, que, nos vinte dias subsequentes, escolherá um de seus integrantes para nomeação.

 

Feitos os devidos esclarecimentos, imagine a seguinte situação adaptada:

Um Desembargador do Tribunal de Justiça de Santa Catarina se aposentou. Com isso, abriu uma vaga na Corte. Vale ressaltar que essa vaga deve ser preenchida pela regra do quinto constitucional, sendo destinada à classe da advocacia.

A OAB/SC elaborou uma lista sêxtupla de indicados e a encaminhou ao TJ/SC.

Os seis nomes dessa lista foram: Alexandre, Bruno, Carlos, Daniel, Elis e Fernanda.

A partir desses seis nomes, o TJ/SC elaborou uma lista tríplice contendo: Alexandre, Bruno e Carlos.

Essa lista tríplice foi encaminhada pelo Presidente do TJ ao Governador do Estado.

O Governador escolheu Alexandre e o nomeou como Desembargador.

Contudo, depois da nomeação, mas antes que a posse fosse realizada, a OAB tomou conhecimento de que Alexandre, supostamente, não tinha 10 anos de efetivo exercício de advocacia e, portanto, não preenchia o requisito constitucional previsto no art. 94.

Diante disso, a OAB instaurou procedimento administrativo, reconheceu que o requisito não havia sido realmente preenchido e, portanto, peticionou ao TJ pedindo para desconsiderar a lista sêxtupla anteriormente encaminhada já que Alexandre não poderia ter nela figurado.

O TJ instaurou procedimento administrativo, acolheu o pedido da OAB e desfez a lista anteriormente aprovada, reconhecendo a ilegalidade da participação de Alexandre no certame. O TJ elaborou, então, nova lista tríplice com os nomes de Bruno, Carlos e Daniel.

O Governo do Estado também instaurou procedimento administrativo, tornou sem efeito o ato de nomeação de Alexandre e nomeou Bruno em seu lugar como Desembargador.

Alexandre impetrou mandado de segurança contra o ato da OAB alegando que ela não poderia ter elaborado nova lista após a sua nomeação.

 

Diante disso, indaga-se: agiu corretamente a OAB ao revisar a lista sêxtupla anteriormente elaborada?

NÃO.

O preenchimento de lugar destinado ao quinto constitucional, nos Tribunais brasileiros, é um ato complexo, no qual participam a OAB, o Tribunal de origem (no caso, o TJ) e o chefe do Poder Executivo.

O ato complexo é aquele que, para sua formação, exige a necessária manifestação de dois ou mais órgãos para dar existência ao ato. Por ser um ato complexo, a revogação do ato dependeria da vontade de todos os participantes originários.

No entanto, o que motivou a ineficácia do ato que nomeara o impetrante para o cargo de desembargador foi uma decisão ilegal adotada pela Seccional da OAB. A ilegalidade aqui decorre do fato de que a competência da OAB já havia sido exaurida no momento de envio da lista tríplice para o Tribunal de Justiça.

No caso, a OAB já tinha perfectibilizado sua manifestação quanto à indicação do recorrido ao cargo de Desembargador; tanto que o Governador do Estado já tinha até mesmo nomeado o impetrante para o cargo pretendido.

Desse modo, a deliberação da OAB afetou ato que já se havia consolidado na formulação, pelo Governador de Estado, de sua vontade político-jurídica consubstanciada no ato de nomeação. Não caberia, portanto, à OAB, com base em decisão tomada após a formação do ato administrativo de nomeação, prejudicar situação jurídica que já estava consolidada.

 

Em suma:

O preenchimento de lugar destinado ao quinto constitucional, nos Tribunais brasileiros, é um ato complexo no qual participam a OAB, o Tribunal de origem e o chefe do Poder Executivo e, para sua revogação, depende da vontade de todos os participantes originários.

STJ. 2ª Turma. AREsp 2.304.110-SC, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 12/3/2023 (Info 770).

 

DOD Plus – alerta para “mudança” de entendimento

Vale ressaltar que o STJ havia analisado o caso concreto acima explicado em um agravo interno no pedido de suspensão de segurança. Na ocasião, o STJ decidiu que:

A Ordem dos Advogados do Brasil possui autonomia para elaborar e revisar lista sêxtupla para indicação de advogados para concorrer à vaga do quinto constitucional.

STJ. Corte Especial. AgInt na SS 3262-SC, Rel. Presidente Min. Humberto Martins, julgado em 20/10/2021 (Info 716).

 

A ementa oficial ficou assim redigida:

AGRAVO INTERNO NA SUSPENSÃO DE SEGURANÇA. VAGA DO QUINTO CONSTITUCIONAL. AUTONOMIA DA OAB PARA ELABORAÇÃO DA LISTA SÊXTUPLA. INDEPENDÊNCIA DO GOVERNADOR PARA REVOGAR ATO ADMINISTRATIVO PRÓPRIO. COMPROVAÇÃO INEQUÍVOCA DE VIOLAÇÃO DOS BENS JURÍDICOS TUTELADOS PELA LEGISLAÇÃO DE REGÊNCIA.

1. O deferimento do pedido de suspensão está condicionado à cabal demonstração de que a manutenção da decisão impugnada causa efetiva lesão ao interesse público.

2. A nomeação de membro de Tribunal de Justiça na vaga do quinto constitucional é um procedimento subjetivamente complexo, exigindo, necessariamente, atos de vontade da OAB, do TJ e do Governador do Estado.

3. A OAB possui autonomia para elaborar lista sêxtupla para indicação de advogados para concorrer à vaga do quinto constitucional.

4. O ato de nomeação do agravante foi tornado sem efeito pelo Governador do Estado após processo administrativo, que não foi questionado judicialmente, o que caracteriza perda do objeto da discussão judicial atual.

5. Impossibilidade de nomeação e posse por meio de criação legislativa via judicial de nova vaga de quinto constitucional, sem participação de futuras listas, sêxtupla e tríplice, e sem retirar o atual ocupante da vaga questionada de desembargador.

Agravo interno improvido.

(AgInt na SS 3.262/SC, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, CORTE ESPECIAL, julgado em 20/10/2021, DJe 11/11/2021)

 

Importante mencionar que, para algumas pessoas, isso pode nem ser considerado uma mudança de entendimento. Isso porque as decisões prolatadas em sede de suspensão possuem caráter eminentemente político ao verificarem a lesividade aos bens jurídicos tutelados pela lei de regência. Nesse sentido:

É eminentemente político o juízo acerca de eventual lesividade da decisão impugnada na via da suspensão de segurança, razão pela qual a concessão dessa medida, em princípio, é alheia ao mérito da causa originária.

STJ. Corte Especial. AgInt na SLS 2.702/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe de 27/8/2020.

 

Para fins de concurso público, é indispensável você fazer uma observação nos seus materiais de estudo no sentido de que a conclusão exposta no Info 716 não deve ser assinalada como correta em provas.

 

 


Dizer o Direito!