quinta-feira, 11 de maio de 2023
A mera solicitação do preso, sem a efetiva entrega do entorpecente ao destinatário no estabelecimento prisional, configura ato preparatório, o que impede a sua condenação por tráfico de drogas
Imagine a seguinte situação
hipotética:
Tiago cumpre pena em um presídio.
Natália, sua namorada, o visita
frequentemente.
Tiago pediu que Natália levasse
para ele maconha, na próxima vez que ela fosse visitá-lo.
Natália adquiriu a droga e levou até
o presídio. Ocorre que, durante o procedimento de revista de visitantes (scanner
corporal), os agentes localizaram o entorpecente.
Natália foi presa em flagrante. Ela e
o namorado foram denunciados por tráfico de drogas (art. 33 c/c art. 40, III,
da Lei nº 11.343/2006).
O juiz condenou os dois réus.
No que tange a Tiago, o magistrado
argumentou que, segundo o entendimento do STJ, não se exige que a droga seja
encontrada em poder do acusado, nem que haja efetiva entrega da substância
entorpecente ao seu destinatário final. Logo, mesmo Tiago não tendo recebido a
droga, seria possível a sua condenação. O juiz afastou o argumento de que a
maconha seria para uso próprio considerando a elevada quantidade encontrada.
Tiago recorreu alegando que não
praticou nenhum dos verbos típicos previstos no art. 33 da Lei de Drogas.
O STJ concordou com os argumentos de
Tiago?
SIM.
O caput do art. 33 da Lei nº 11.343/2006 possui a seguinte
redação:
Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar,
produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito,
transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo
ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo
com determinação legal ou regulamentar:
Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15
(quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos)
dias-multa.
Tiago não praticou qualquer conduta
que possa configurar o início do iter criminis do delito descrito no
art. 33 da Lei nº 11.343/2006. Isso porque se limitou a solicitar (pedir) à sua
companheira (corré) a entrega da droga no interior do presídio em que se
encontrava recolhido.
A mera solicitação, sem a efetiva
entrega do entorpecente ao destinatário no estabelecimento prisional,
configura, no máximo, ato preparatório e, sendo assim, impunível.
Logo, se o preso solicita a droga
de um parente, mas o entorpecente não é entregue, ainda que por circunstâncias alheias
à sua vontade, essa conduta é atípica, gerando a absolvição do acusado.
Nesse sentido:
A interceptação da droga pelos agentes penitenciários antes de
ser entregue ao destinatário, recolhido em estabelecimento prisional, impede a
ocorrência da conduta típica do art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006 na
modalidade “adquirir”, que viria, em tese, a ser por esse praticada.
Na espécie, extrai-se do acórdão proferido pela Corte a quo que
a única ação imputada ao ora recorrido foi ter solicitado à sua companheira
(corré) a entrega da droga no interior do presídio em que se encontrava
recolhido. Ademais, não há nos autos notícia de que o réu a tivesse ameaçado,
tampouco comprovação de que esse tenha adquirido os entorpecentes.
Nesse contexto, o ora recorrido não praticou qualquer conduta
que pudesse ser considerada como início do iter criminis do delito de tráfico
de entorpecentes, porquanto a mera solicitação para que fossem levadas drogas
para ele, no interior ao estabelecimento prisional em que se encontra
recolhido, poderia configurar, no máximo, ato preparatório e, portanto,
impunível, mas não ato executório do delito, seja no núcleo “adquirir”, seja
nas demais modalidades previstas no tipo penal.
STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1.922.955/MG, Rel. Min. Reynaldo
Soares da Fonseca, julgado em 11/5/2021.
A tão só ação imputada de, em tese, solicitar que fossem levadas
drogas para o interior do estabelecimento prisional, entorpecentes esses cuja
propriedade não se conseguiu comprovar, poderia configurar, no máximo, ato
preparatório e, portanto, impunível, mas não ato executório do delito, seja na
conduta de “adquirir”, a qual se entendeu subsumir a ação, seja nas demais
modalidades previstas no tipo. Evidencia-se, portanto, a atipicidade da conduta.
STJ. 6ª Turma. AgRg
no REsp 1.937.949/MG, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 17/08/2021.
Em suma:
STJ. 5ª
Turma. AgRg no REsp 1.999.604-MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em
20/3/2023 (Info 770).
DOD Plus –
cuidado para não confundir
O STJ possui julgados dizendo
que, se o indivíduo combinou a compra da droga com o traficante e o
entorpecente não foi entregue por circunstâncias alheias à sua vontade, esta
conduta já configura o crime do art. 33 da Lei nº 11.343/2006, na modalidade
“adquirir”. Confira:
O crime descrito no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006 é
unissubsistente, de maneira que a realização da conduta esgota a concretização
do delito.
É desnecessário, para a configuração do delito previsto no art.
33, caput, da Lei nº 11.343/2006, que a droga seja encontrada em poder do
acusado ou que haja a efetiva tradição ou entrega da substância entorpecente ao
seu destinatário final.
O simples ajuste de vontades sobre o objeto, por ocasião da
encomenda da droga, basta para constituir a conduta abrangida pelo verbo
“adquirir”. Inconcebível se falar, por isso mesmo, em meros atos preparatórios.
Vale dizer, antes mesmo da apreensão das drogas em poder dos
corréus, o delito já havia sido praticado pelo paciente com a aquisição das
drogas, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.
STJ. 6ª Turma.
HC 650.712/SC, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 9/8/2022.
Raciocínio semelhante é empregado
naqueles casos em que há interceptação da droga que seria comprada ou vendida,
por via postal, hipóteses em que o STJ também entende que há tráfico consumado.
Vamos acompanhar atentamente, no
entanto, penso que o STJ continuará fazendo a seguinte distinção:
• indivíduo que compra a droga
por WhatsApp, telefone etc., mas o entorpecente não chega a ser entregue:
tráfico consumado. A conduta “adquirir” foi praticada.
• indivíduo que solicita que um
parente leve droga para o presídio: em regra, conduta atípica da pessoa que
solicitou. Isso porque não se enquadra em nenhum verbo do art. 33 da LD.