A situação concreta, com
adaptações, foi a seguinte:
Larissa, sobrinha do Prefeito, era
Secretária de Saúde do Município.
João, o Prefeito, passou a ser
investigado por crimes contra a dignidade sexual de crianças, sendo, inclusive,
preso e afastado temporariamente do cargo.
Irresignada com a investigação
levada a efeito contra seu tio, Larissa resolveu procurar Nair, conhecida na
cidade por realizar rituais de magia com intenções maléficas.
Larissa pagou à Nair R$ 5 mil
para que ela realizasse serviços espirituais destinados a provocar a morte do
Delegado de Polícia, do Promotor de Justiça, do Presidente da Câmara de
Vereadores e de um jornalista que teria noticiado os supostos crimes praticados
pelo Prefeito.
Acontece que Nair, logo depois de
receber a quantia, procurou o jornalista (que seria uma das vítimas dos rituais
místicos) e relatou a ele todo ocorrido, argumentando que tinha muita
consideração por ele e, em razão disso, não poderia fazer nenhum ritual em seu
desfavor, tendo fingido que concordava apenas para reunir provas contra
Larissa.
Nair entregou ao jornalista
áudios e prints das conversas com a sobrinha do Prefeito.
O jornalista procurou a polícia e
representou contra Larissa pelo crime de ameaça.
Diante desses fatos, o juiz
deferiu pedido de busca e apreensão na residência de Laís, além da quebra do
sigilo dos dados telemáticos do celular dela. Por ocasião de perícia no
aparelho celular, a polícia encontrou a fotografia de uma adolescente nua.
O Ministério Público ofereceu
denúncia em desfavor de Larissa pelos crimes de ameaça (art. 147, caput, por
sete vezes) e por armazenamento de fotografia contendo cena pornográfica de
adolescente (art. 241-B c/c art. 241-E, do ECA), em concurso material (art. 69,
do CP).
Habeas corpus
A defesa de Larissa impetrou
habeas corpus, alegando que estaria sofrendo constrangimento ilegal pelos
seguintes fatos:
- a investigação foi deflagrada
por autoridade policial suspeita, tendo em vista que o próprio Delegado figura
como vítima dos fatos em investigação;
- nunca houve qualquer declaração
pública da paciente que pudesse ser enquadrada no crime de ameaça.
O TJ/GO denegou a ordem.
Inconformada, Larissa impetrou novo
habeas corpus, agora no STJ, reiterando todas as suas alegações.
O STJ concordou com o
pedido da defesa?
SIM.
O delito de ameaça somente pode ser cometido dolosamente, ou
seja, deve estar configurada a intenção do agente de provocar medo na vítima.
Confira a redação do tipo penal:
Art. 147. Ameaçar alguém, por
palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal
injusto e grave:
Pena - detenção, de um a seis
meses, ou multa.
Parágrafo único - Somente se
procede mediante representação.
No caso concreto, não houve nenhuma
conduta da paciente direcionada a causar temor nas vítimas.
Não houve nenhuma menção a
respeito da intenção em infundir temor, mas tão somente foi narrada a
contratação de trabalho espiritual visando a “eliminar diversas pessoas”.
Não ficou demonstrado que a ré teve
a vontade livre e consciente de intimidar os ofendidos. A conduta dela
consistiu em contratar uma “profissional especializada” que trabalha com esse
tipo serviço - que se pode denominar de metafísico -, a fim de que fosse
causado mal grave e injusto aos ofendidos.
A paciente esperava que a
profissional mantivesse o sigilo, o que, contra sua vontade, não ocorreu. Não
há, portanto, o dolo de ameaça, dirigida, direta ou indiretamente, aos
ofendidos, como exige a objetividade jurídica do tipo penal.
Além
disso, o tipo penal do art. 147 do CP, ao definir o delito de ameaça, descreve
que o mal prometido deve ser injusto e grave, ou seja, deve ser sério e
verossímil. A ameaça, portanto, deve ter potencialidade de concretização, sob a
perspectiva da ciência e do homem médio, situação também não demonstrada no caso.
Diante das circunstâncias, a
instauração do inquérito policial, e as medidas cautelares determinadas, bem
como a ação penal, porquanto baseadas em fato atípico (ameaça), são nulas, e
consequentemente a imputação pela prática do crime previsto no art. 241-B, c/c
o art. 241-E, ambos do ECA.
Em suma:
STJ. 6ª Turma. HC 697.581-GO, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em
7/3/2023 (Info 771).
DOD Plus – não confundir com julgado correlato
A extorsão pode ser praticada mediante a ameaça feita pelo agente de
causar um “mal espiritual” na vítima
O crime de extorsão consiste em “Constranger alguém, mediante
violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem
indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar fazer
alguma coisa”.
A ameaça de causar um “mal espiritual” contra a vítima pode ser
considerada como "grave ameaça" para fins de configuração do crime de
extorsão?
SIM. Configura o delito de extorsão (art. 158 do CP) a conduta
do agente que submete vítima à grave ameaça espiritual que se revelou idônea a
atemorizá-la e compeli-la a realizar o pagamento de vantagem econômica
indevida.
STJ. 6ª Turma. REsp 1299021-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz,
julgado em 14/2/2017 (Info 598).